Na tarde de quinta-feira, um grupo de mais de 40 pessoas saiu da Faria Lima para uma palestra no centro histórico de São Paulo. A palestra era só uma desculpa da cofundadora Valéria Bonadio para trazer o time da Agrolend para tocar o sino da B3, abrindo caminho para uma nova fase do banco digital de crédito agrícola.
A festa na bolsa comemorou a emissão das primeiras LCAs da Agrolend. O montante ainda é simbólico — R$ 6 mil, tomados no Daycoval e Genial —, mas o teste mostrou que os sistemas da startup estão prontos para captar com investidores de varejo. Só neste ano, a startup quer emitir R$ 500 milhões em LCAs.
Para emitir letras de crédito, a Agrolend precisou antes percorrer um périplo regulatório no Banco Central, transformando a licença de Sociedade de Crédito Direto (SCD) numa licença de financeira. A startup entrou com o pedido para fazer o upgrade na licença em setembro do ano passado e obteve o aval do BC em abril.
O caminho percorrido pela Agrolend é inédito. A startup criada pelos irmãos Alan e André Glezer (o time de cofundadores inclui Bonadio, Carlos Fagundes e Leopoldo Vettor) fez a primeira conversão de licença da história. No agro, também é pioneira. É a primeira agtech autorizada a emitir LCAs.
Alavancagem
Com a licença de financeira, a Agrolend pode operar em moldes parecidos aos de um banco, alavancando o balanço para dar crédito, o que não era permitido numa SCD. “O nível regulatório de alavancagem é de cinco vezes”, explica Alan, que atua como CFO da startup.
Além da alavancagem, a LCA melhora estruturalmente o custo de capital da companhia. Até então, o funding da Agrolend vinha da emissão de FIDCs, que pagam ao investidor algo como CDI + 6% ao ano. Considerando os custos de emissão, a conta chega facilmente a CDI + 8%, sem contar inadimplência. Nos FIDCs, a startup tomou recursos com casas renomadas como Verde, Augme e a asset do Itaú.
Com a LCA, as emissões podem sair próximas do CDI ou até abaixo, considerando a isenção de imposto de renda para pessoa física e a proteção do Fundo Garantidor de Crédito. Numa operação de crédito que empresta ao agricultor com uma taxa média de 23% ao ano, é margem na veia, tornando a operação do banco digital mais rentável. A Agrolend mira um ROE de 20% (um retorno típico dos grandes bancos).
As LCAs da Agrolend devem estar disponíveis para os clientes de XP e Itaú em agosto. A expectativa é que os títulos cheguem ao mercado rendendo entre 96% e 100% do CDI.
Inadimplência
Enquanto se move para atrair os investidores de varejo, a Agrolend vem acompanhando de perto a situação dos produtores rurais, que postergaram pagamentos diante da forte queda dos preços dos grãos.
“Desde a fundação, esse é o nosso quarto ciclo de cobrança de crédito e foi o mais desafiador”, reconhece André. A inadimplência — medida pelos pagamentos vencidos há mais de 90 dias — deve ficar perto de 2% nesta safra 2022/23, projeta Alan.
Os números exatos só serão conhecidos a partir de agosto, considerando o período de vencimento de pagamento dos créditos tomados pelos produtores de milho.
Em suas simulações e análises de risco, a Agrolend considera que num ano ruim a inadimplência poderia ficar próxima de 3% e abaixo de 1% num ano bom. Por isso é tão importante ter um custo de capital baixo. Num FIDC, a conta pode ficar mais apertada num momento de mais stress, diz Alan.
Série C
As emissões de LCAs dão tração para que a Agrolend traga sua carteira de crédito dos atuais R$ 200 milhões para cerca de R$ 1 bilhão, mas para ir além disso a startup precisará de uma nova rodada de equity.
Como a alavancagem de uma financeira se dá em função de seu patrimônio líquido, chegar aos R$ 3 bilhões de carteira demandará uma série C, o que poderá ocorrer em 2024.
Até hoje, a Agrolend fez três rodadas de equity (seed, série A e B). A última delas foi no segundo semestre do ano passado, levantando US$ 27 milhões numa transação liderada pela Lightrock. Valor Capital, Continental Grain, SP Ventures, Barn, Mago Capital, Yara Ventures e Provence Capital também são investidores.