
A Husqvarna vive um momento particular, entre o otimismo com recentes movimentos de crescimento e uma autodefesa estratégica diante do aumento da concorrência.
O ramo principal, de equipamentos para jardinagem e agricultura leve, sempre teve rivais fortes. Mas o cenário tende a piorar com a chegada de concorrentes chinesas.
Por isso, na divisão de Mercados Emergentes, da qual o Brasil faz parte, a palavra de ordem é gerar receitas com serviços — uma mudança histórica de perfil.
“Os chineses estão evoluindo rápido em qualidade. Vai ser difícil competir. Ou a gente entrega um serviço completo para o cliente escolher nossa marca por isso, ou vamos ser atropelados”, sintetiza Pedro Quevedo, diretor comercial para LatAm.
“Em cinco a dez anos, vamos mudar o jeito de fazer negócios e oferecer mais pós-venda e manutenção”, ele completa.
É mais um passo em um plano que incluiu a compra da InCeres, em 2024. A startup brasileira criou uma plataforma de agricultura de precisão que monitora dados sobre nutrição e manejo do solo, permitindo melhores decisões.
A ideia, diz Quevedo, é integrar essa plataforma aos produtos e cobrar assinaturas mensais pelo uso. “Microtratores conectados vão permitir ao pequeno produtor aplicar defensivos e fertilizantes de maneira precisa, como os grandes já fazem.”
Segundo o diretor comercial, a sinergia com a startup brasileira já está gerando frutos, como novas aplicações para além do solo. “Estamos monitorando a questão foliar, além de outras atividades na propriedade.”
Há planos ainda para integrar a plataforma da InCeres à da Orbit, startup americana com uma solução de irrigação inteligente que a Husqvarna adquiriu em 2021.
Capacidade triplicada
A companhia sueca tem novidades também em sua infraestrutura no País: termina neste mês a ampliação da fábrica em São Carlos (SP), que atende América Latina, Ásia, África e Leste Europeu.
As novas instalações entram em atividade em outubro, em um ramp up que vai levar a produção de 300 mil unidades por ano para 1 milhão em 2026.
Em mais um aceno para os serviços, a ampliação incluiu um centro de experiência para abrigar treinamentos para mecânicos, qualificando a mão de obra da rede de 3,1 mil revendedores.
Outra área nova é um centro de pesquisa para a divisão de mercados emergentes, com foco na agricultura leve. A iniciativa já tem um projeto em estágio avançado: uma máquina para colher cana-de-açúcar em terrenos acidentados.
As inovações mais recentes incluem ainda dois derriçadores para a colheita de café, apresentados na Agrishow deste ano, além de novos tratores cortadores de grama.
A Husqvarna ainda atingiu a plena atividade de um novo centro de distribuição em Belém (PA) que reduziu o tempo médio de entregas na região Norte de 25 para 7 dias. E discute um projeto similar para Barueri (SP), que já está no máximo da capacidade.
Uma história de “pivotadas”
Se concretizada, a estratégia de integrar plataformas de gestão ao maquinário pode ser mais uma “pivotada” em uma história recheada delas.
A Husqvarna foi fundada em 1689, há impressionantes 335 anos, como uma fabricante de armas para o Exército sueco.
Depois, passou a produzir outros itens, em paralelo com a Revolução Industrial, como máquinas de costura, fogões e bicicletas. Mas o pulo do gato foi a invenção de um motor de metal leve com dispositivo antivibração — que passou a ser utilizado em diversos itens, de motocicletas a motosserras e minitratores.
Ao longo do século 20, a empresa consolidou sua presença global, com fábricas nos EUA, na Europa e na Ásia. A Husqvarna é listada na Bolsa de Estocolmo, e faturou US$ 4,56 bilhões (R$ 24,2 bilhões) em 2024.
No mundo, são mais de 15 mil colaboradores e 28 fábricas. No Brasil há 45 anos, a Husqvarna tem mais de 200 funcionários no País atendendo a área de Mercados Emergentes, liderada por Mauro Favero, que responde por 15% da receita global.
Hoje, a companhia se organiza em três divisões: Floresta e Jardim, com 63% da receita global; Gardena, de ferramentas para jardinagem residencial, com 22%; e Construção, com 14% — o segmento saltou de 8% há cinco anos.
Na vertical Floresta e Jardim, a empresa é líder em robôs cortadores de grama, um dos carros-chefe do portfólio. E ocupa a segunda colocação em maquinários pequenos, como roçadeiras, motosserras e assopradores.
Na Gardena, lidera em sistemas computadorizados de irrigação para jardins. E, na divisão Construção, tem uma fábrica em Serra (ES) e é líder em fios e discos diamantados usados para cortar pedras, como granitos e mármores.
Clientela
Na América Latina, 86% dos negócios são B2B, com fornecimento a revendas, enquanto 14% são vendas diretas ao produtor (B2C) e 7% vêm das cooperativas.
A companhia criou uma frente de parcerias com cooperativas, como a Cooxupé (Cooperativa Regional dos Cafeicultores de Guaxupé), que revendem os equipamentos aos cooperados em troca de produção.
Segundo Quevedo, o público principal de Floresta e Jardim ainda são profissionais, como arboristas, que fazem poda, e prestadores de serviço de manutenção de áreas verdes em espaços públicos ou comerciais, como rodovias, hospitais e hotéis.
Mas ele relata um crescimento na clientela não profissional — em alguns casos, como uma herança dos tempos de quarentena na pandemia, e, em outros, em resposta ao aumento do custo e à escassez de mão de obra de jardinagem.
Da motosserra ao motor 100% etanol
A Husqvarna escapou da dor de cabeça do tarifaço — ao menos, da sobretaxa de 40% sobre produtos brasileiros instituída pelos EUA em agosto. Seus produtos entraram na lista de isenções, e, por isso, sobre eles incide só a tarifa de 10%, criada em abril, aplicável a todas as importações americanas.
Mas há outro tema corrente na agenda da companhia: a sustentabilidade.
“Ainda somos muito associados à motosserra, por sua vez ligada ao desmatamento. Temos feito um trabalho de conscientização”, situa Quevedo.
Em uma iniciativa ESG, a Husqvarna lançou um programa para plantar 1 milhão de árvores, em parceria com a Veritree, empresa canadense especializada em reflorestamento. No Brasil, o projeto se desdobrou em uma parceria com a ONG Samaúma para plantar 150 mil árvores de manguezais no Maranhão.
Outra frente na pauta é a adaptação do maquinário a fontes de energia limpas. A maior parte dos produtos ainda usa combustíveis fósseis, como gasolina, mas já há uma linha a bateria elétrica. E a empresa discute criar motores 100% movidos a etanol.