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Agrogalaxy faz acordos para ter sementes e fertilizantes na safrinha

Eron Martins, CEO da rede de revendas, recebeu The AgriBiz em Goiânia para contar como andam as negociações com clientes e fornecedores

Eron Martins, CEO da Agrogalaxy

DE GOIÂNIA (GO) — A Agrogalaxy encolheu brutalmente e boa parte do mercado é cética com a capacidade de recuperação da rede de revendas, mas nem tudo é catástrofe. Apesar das dificuldades para recuperar a confiança dos diferentes stakeholders, a companhia controlada pelo Aqua Capital parece ter achado um fio de esperança com alguns fornecedores.

Nas últimas semanas, a Agrogalaxy costurou acordos com sete misturadoras regionais de fertilizantes para garantir o fornecimento do pacote necessário para a safrinha, em um modelo que poupa capital de giro. Embora grandes players como Mosaic e Yara permaneçam distantes, os acordos recentes dão um fôlego de pelo menos alguns meses.

Paralelamente às negociações para ter uma oferta mínima de fertilizantes, a rede de revendas também negocia o fornecimento de sementes de milho com o Grupo Don Mario, apurou The AgriBiz.

Na última sexta-feira, o CEO da Agrogalaxy, Eron Martins, recebeu a reportagem de The AgriBiz na sede da companhia, em Goiânia. O executivo admitiu a complexidade do momento, mas se mostrou confiante em uma retomada lenta e gradual.

“Ninguém pode dizer que o nosso contexto é fácil, mas ainda estamos presentes em nove estados. Somos 74 lojas em áreas que entendemos ser de menor risco climático e onde o produtor já está mais consolidado”, defendeu Martins.

A relação da Agrogalaxy com os fornecedores vem sendo acompanhada de perto por credores financeiros e agricultores. Para um negócio que opera com prazo safra, comprar insumos agrícolas à vista é impraticável, ainda mais para uma companhia que viu o crédito bancário sumir e boa parte dos fornecedores se afastar após a recuperação judicial. Sem prazo, a companhia poderia se inviabilizar.

Não à toa, a Agrogalaxy fechou 76 lojas e demitiu mais de 500 pessoas em meados de outubro. O corte é reflexo de uma companhia que ficará muito menor. Os números ainda não são claros, mas a receita com insumos agrícolas deve ficar na casa de R$ 2 bilhões ao ano neste novo momento. Para se ter uma ideia da diminuição, a receita com insumos foi de R$ 5,3 bilhões em 2023 e de R$ 7,7 bilhões no auge, em 2022.

Os clientes receberam?

Nas primeiras semanas após o “18S” — forma como Martins chama o fatídico 18 de setembro, quando a rede de revendas pediu RJ —, a prioridade era evitar o esgarçamento total no relacionamento com os clientes, uma tarefa que foi cumprida apenas parcialmente.

A situação era particularmente delicada porque a Agrogalaxy precisava emplacar um downsizing gigantesco num timing péssimo para o agricultor. O pedido de recuperação judicial ocorreu na boca da safra de soja, quando a Agrogalaxy estava animada com o crescimento expressivo da carteira de pedidos (36% na comparação com o ano anterior) e os clientes contavam com os produtos.

Quando veio a recuperação, a Agrogalaxy sabia que não teria insumos agrícolas suficientes para honrar os pedidos, até porque apenas parte estava em estoque — o que é uma praxe de mercado. Com isso, boa parte dessa carteira de pedidos se inviabilizou, num processo doloroso que incluiu longas conversas com os clientes.

“É o seguinte. Para o que você comprou de mim, eu tenho apenas uma quantidade em casa, que não é grande”, narra Martins. Em alguns casos, a Agrogalaxy cancelou completamente o pedido. Em outros, entregou apenas uma parte.

“É uma conversa difícil. Não posso prometer que vou conseguir trazer o insumo porque nenhum fornecedor vai me entregar o produto logo após o 18S, não é? Então, para segurança, e por pior que seja para mim, recomendo buscar uma alternativa. Não vou ficar te segurando. Se não, passa a janela de plantio e o problema fica grande”, prosseguiu Martins, contando o teor das conversas.

Para Mariel Alves, vice-presidente comercial da Agrogalaxy responsável pelo Cerrado, o diálogo com os clientes ajudou a preservar alguns contratos, trocando o portfólio de clientes que haviam comprado fertilizantes — um item que ficou escasso no estoque da rede de revendas — e aceitaram receber defensivos e especialidades. De modo geral, no entanto, a maior parte da carteira foi perdida.

A safrinha vem aí

Assim que concluiu a fase de contenção de danos da safra de soja, perdendo alguns bilhões em vendas em bases anuais, a Agrogalaxy apertou o passo para trazer soluções para continuar minimamente relevante na oferta de insumos para a safrinha, cujo plantio começa imediatamente após a colheita da soja.

Uma parte da janela de compras da safrinha foi perdida, mas boa parte ainda está em aberto. Para isso, o acerto com os fornecedores é uma esperança. “Para rodar a safrinha, o primeiro inumo que precisava estar resolvido era a semente de milho. Por isso, a gente priorizou”, contou Martins.

Depois das sementes, que incluíram marcas de híbridos de milho com as quais a Agrogalaxy já trabalhava nas safras anteriores, a companhia precisava assegurar que teria fertilizante para incluir no pacote.

Usualmente, os fertilizantes são o insumo mais difícil para as revendas, entregando uma margem bruta de apenas 8% ao mesmo tempo em que consomem 50% do capital de giro da companhia. Em comparação, as especialidades (o que inclui os biológicos) dão uma margem bruta de 35%.

