Na mesa

Fazenda do agreste pernambucano encanta chefs com charcutaria, café e mel

A marca Yaguara Ecológico, da família Peebles, se destaca pela fabricação artesanal e ecológica de seus produtos

É preciso um bocado de tempo para que as coisas aconteçam. Foram necessários 45 anos para a formação da Yaguara Ecológico, tal como hoje a marca é conhecida pelos embutidos de carne de porco que encantam chefs de cozinha, café, mel de abelha italiana (apis melífera ligustica) e frutas do agreste pernambucano. Esse tempo teve início na década de 70, quando David Peebles subiu a serra a quase mil metros de altitude, em Taquaritinga do Norte (PE), e se encantou pela natureza que viu.

O urbanista americano, que na época estava no Brasil pela Peace Corps (agência criada em 1961 pelo presidente John F. Kennedy para ajudar países em desenvolvimento), adquiriu a Várzea do Onça, uma propriedade de quatro hectares que a princípio seria apenas uma área rural destinada à família. David era casado com a pernambucana Lúcia e tiveram as filhas Tatiana, que nasceu em Ohio (EUA) e hoje está à frente da Yaguara, e Frances, que nasceu em Pernambuco, mas mora em Chicago.

“Somos artesãos e guardiões da terra, entendemos os ciclos da natureza e trabalhamos junto deles”, afirma Tatiana Peebles | Divulgação

A família Peebles foi vivendo misturado — ora no Brasil, ora nos EUA — mas sempre conectada à propriedade. “Toda vez que voltávamos, havia a oferta para comprar mais um pouco de terra”, lembra Tatiana. Hoje a fazenda soma 125 hectares, mas nunca se distanciou do que foi sonhado para ela: manter uma produção diversificada e sustentável baseada na policultura ao modo dos indígenas da região, cujos cultivos se misturam em meio à mata. “É diferente de agrofloresta, formada conforme o consórcio de plantas”, explica.

A Yaguara (nome da marca dos produtos, mas como também a propriedade passou a ser chamada depois de ficar conhecida) já teve vários modelos de negócios, como a venda de frutas para os hotéis em Recife. “Tem bastante cajá, morango e caju, praticamente, todo mês uma nova colheita acontecendo”, conta Tatiana.

Foi nos anos 90, porém, que os Peebles se deram conta que tinham naquelas terras a variedade Arabica Typica, uma raridade por ser considerada um dos primeiros cafés arábica. “Fui em um evento da Specialty Coffee Association of America (SCAA), em San Diego (EUA) e um grupo de importadores japoneses baixou na fazenda dias depois para conferir”, diz Tatiana.

Segundo ela, esses compradores orientaram a família sobre a importância de retomarem a colheita seletiva dos frutos maduros e de todo o cuidado no beneficiamento para os grãos. “Investimos em maquinários e treinamento de mão de obra, passamos a exportar para o Japão e Estados Unidos e depois nos dedicamos ao mercado nacional”.

Embora não foque em volume, são 20 a 30 mil novos pés de café plantados por ano. Tatiana também não comenta sobre volume das outras produções. “Não trabalhamos em escala, por isso atuamos em várias frentes para a propriedade ser rentável”, afirma.

Àquela altura, já não era mais possível tocar a fazenda um pouco aqui e um pouco lá nos EUA. Em 2015, Tatiana decidiu voltar para o Brasil (depois veio o pai) para cuidar do café e encontrou na charcutaria a outra vocação para a Yaguara, com a pequena criação de porcos que existia. “Comecei pelo presunto curado, cujo resultado animador só pode ser conferido um ano depois”, relembra.

Tatiana foi aprendendo as técnicas à base de muita leitura, acerto e erro, aprimorando a produção e incorporando novas receitas. Hoje, o presunto curado é considerado uma iguaria (não deve aos seus similares italianos e espanhóis) e há também a produção de bacon com goiabada, guanciale, lardo e salames.

As carnes são temperadas com as ervas cultivadas na fazenda e os produtos conquistaram de vez os chefs de cozinha depois de Tatiana participar do evento Mesa Tendências, em 2015, um congresso internacional de gastronomia, em São Paulo. Entre os clientes estão restaurantes premiados como Mocotó, em São Paulo, Oteque, no Rio de Janeiro, e o Quina do Futuro, em Recife.

A diminuta criação de porcos, cinco matrizes e um varão – mescla das raças landrasse, large white, duroc, moura e pietra –, se alimenta de hortaliças, frutas e castanhas locais, tomam banho, ouvem música e têm nomes.

Se existe pena em abatê-los? “Sempre, mas nenhuma vida foi tirada em vão. Aproveitamos tudo do animal, da cabeça ao rabo”, diz Tatiana Peebles, que amplia o tema. “A primeira coisa que o produtor rural aprende é a perder, um animal, uma colheita, uma árvore, mas também há muitas alegrias”, diz.

A propriedade é familiar com 13 funcionários, contando a própria Tatiana, o marido Juscelino (sempre morou lá, é filho do primeiro administrador da fazenda) e o pai David. Até mesmo a filha Eleonora, de 12 anos, se envolve nas tarefas da casa e do campo.

Com tantos pedidos de chefs e pessoas em geral para conhecer a propriedade, Tatiana criou o evento Yaguara Recebe, um dia de vivência no campo com almoço com ingredientes locais. Nesse momento, ela reforça o posicionamento que sempre guiou a propriedade. “Somos artesãos e guardiões da terra, entendemos os ciclos da natureza e trabalhamos junto deles”.