Crédito

Capitalizada, Farmtech pode virar até banco — e emitir LCAs

Depois de levantar US$ 10 milhões com a Bewater, companhia fundada há sete anos prepara expansão. Financiamento à compra de máquinas agrícolas deve sair em breve, diz CEO

Rafael Pilla, CEO da Farmtech, e Guilherme Weege, cofundador da Bewater, gestora que investiu US$ 10 milhões na agfintech | Divulgação

Acelerar o crescimento, com novas opções de crédito e funding, o que inclui a possibilidade até de virar banco. É assim que a Farmtech pretende usar os US$ 10 milhões e o know-how da Bewater, gestora de capital de risco especializada em “midstage growth” que acaba de se tornar investidor na agfintech.

A rodada foi anunciada na semana passada pela Farm, que nasceu como uma gestora há sete anos com recursos dos três sócios — dois ex-Rabobank e um ex-BNP Paribas— e cresceu apenas reinvestindo os lucros do negócio. Agora, chegou a hora de dar passos mais largos, segundo o CEO e fundador da empresa, Rafael Pilla.

“Podemos multiplicar o nosso volume de crédito por quatro ou cinco nos próximos anos”, disse Pilla ao The AgriBiz.

Este ano, a empresa deve financiar aproximadamente R$ 7 bilhões a agricultores e revendas em um mercado estimado entre R$ 300 bilhões e R$ 400 bilhões. “Mesmo que a gente tenha conquistado uma posição de liderança, ainda somos pequeninhos dentro disso tudo.”

Continuar investindo em tecnologia continua sendo prioridade, agora para ultrapassar o segundo grande desafio dos fornecedores de insumos na oferta de crédito. “A primeira fronteira foi conseguir o funding. O próximo desafio é oferecer aos nossos parceiros uma jornada melhor na concessão de crédito, mais fácil, com desembolso rápido e menos inadimplência”, disse Pilla.

Para isso, a integração entre as tecnologias da Farmtech e a dos parceiros é fundamental. A capacidade de entrar profundamente na cadeia de grandes indústrias é vista por Pilla como o diferencial da empresa.

Assim, o modelo de embedded finance adotado pela fintech (ou soluções integradas) deve continuar sendo o foco. Hoje, a Farm é a responsável pela operacionalização de programas de financiamento de grandes indústrias, como Syngenta, Yara, Basf e Corteva.

Além de investimentos para melhorar a experiência de crédito (tanto do credor como do tomador), a Farmtech usará os recursos provenientes do aporte para ampliar o tipo de crédito, preenchendo lacunas na oferta.

Em breve, a empresa vai começar a financiar a compra de máquinas e equipamentos — pelo menos uma parceria com um grande player do setor já está fechada, segundo Pilla, que preferiu manter o nome da empresa sob sigilo.

O mau momento do setor, que enfrenta uma forte queda nas vendas e até demissões, não assusta a Farm. “É importante que o crédito atue de forma contracíclica”, diz.

Alternativas de funding

Embora funding nunca tenha sido um problema para a Farmtech —pelo contrário, a facilidade para levantar recursos fez a empresa se destacar—, a empresa avalia novas alternativas para captação de recursos. Hoje, os recursos emprestados pela empresa são provenientes de dez FIDCs e um Fiagro, que já levantaram R$ 4,5 bilhões.

“Estamos muito abertos a estruturas alternativas no mercado de capitais. Estamos bem atentos a essa questão da reforma tributária e a possibilidade de o FIDC ser tributado. A gente poderá e deverá ampliar os canais para ter uma amplitude boa”, afirmou o CEO.

Pilla diz que levantar recursos por meio da emissão de LCAs é uma possibilidade que está no radar da Farm. Para isso, a agfintech precisa se tornar banco ou financeira, seguindo o caminho aberto pela concorrente Agrolend. “A gente analisa muitas possibilidades, e esta é uma delas. Não sei se vamos fazer, mas está em estudo”.

Governança

Além dos recursos financeiros, o CEO da Farmtech diz que a escolha da Bewater como investidor está também relacionada à reputação da gestora. “Buscamos conhecimento em aceleração de crescimento em empresas de sucesso”, afirmou.

A Bewater tem como fundadores Guilherme Weege, ex-CEO e controlador do grupo Malwee, Fabio Armaganijan, ex-COO da Kraft Heinz nos Estados Unidos, e Carlos Degas Filgueiras, ex-CEO da DeVry.

“Os três líderes têm uma trajetória muito importante. Fizeram história em grandes empresas e levaram negócios menores a alto crescimento”, disse Pilla. “Queremos preparar a Farm do ponto de vista de governança, de pessoas, de infraestrutura para uma jornada de crescimento mais rápida e estruturada”, acrescentou. Guilherme Weege, aliás, vai ocupar uma cadeira no conselho da fintech.

Inadimplência

Com mais de 20 anos de experiência em crédito — além do Rabobank, Pilla também tem passagens pelo Bank Boston e pelo Original—, o fundador da Farm faz coro à avaliação de que o setor está passando por uma fase de ajustes como outras no passado, e que a palavra crise não se aplica ao momento atual.

Mesmo assim, desde o início do ano passado a empresa tem adotado uma política mais conservadora na concessão de crédito, com uma cautela maior principalmente no financiamento às revendas de médio porte.

Em geral, as curvas de atraso de pagamentos nos FIDCs da Farmtech estão acima do ano passado, mas ainda dentro do esperado e “longe de estar na curva de perdas”, afirmou Pilla. Com uma carteira bastante pulverizada, a Farmtech enfrenta problemas com recuperação judicial, mas o executivo ressalta que são casos isolados.

“Estamos num ano bem mais difícil e isso requer contenção. Requer um crédito conservador e muito cuidado com a cobrança. Mas o agro é extremamente resiliente e vai continuar sendo.”