Mas como fertilizante é necessário, a Agrogalaxy encontrou uma alternativa. Até agora, a companhia fechou acordo com sete fornecedores — tipicamente, misturadoras regionais de médio e pequeno porte — para entregar fertilizantes aos clientes da safrinha.

Por meio dessas parcerias, a rede de revendas comercializa diretamente com os agricultores o pacote com sementes, especialidades e defensivos e fica com uma comissão por vender o fertilizante. Nesse modelo, a vantagem é que o capital de giro fica com a misturadora, desonerando a revenda.

Martins não abriu o nome das misturadoras de fertilizantes que firmaram parcerias e tampouco o volume envolvido. A empresa segue sem as líderes Mosaic (uma das maiores credoras da Agrogalaxy, com R$ 120 milhões a receber) e Yara (com quem a rede de revendas sofreu para honrar os pagamentos). Juntas, as duas gigantes têm pelo menos metade do mercado de fertilizantes no País.

“A gente vai fazer uma safrinha que a gente consiga entregar com maestria. Então, o tamanho da nossa safrinha vai estar muito mais condicionado ao que a gente é capaz de entregar”, indicou o CEO da Agrogalaxy.

Para a safrinha, o próximo passo da rede de revendas é negociar com os fornecedores de defensivos agrícolas. Neste caso, o diálogo passa por aceitar receber a prazo, seguindo a dinâmica de pagamentos da safra.

Em troca, como é usual em planos de recuperação judicial, os fornecedores que continuarem fornecendo com prazo vão receber um tratamento especial na RJ, com condições melhores de negociação (prazo de pagamento, percentual de haircut da dívida original etc.).

O plano de recuperação

Martins evita detalhes sobre o formato do plano de recuperação judicial que está em gestação, mas assegurou que as conversas estão evoluindo e a expectativa é apresentar a primeira versão do plano aos credores ainda em novembro. Legalmente, o prazo para apresentar o plano é de 60 dias após o pedido de RJ, prorrogáveis por mais tempo.

Uma parte importante do plano é manter a Sementes Campeã não só operando, mas de forma rentável, especialmente com a UBS localizada em Água Fria de Goiás. Se conseguir isso, a companhia pode aprovar o plano com algum ativo que ainda interesse ao mercado.

Na indústria de sementes, há dúvidas de que isso seja possível, mesmo porque há um risco de perda de pessoas-chave para o negócio. De qualquer forma, preservar algum valor na Campeã faz todo sentido.

A importância da sementeira fica clara nos números que o Santander apresentou aos potenciais compradores da Campeã no início do ano, quando havia um processo formal de venda, negociação que parou após a recuperação judicial.

Dados obtidos por The AgriBiz mostram que, no ano passado, a sementeira da Agrogalaxy fez uma receita de R$ 605 milhões e um Ebitda ajustado de quase R$ 80 milhões, o que dá 23% do consolidado mesmo representando apenas 11% da receita com insumos.

“A Campeã continua sendo um ativo importante. Seja para alavancar a nossa transição por esse período, ou para eventualmente, durante o processo de recuperação judicial, ser uma venda que possa trazer caixa”, indicou Martins.

A gestão do caixa

Enquanto desenha o plano, a Agrogalaxy colocou em marcha um plano para recuperar parte dos créditos inadimplentes. Uma das estratégias é oferecer comissão para os RTVs que conseguirem receber dos produtores que estão atrasados. “É uma cenourinha a mais para o RTV ir atrás”, disse Martins.

Na mesa, há mais alternativas para trazer caixa no curto prazo. “O próprio FIDC é uma opção. Ainda temos recebíveis do passado que não descontamos”, revelou o CEO. Martins lembrou ainda que muitas companhias em recuperação judicial costumam vender, com desconto, a carteira de clientes inadimplidos, mostrando outra alternativa de capitalização no curto prazo. Até aqui, o martelo não foi batido, mas a Agrogalaxy considera todas essas possibilidades.

Ao falar de gestão de caixa, Martins aproveitou para tentar afastar a interpretação de que a Agrogalaxy estava preparando a recuperação judicial há muito tempo, o que explicaria a mudança de sede para Goiânia. Se isso fosse verdade, a companhia teria entrado com a proteção judicial meses antes, argumentou o CEO da Agrogalaxy. “O melhor momento para pedir uma RJ era lá entre abril e maio, quando tinha mais caixa e antes de pagar todo mundo”.

Martins não cita nomes, mas parece convicto que o “18S” não existiria se a companhia não tivesse mais de R$ 35 milhões bloqueados pelo Banco ABC Brasil. Sem o bloqueio, o pagamento da amortização do CRA ocorreria e uma negociação de rolagem das dívidas com bancos e gestoras de crédito, que já estava em curso, acabaria evoluindo de forma satisfatória.

Apesar disso, o executivo argumenta que, com a recuperação judicial, preservou caixa suficiente para ir até a safrinha. “Temos um caixa tranquilo para atravessar o período até a nova safra. Vamos fazer uma safrinha menor, mas vamos até lá sem nenhum problema”, prometeu o CEO da Agrogalaxy.

Para uma companhia que frustrou as próprias expectativas por diversas vezes ao longo dos últimos anos, qualquer conclusão sobre a retomada ainda é prematura. Neste momento, no entanto, a regra do jogo é permanecer vivo.

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O jornalista viajou a convite da Agrogalaxy.