Crédito

Por que a inadimplência da Nagro disparou. Falamos com o fundador

Gustavo Alves explica os diferentes tipos de crédito que a agfintech oferece aos produtores rurais e o perfil de risco; linha de empréstimo sem garantia viu os atrasos passarem de 8%

Como um bom mineiro, o agrônomo Gustavo Alves preferia ficar longe dos holofotes, mas sua agfintech virou um assunto tão recorrente nas rodas de conversas entre fundadores que ficou impossível manter a postura reclusa. Afinal, o que acontece com a Nagro, fintech que está prestes a receber um investimento do Kinea? Por que a inadimplência do principal FIDC da agtech disparou?

No início da semana, o administrador fiduciário do Nagro Ghia (um FIDC com R$ 115,7 milhões) soltou um fato relevante avisando aos cotistas que chamará uma assembleia geral para discutir a liquidação antecipada do fundo. A razão: o índice de perdas do veículo ficou acima de 6% pelo segundo mês consecutivo, disparando uma medida prevista no regulamento do FIDC.

Numa conversa com The Agribiz, o fundador da Nagro detalhou a situação. “Não há risco de liquidação do fundo”, garantiu Alves. Segundo ele, já há um alinhamento prévio com os cotistas.

Linha de crédito pessoal sem garantia é a principal demanda dos clientes da Nagro, conta o fundador Gustavo Alves | Crédito: Shutterstock

Na assembleia — ainda sem data marcada —, os cotistas provavelmente vão ajustar o nível de índice de perda aceitável para o fundo, afirmou. Na prática, o limite de perda que exige a convocação de assembleia para avaliar a continuidade do fundo será ampliado.

O tamanho da inadimplência

No último relatório gerencial do Nagro Ghia, divulgado na semana passada, o índice de inadimplência do fundo chegou a 8,26%, uma deterioração relevante para um FIDC que havia terminado o ano passado com 3,7%.

O tamanho da inadimplência chamou a atenção do mercado. Em outras agfintechs, as referências para o indicador são bem menores — chegando a 3% apenas em cenários de stress na Agrolend —, mas Alves argumenta que as comparações com os empréstimos de outras agfintechs não fazem sentido.

No Nagro Ghia, a principal linha de crédito é um produto de crédito pessoal ao produtor rural para necessidades pontuais da fazenda, sem qualquer tipo de garantia. Ou seja, não é uma linha para dar financiamento ao custeio de safra — aliviando o balanço de revendas e fornecedores de insumos —, modelo usual na concorrência.

A Nagro possui três produtos diferentes de crédito: empréstimo pessoal sem garantia (com limite de R$ 150 mil por operação) e que cai na conta do produtor em até 24 horas, antecipação de recebíveis e capital de giro (até R$ 1,5 milhão). As últimas duas são as mais parecidas com o modelo de outras agfintechs e têm a CPR em garantia.

Segundo Alves, a linha de crédito pessoal representa cerca de 60% do Nagro Ghia. “Essa linha tem um yield maior, mas já tinha uma previsão de inadimplência maior”, sustentou Alves.

Mas se a uma inadimplência maior já era esperada no crédito pessoal, porque o regulamento do fundo previa um índice de perda máximo de 6%, e não superior?

“Quando fizemos o regulamento, trabalhávamos com a Selic em torno de 6%, 7%. Não achávamos que iria para 13,75%. Além disso, teve redução de margem no agro”, disse. Da carteira total do Nagro Ghia, 35% são produtores de soja, 19% de gado de leite e 18% de gado de corte.

O que vem pela frente

Aos poucos, a inadimplência no crédito pessoal sem garantia começa a melhorar, disse o fundador. Nas novas safras de crédito, a taxa está mais próxima de 5% do que dos mais de 8% registrados em julho.

O interesse da Nagro no crédito pessoal, aliás, segue intacto. “Essa tese vai continuar a ser fortalecida. A Nagro atua com o que o produtor precisa. Das milhares de solicitações de crédito que recebemos, de 50% a 60% são nessa linha, que deixa uma rentabilidade legal”, diz Alves.

Apesar do susto dos últimos meses, o retorno acumulado do Nagro Ghia é positivo mesmo para os cotistas subordinados (que ficam com as primeiras perdas). As cotas subordinadas A e B, emitidas a R$ 1.000, atualmente valem R$ 1.171 e R$ 1.138, respectivamente. Entre janeiro e julho, caem 5,48% e 5,6%. “A tendência é que volte para o positivo”, disse.

Nas demais linhas de crédito (antecipação de recebíveis e capital de giro), a inadimplência é baixa, com menos de 2,5% de renegociações nos momentos de stress de preço das commodities, disse Alves. “Já fizemos R$ 100 milhões de antecipação de recebíveis ao longo de quase dois anos”, contou. No capital de giro, a agtech já liberou mais de R$ 50 milhões.

Nagro Oikos vai bem

Uma demonstração de que as linhas de antecipação de recebíveis e capital de giro estão operando bem pode ser obtida no Nagro Oikos, o outro FIDC levantado pela companhia. “O Oikos é focado em mais crédito com garantia real”, explicou Alves.

Com quase R$ 60 milhões de patrimônio, o Nagro Oikos tem um Fiagro da XP (XPAG11) entre os cotistas. Em julho, por exemplo, esse FIDC deu um retorno dentre 1,2% e 1,9% nas subordinadas. “O fundo está bem saudável, com 2,14% de inadimplência de 15 dias, 0,48% acima de 30 dias e 0,22% acima de 60 dias”, concorda um gestor que detém o crédito.

Atualmente, a carteira total de crédito da Nagro (incluindo os FIDCs Oikos e Ghia) soma R$ 220 milhões. Além da vertical de crédito, a Nagro também possui um software de análise de risco. Chamado de AgRisk, ele atende mais de 600 clientes (o que inclui distribuidores de insumos, bancos e tradings) com uma plataforma que ajuda a avaliar o risco de crédito de produtores rurais.

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Nota da redação: Na entrevista, Alves evitou comentários sobre o investimento do Kinea. Como The Agribiz informou em 10 de agosto, a Nagro deve captar cerca de R$ 30 milhões numa rodada que pode avaliar a startup em R$ 130 milhões.