Alquimista do Nordeste

Espumante de caju celebra as riquezas da Caatinga

Produtor cearense busca mostrar as diversidades desse território na gastronomia sem regionalismos e estereótipos

A caatinga vai virar terroir se depender do sonho do cearense Vicente Monteiro ao pensar nos produtos que podem surgir a partir desse rico, porém incompreendido bioma.

O fundador da empresa Alquimista da Caatinga passou a sonhar grande em termos gastronômicos para esse território, que ocupa 70% da região Nordeste, quando viu seu espumante de caju, o Cauina, conquistar espaço em restaurantes finos de São Paulo, como o Mani, da chef Helena Rizzo. A bebida, segundo ele, é versátil porque combina dulçor, acidez e amargor, e acompanha de carnes a frutos do mar e doces.

Vicente Monteiro, criador do espumante de caju Cauina, quer limitar a produção e mantê-la artesanal | Crédito: William Ferreira/Divulgação

Fruto da fermentação do suco de caju em um processo de vinificação semelhante ao dos champanhes (champenoise), o produto foi apresentado há três anos no final do curso da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, em Fortaleza (CE).

“Tinha expectativa nas cervejas artesanais que também mostrei, mas o sucesso foi do espumante”, comenta o produtor.

Na ocasião, Monteiro percebeu o valor da bebida e concluiu que precisava empreender mesmo não sendo 100% como desejava. Na escola, ele havia desenvolvido um projeto de busca por leveduras naturais, fungos que promovem a fermentação em bebidas alcoólicas, pães e outros produtos.

A intenção, comercialmente, era fermentar o espumante com uma delas em razão das características próprias do lugar. Mas o alto investimento que isso exigiria estava fora de cogitação e, sendo assim, o produtor passou a utilizar uma levedura tradicional da indústria dos vinhos.

Produto artesanal

Monteiro pode, até o momento, não ter conseguido personalizar a produção com o fungo da caatinga, mas o espumante tem no caju o símbolo de fruto natural (autóctone) desse território. Atualmente, parte da produção do suco para a Cauina é feita pela família de Silvanar Soares, pequeno produtor de Araçoiaba, no Maciço de Baturité (CE), e o espumante é finalizado em Fortaleza.

Parte da produção de suco de caju para a Cauina é feita por pequeno produtor de Araçoiaba, no Ceará | Crédito: Luiz Alves / Divulgação

O suco é extraído do pedúnculo ou pseudofruto (a polpa), parte que costuma ser descartada pela indústria porque o interesse comercial está na castanha, o verdadeiro fruto. O maior produtor da oleaginosa é o Ceará, com 68 mil toneladas, o equivalente a 56% da produção nacional, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Mesmo com o sucesso da Cauina (R$149 a garrafa), Monteiro não pretende elevar a produção para além de 40 a 50 mil garrafas anuais — hoje está em aproximadamente 5 mil garrafas por ano. “Estimei esse teto porque não quero perder a mão do artesanal”, diz.

Para esse futuro, ele pretende que o espumante seja feito com tecnologia 100% nordestina e que esteja no mesmo lugar requintado de outras bebidas. “É onde eu acho que as plantas da caatinga merecem estar”, finaliza.

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Salada de frutas

Antes da chegada dos europeus ao Brasil e da introdução de técnicas de fabricação de vinhos a partir da uva, os povos originários fermentavam frutas, raízes e grãos para fazer bebida alcoólica. A tradição de fazer vinho de frutas (jabuticaba, caqui, pitanga, entre outras) sempre esteve associada a regiões onde a produção das frutíferas são abundantes — mesmo que essas bebidas não cheguem às prateleiras dos supermercados e a legislação brasileira defina como vinho apenas o produto originário da fermentação da uva. Nomenclaturas à parte, o movimento dos vinhos naturais (caracterizado pela mínima ou nenhuma intervenção) busca fazer o resgate do vinho de frutas e estimular a produção e a diversidade dessas bebidas.