Bebidas

Chief coffee officer: Quando o barista encontra o leite de aveia

Avaliada em mais de R$ 100 milhões, Nude se inspirou na Oatly para ganhar mercado a partir dos baristas; hoje, está presente em 1,5 mil cafeterias em todo o Brasil

Quando o brasileiro Alexander Appel morou em Berlim, gostava de degustar os cafés especiais da Five Elephant, uma conhecida torrefação e cafeteria da Alemanha. Numa dessas visitas, um barista perguntou se não toparia experimentar o flat white com leite de aveia.

“Prova. Se você não gostar, eu troco pelo leite de vaca”. A garantia foi convincente e ele topou, mas gostou tanto do produto que voltou ao Brasil decidido a replicar a experiência.

Ao lado da esposa Giovanna Meneghel, que veio de uma das famílias que mais conhece de produção de aveia no mercado brasileiro, a dupla fundou a Nude com uma estratégia simples: usar o café especial como porta de entrada para o leite de aveia.

Depois de se consolidar nas cafeterias, a Nude quer ganhar escala no varejo, onde a concorrência é maior | Crédito: Divulgação

Para fazer o leite de aveia da Nude pegar, era preciso estar próximo dos baristas, uma comunidade que virou sinônimo de um lifestyle. Se esse era o objetivo, o produto precisava ser tão bom como aquele que Appel provou na Alemanha, trazendo cremosidade como fazia a Oatly, companhia sueca listada na Nasdaq e a primeira a criar uma versão de leite vegetal para baristas.

“Na Alemanha, o leite vegetal da Oatly não funcionava como um vetor de sabor que atrapalhava a experiência do café”, lembra Pedro Lisboa, brasileiro com mais de 20 anos de experiência em café especial que também morou em Berlim e foi recrutado pela Nude para o inusitado cargo de chief coffee officer.

Versão barista

Inicialmente, a ideia de Appel e Meneghel era lançar o leite de aveia da Nude apenas na versão barista, para estimular a experimentação do consumidor nas cafeterias, e só depois levar o produto ao varejo. Mas a marca acabou lançada no auge da pandemia, o que exigiu algumas adaptações na estratégia e o varejo foi incorporado no lançamento.

Depois de alguns meses de trabalho, o produto da Nude chegou ao mercado (e às cafeterias), ajudando a mudar a percepção sobre o leite de aveia. “No Brasil, havia marcas que entregavam um sabor artificial e que não criavam cremosidade”, conta Lisboa.

Na língua dos baristas, o certo mesmo é falar em cremosidade. Espuma? Nem pensar. Só tem espuma quando o cappuccino deu errado, brinca o chief coffee officer da Nude, que é mestre pela Universidade do Café, instituição patrocinada pela Illy que fica em Trieste, na Itália.

Conforme as restrições da pandemia foram flexibilizadas, a Nude pode colocar em marcha sua estratégia para chegar ao mundo dos baristas, levando o leite de aveia para redes como The Coffee e cafeterias paulistanas como Coffee Lab — de Isabella Raposeiras, uma das precursoras do café especial no Brasil — e Um Coffee, do barista e campeão mundial Boram Um. (A Nude também patrocinou o barista.)

“Conseguimos chegar num ambiente em que o café especial e os baristas se juntaram numa mudança de mentalidade que a Nude queria trabalhar, que é trazer os consumidores para produtos de baixo carbono”, diz Lisboa.

Plano inicial da Nude era lançar a bebida apenas na versão barista, para estimular experimentação nas cafeterias, mas pandemia atrapalhou

Atualmente, a Nude está presente em 1,5 mil cafeterias em todo o Brasil. Ao todo, são 5 mil pontos de venda, incluindo redes varejistas e farmácias que comercializam as bebidas proteinadas de aveia, que concorrem com marcas como a YoPro, da Danone. Além do leite de aveia, a startup fabrica produtos como creme de leite e leite condensado, todos feito do cereal.

Varejo

Depois de se consolidar nas cafeterias, a Nude agora quer ganhar escala no varejo, mas não está sozinha no mercado. Marcas como Naveia, A tal da Castanha (que pertente à 3Corações), Fazenda Futuro e Natural One também se lançaram no mercado de bebidas de aveia e querem a preferência do consumidor.

Líder no Brasil, a Nude produz 3 milhões de litros por ano, um volume ínfimo perto do mercado de leite de vaca. Para se ter uma referência, o laticínio Jussara, um dos cinco maiores do Brasil, processa cerca de 600 milhões de litros. A líder Lactalis produz mais de 1 bilhão de litros.

Para ilustrar o potencial de crescimento, Appel faz uma comparação com a Mãe Terra, linha de produtos saudáveis comprada pela Unilever. A marca está presente em mais de 40 mil pontos. “Acho que podemos crescer de quatro a cinco vezes no varejo ainda”, diz.

A estimativa está lastreada na penetração ainda baixa do leite de aveia no mercado nacional. Enquanto nos EUA esse número passa de 15% e na Europa, de 10%, por aqui a fatia ainda é inferior a 2%. “Se chegar a 10% do mercado de leite de vaca, seria um negócio de US$ 2,7 bilhões”.

Nova rodada

Para continuar crescendo, a Nude conversa com fundos para fazer uma nova rodada de investimentos. Até hoje, a startup fez duas. A primeira, de R$ 2 milhões, foi em 2020. A segunda ocorreu no ano passado, quando a Vox Capital, gestora de investimentos de impacto, liderou uma rodada de R$ 25 milhões que avaliou a companhia de leite de aveia em R$ 125 milhões.

Com uma estratégia asset light — a produção é feita no moinho da paranaense SL Alimentos, que pertence à família de Meneghel —, a Nude já faz mais de R$ 50 milhões de faturamento anualizado e quer chegar ao fim de 2024 com R$ 100 milhões de run rate.

Se depender do sabor do leite de aveia da Nude — este repórter provou um cappuccino preparado por Appel —, não há porque duvidar.