Em mais um sinal de que as tensões entre revendas e fabricantes de insumos agrícolas ainda persistem, a gigante de fertilizantes Yara tomou um calote de um grupo de distribuidoras e cooperativas que incluem companhias como a Agrogalaxy.
Na quinta-feira à noite, a securitizadora Ecoagro informou que um CRA da Yara venceu sem ter a totalidade dos recursos pagos. Os papéis haviam sido encarteirados sobretudo por bancos — incluindo o Alfa, que coordenou a emissão.
O CRA da Yara, um crédito pulverizado de pouco mais de R$ 250 milhões emitido há um ano para financiar as revendas que compram fertilizantes da companhia, expirou em 20 de junho com uma inadimplência de quase R$ 84 milhões, o que representa um terço do total.
A esperança da Yara é que boa parte disso ainda possa ser revertido. Uma parcela das distribuidoras, incluindo a Agrogalaxy, demonstrou disposição de negociar. As conversas acontecem enquanto as revendas argumentam que vêm sofrendo com o ritmo de pagamentos dos produtores, mais lento do que o desejado.
“A Yara entende o atual cenário como um atraso justificado por fatores de mercado, não como um inadimplemento, e está cumprindo com todas as suas responsabilidades de fiadora e exigências da securitização, certa de que essa situação se resolverá no curto prazo”, informou a gigante de fertilizantes, em uma nota enviada ao The AgriBiz.
De um total de 26 revendas e cooperativas que dão lastro ao CRA da Yara por meio da cessão de notas promissórias, nove não fizeram os pagamentos devidos em 20 de junho. A Agrogalaxy é uma delas, com R$ 30 milhões em dívidas atreladas a esse contrato.
Em nota, a rede de revendas controlada pelo Aqua reconheceu os atrasos. A decisão de postergar o pagamento faz parte de uma estratégia comum das revendas, que buscam casar o recebimento dos agricultores com o pagamento dos fornecedores, argumentou a Agrogalaxy.
Neste momento, a rede de revendas vem tentando renegociar os prazos. “A Agrogalaxy está trabalhando com o fornecedor Yara de forma a repactuar os prazos de pagamento da melhor forma para atender as partes envolvidas”, informou a companhia, em nota ao The AgriBiz.
Em meio ao atraso nos pagamentos, a Ecoagro (securitizadora responsável pela emissão do CRA da Yara) abordou as revendas e cooperativas que atrasaram os pagamentos.
Sem abrir os nomes, a securtizadora informou ao mercado que cinco companhias manifestaram a intenção de pagar o que devem em julho, o que daria um mês de atraso sobre o vencimento original. Se isso ocorrer, R$ 45,5 milhões (mais da metade que ficou inadimplente) seria quitado.
Ao que tudo indica, as revendas estão mesmo tentando esticar a corda para otimizar o capital de giro, esperando que até lá os agricultores também paguem as faturas do custeio da safra de soja. Não parece provável que as companhias queimem pontes com a Yara. Afinal, não é possível prescindir de uma fornecedora gigante como a norueguesa.
Mas se não conseguir receber os recursos das revendas, a Yara vai precisar arcar com parte das dívidas. A companhia deu uma fiança de cerca de R$ 50 milhões para os detentores da série mezanino do CRA, que remunera a uma taxa de CDI + 1,7% ao ano. A sênior, série do CRA com R$ 198 milhões, remunera a CDI + 1,87% ao ano, sem garantia.
No Brasil, a Yara reportou uma receita líquida R$ 18,1 bilhões no ano passado, uma queda de impressionantes 40% na comparação as vendas de R$ 29,8 bilhões alcançados em 2022.
O tombo da receita é uma evidência da normalização dos preços dos fertilizantes, após os picos pós-guerra da Ucrânia. Ao todo, a Yara teve um prejuízo de R$ 792 milhões no Brasil no último ano.
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Abaixo, confira os comunicados de Agrogalaxy e Yara na íntegra.
“A AgroGalaxy informa que, neste momento do ano, como normalmente ocorre no agronegócio, faz um trabalhe conciliação entre o ritmo de recebimento dos clientes e pagamento aos fornecedores, o que ocasionalmente pode gerar um atraso pontual No caso mencionado do CRA, a empresa está trabalhando com o fornecedor Yara de forma a repactuar os prazos de pagamento da melhor forma para atender as partes envolvidas”.
“O Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) é uma operação que realizamos com sucesso desde 2020 em benefício do produtor rural brasileiro. A modalidade segue a mesma estrutura, com práticas comuns ao mercado, em que a exposição dos cotistas é proporcional ao retorno financeiro, dinâmica pré-acordada com os investidores. A Yara entende o atual cenário como um atraso justificado por fatores de mercado, não como um inadimplemento, e está cumprindo com todas as suas responsabilidades de fiadora e exigências da securitização, certa de que essa situação se resolverá no curto prazo. A Yara esclarece ainda que tanto a empresa como os demais parceiros responsáveis pela estruturação e emissão do CRA em nenhum momento mencionaram os envolvidos na operação, dada a confidencialidade habitual destes contratos. Em relação a Belagrícola, como esclarecido posteriormente pela reportagem, a empresa está adimplente com seus vencimentos.”.
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A versão inicial desta reportagem continha um erro. A Belagrícola, rede de revendas que pertence aos chineses da Dakang, está em dia com os pagamentos, ao contrário do que o texto dava a entender. A empresa fez o pagamento devido em 19 de junho. Pedimos desculpas pela falha.