Protecionismo

A conta chegou para os produtores europeus — e deve sobrar para o Brasil

É bastante plausível imaginar teremos mais barreiras comerciais não-tarifárias contra a agricultura brasileira

Vocês têm acompanhado os protestos dos produtores rurais na Europa?

A reclamação deles tem duas linhas concorrentes que culminam nas imagens que temos visto nas últimas semanas.

A primeira linha de insatisfação está diretamente relacionada ao aumento do aperto sobre a legislação ambiental europeia. Há regras que foram impostas sobre os agricultores que praticamente inviabilizam a produção, já que resultam no aumento dos custos produtivos.

Por exemplo: a redução do uso de adubos nitrogenados e pesticidas devido à cruzada contra as emissões de gases de efeito estufa, a recuperação florestal referente a 4% a área das propriedades (algo, por sinal, que no Brasil é de no mínimo de 20%, chegando a 80% + áreas de preservação permanentes em propriedades rurais privadas localizadas na Amazônia Legal).

Por último, o aumento do diesel sob o argumento também da questão das emissões, o que, na prática, impacta diretamente na rentabilidade da produção. São, em síntese, medidas que aumentam o custo de produção e também as exigências legais para a manutenção das atividades. Ou seja, menos margem e mais burocracia.

Protecionismo dos agricultores europeus prejudica o Brasil

Essa é uma reivindicação compartilhada pelo setor produtivo brasileiro e da qual o agro tupiniquim se compadece, afinal, há uma tendência global de culpabilizar o setor produtivo por todos os males que assolam o planeta de modo que esse se tornou um problema comum aos agropecuaristas ocidentais.

Já a segunda linha de reivindicação tem a ver com a natureza protecionista do agronegócio europeu, que tem raízes antigas desde a formação do bloco na década de 50. Já na largada da Comunidade Econômica Europeia, em 1957, a ideia era manter produtos de outros países fora do alcance dos consumidores europeus para evitar a competição externa aos produtores locais. Nessa época, o Brasil sequer sonhava em ser o monstrengo produtor que se tornou ao longo das décadas seguintes.

Acontece que, de lá para cá, o mundo mudou um pouco e a chupeta europeia ameaça cair. A derrocada econômica da Zona do Euro fez pesar mais aos contribuintes dos quebrados governos os polpudos subsídios recebidos pelos agricultores locais, que a França, a mais barulhenta de todos, lidera. E Macron, seja por isonomia de discurso, seja pela pressão fiscal, está sendo convidado a botar ordem na questão ambiental também dentro de casa. Pau que bate em Chico…

Mas nas últimas décadas, o alto custo de vida e também o arrocho fiscal têm feito com que os governos europeus considerassem buscar acordos comerciais com outros blocos econômicos, especialmente com o Mercosul, para a aquisição de produtos agropecuários, o que incomodou sobremaneira os produtores locais. Em especial a França, que é muito protecionista.

Basicamente, os produtores europeus não querem que outros países acessem comercialmente a Europa. Os protestos estão ganhando força e apoio de cada vez mais países, o que tem sido aplaudido pela direita, mas poderá perder força caso haja algum sinal de desabastecimento para a população.

Pelo andar da carruagem, parece, de fato, que o acordo não e concretizará, já que para isso seria necessário que fosse ratificado pelos parlamentos de todos os países europeus, cada vez mais pressionados pelos tratoraços em praça pública.

Mas “qual a importância da Europa para o Brasil”, alguém pode perguntar. Bem, com as barreiras que temos e toda a pressão ambiental que sofremos atualmente, a Europa já figura como o segundo maior cliente do agronegócio brasileiro – o primeiro é a China. Ou seja, a Europa é responsável por 25 bilhões de dólares em receita com importações do agronegócio brasileiro, ou 16% das nossas exportações. Certamente, é um bom cliente.

Por isso, para o Brasil, essa obviamente não é uma boa perspectiva, já que a concretização do acordo traria um bom volume adicional de exportações aos nossos produtos.

Mas, aqui, vou além. Para manter os produtores europeus confortáveis em seus próprios mercados consumidores, é bastante plausível imaginar que essa frustração pela não concretização do acordo comercial entre Europa e Mercosul se traduza em mais barreiras comerciais não-tarifárias, como as que já vemos na linha ambiental, como forma de encarecer a entrada dos produtos sul-americanos e evitar o aumento da carga de subsídios para manter os produtores europeus competitivos em seu próprio território. Ou seja, pode haver um recrudescimento da hercúlea pressão que já vemos hoje.

Preparem-se, produtores brasileiros. Vem chumbo grosso por aí!

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Lygia Pimentel, colunista de The Agribiz, é CEO e fundadora da consultoria Agrifatto.