Apesar de um trabalho de quase três décadas por um acordo birregional e da aprovação dos representantes de seu próprio país em 2019, Emmanuel Macron esteve no Brasil recentemente e reafirmou que não apoiará o acordo UE–Mercosul.
O acordo vem sendo trabalhado há quase 30 anos e deveria servir para pontuar a redução de tarifas de importação para ambos os blocos e quais regras regeriam essa relação, inclusive as ambientais.
A expectativa era de uma fatia adicional de pelo menos US$ 87,5 bilhões ao PIB brasileiro em 15 anos. Era para a virada de chave acontecer de forma lenta, gradual e crescentemente amadurecida.
Depois de tanto tempo, muitas chances perdidas e vai-e-vem — e, por óbvio, dinheiro público — investido no acordo, a França, através de seu mandatário, foi além, se fez de desentendida sobre algo que já vem discutindo há décadas e indicou subjetivamente que precisa de um entendimento novo para questões como clima e biodiversidade que, vale reforçar, já estão previstas no histórico documento.
Notem justamente a quem ele pediu regulação ligada à biodiversidade. Será que há na galáxia país mais biodiverso do que o… Brasil?! Segundo o próprio governo brasileiro, “o Brasil ocupa quase metade da América do Sul e é o país com a maior biodiversidade do mundo. São mais de 116.000 espécies animais e mais de 46.000 espécies vegetais conhecidas no País, espalhadas pelos seis biomas terrestres e três grandes ecossistemas marinhos”.
A relação entre a França e o Brasil possui grande relevância. Além de importantes investimentos privados de grupos franceses por aqui, há a fronteira com a Guiana Francesa (não confundir com a Guiana “inglesa”) — único caso de colonialismo nas Américas —, e o Brasil importa e exporta produtos diretamente para lá, como soja, minério, café, celulose, etc.
Sequencialmente ao discurso negativo, Macron e Lula resolveram dar um passeio cinematográfico pela floresta em uma sessão de fotos de dar inveja a qualquer jovem casal em lua de mel, ignorando solenemente conhecer como opera o setor de onde boa parte do acordo comercial se abasteceria e ao qual costuma tecer ferozes críticas: o agronegócio.
Que a França disfarce de preocupação com o meio ambiente barreiras comerciais não tarifárias, é algo compreensível. Mas o que surpreende — obviamente, apenas aos desavisados — é que o Brasil não tenha se imposto minimamente ou ensejado mostrar como a sua produção agropecuária protege exponencialmente mais os recursos naturais do que a produção francesa, abraçando o virtuosismo auto complacente de quem não possui mais florestas virgens relevantes há mais de 100 anos.
Isso é mais um indício de que o jogo de cena é muito mais político do que legitimamente empenhado na preservação ambiental — de um território que não é o francês, diga-se de passagem. E, enquanto isso, o Brasil faz o papel de quem está sendo passado para trás.
Em entrevista recente, questionado por um jornalista inglês sobre seu papel na conservação do meio-ambiente, Irfaan Ali, presidente da Guiana, não hesitou em, apaixonadamente, mandar o profissional à la merde.
O presidente do sindicato rural de Sinop, Ilson Redivo, também fez o mesmo com um jornalista francês em entrevista ao grupo de comunicação TF1, vinculado à TV Francesa, que colocou em questionamento o papel do Brasil na preservação, ironicamente, durante uma tomada em vídeo que continha uma enorme floresta nativa atrás deles.
Vale lembrar que a agenda verde tem gerado massivos protestos por parte dos agricultores europeus, ou seja, nem mesmo o seu próprio povo apoia as pesadas regulações que estão sendo impostas ao setor produtivo, adotadas improvisadamente por Macron para afirmar recentemente que o acordo comercial seria “péssimo para os envolvidos”, em suas próprias palavras. O movimento não se restringe apenas à questão ambiental, apesar de ela fazer parte, então vale a pena ler um pouco mais sobre o assunto aqui.
Não quero transparecer uma visão simplista do todo, mas enquanto tudo isso acontece, é uma vergonha que o Brasil ainda despeje 55% do esgoto que coleta diretamente na natureza, fato sumariamente ignorado em qualquer debate sobre o tema ambiental.
Infelizmente, o teatro do retrocesso passa batido para a maioria das pessoas que assiste e lê as notícias sobre o tema. Esse é o vil resultado de políticas pautadas por políticos burocratas e apoiado, em sua esmagadora maioria, por pessoas que estão a quilômetros de distância das zonas rurais.
A consequência é que sejam totalmente desvinculadas da realidade produtiva e que acabam, por fim, levantando exigências delirantes que superam até mesmo as duras regras impostas pelo Código Florestal brasileiro, que parece ter deixado de existir e trocado por novas leis criadas por burocratas europeus.
E enquanto a França tenta impor 4% de pousios aos seus produtores, o Brasil preserva de 20 a 80% das propriedades rurais privadas em florestas, somadas às áreas de preservação permanente (APPs).
Para os produtores brasileiros e para o desenvolvimento do país é um osso muito, muito duro de roer.
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Lygia Pimentel, colunista de The AgriBiz, é médica veterinária, economista e sócia-fundadora da Agrifatto