Pioneira na produção de etanol de milho no Brasil, a FS decidiu priorizar a desalavancagem antes de dar continuidade ao seu plano de expansão, que prevê a construção de mais três usinas em Mato Grosso.
“Ainda não temos nenhum plano cravado de quando será a construção da próxima planta. Estamos bastante focados em desalavancar a companhia”, disse o CEO da FS, Rafael Abud, em entrevista ao The AgriBiz.
A FS opera três unidades de processamento de milho no Estado líder na produção do cereal: Lucas do Rio Verde, Sorriso e Primavera do Leste, a última inaugurada no ano passado. No pipeline, há mais três unidades previstas, com terreno comprado, licenças aprovadas e projeto de engenharia pronto: Nova Mutum, Querência e Campo Novo do Parecis.
“É só apertar o botão. Mas estamos trabalhando para melhorar a estrutura de capital para que a gente possa retomar o crescimento com um nível de alavancagem mais saudável.”
No ano passado, a companhia viu a sua alavancagem mais que dobrar, atingindo 4,12 vezes no trimestre encerrado em dezembro (o período equivale ao terceiro trimestre do ano fiscal 2024 conforme o calendário de divulgação da empresa).
Quando considera os estoques de etanol de milho (de alta liquidez) e anualiza o Ebitda da usina inaugurada em 2023, a dívida líquida da FS cairia para 2,55 vezes o Ebitda, mas ainda assim é um número mais alto — um ano antes, a alavancagem era de 1,26 vez. Como base de comparação, a Inpasa, maior produtora de etanol de milho do País, registrou alavancagem de 1,7 vez em 2023.
Segundo Abud, a recuperação virá principalmente da melhora na geração de caixa, que também foi a principal razão para o aumento da alavancagem nos últimos 12 meses.
Os preços baixos do etanol em 2023, alinhados a um estoque caro de milho, reduziram as margens da FS, explicou o executivo. No trimestre encerrado em dezembro (último dado disponível), a margem Ebitda da FS ficou em 7,7%, ante 26,2% um ano antes.
Agora com preços mais altos do etanol e mais baixos do milho, Abud diz que a expectativa é que as margens este ano fiquem mais alinhadas com a média histórica. “Isso vai proporcionar uma desalavancagem mais rápida da companhia”.
A recuperação, no entanto, ainda demora um tempo para chegar ao balanço, segundo Abud. Os efeitos da alta do etanol, que subiu cerca de 20% este ano segundo o Cepea, já começaram a ser sentidos, mas os preços mais baixos do milho ainda não estão sendo capturados porque a colheita da nova safra está começando, explicou o CEO.
Como a FS segue uma política de compra antecipada de insumos, até junho a FS ainda estará processando o milho comprado no ano passado, a preços mais elevados do que os atuais. “Os efeitos completos de recuperação de margem, com a combinação de preços melhores do etanol e do milho, veremos a partir do segundo trimestre do ano fiscal, que acaba em setembro”, disse o CEO.
Alongamento das dívidas
Nos últimos meses, a FS vem trabalhando para melhorar o perfil de seu endividamento. Em fevereiro, emitiu US$ 500 milhões em green bonds, que substituíram bonds mais antigos que foram recomprados.
A operação permitiu à companhia estender o prazo de seus títulos no exterior de 2025 para 2031, além de uma redução no cupom de 10,2% para 8,87% e a liberação de garantias, disse Abud.
Em janeiro, a companhia levantou R$ 800 milhões em CRAs, também com o objetivo de rolagem de dívidas. Nesta segunda-feira, protocolou na CVM uma nova emissão em CRAs no valor de R$ 700 milhões, desta vez via FS Florestal.
“Foi um reperfilamento muito positivo das nossas dívidas. Hoje estamos com vencimentos longos e posição de caixa bastante saudável para cumprir qualquer compromisso de curto prazo. Do ponto de vista de liquidez, a companhia está muito bem”, disse Abud.
A caminho do SAF
Enquanto espera a redução da alavancagem para anunciar novos investimentos, a FS se prepara para entrar em mercados mais lucrativos, como o promissor mercado de SAF (combustível sustentável de aviação).
Na semana passada, a companhia anunciou a conclusão de estudos técnicos que comprovaram condições geológicas adequadas, na planta de Lucas do Rio Verde, para injetar carbono no solo.
Com a primeira dimensão do projeto concluída (a parte técnica e geológica), a FS agora precisa avançar em outras duas frentes para tornar o projeto de injeção de carbono no solo viável economicamente.
A primeira delas é a regulatória. Essa atividade —conhecida nos Estados Unidos como BECSS (produção de bioenergia por meio da captura e armazenamento de carbono)— ainda não está regulada no Brasil. Sua regulamentação está sendo discutida dentro do projeto de lei dos “combustíveis do futuro”, atualmente em tramitação no Senado. Depois de aprovado no Congresso e da sanção presidencial, a atividade de captura e armazenamento de carbono ainda precisará de regulamentação específica, que deve ser feita pela ANP (Agência Nacional do Petróleo e dos Biocombustíveis).
“A nossa leitura é que isso vai tramitar rapidamente nos próximos meses”, disse Abud. Uma definição nos próximos 12 meses parece factível, acrescentou. Tempo semelhante ao que a FS precisa para definir a melhor forma de monetizar o CO2 que será armazenado no solo em vez de ser emitido durante o processo de fermentação do etanol —a terceira frente em que a FS também precisa avançar.
Uma das alternativas seria a venda do próprio etanol com um prêmio por carbono embutido no preço a mercados que estão dispostos a pagar mais por um biocombustível com uma pegada de carbono muito baixa ou negativa. É o caso, por exemplo, do mercado de SAF nos Estados Unidos.
“Poderemos ajudar a produzir SAF com pegada zero de carbono, que é o máximo que se pode obter em crédito fiscal concedido pelo governo dos Estados Unidos, de US$ 1,75 por galão. Parte deste prêmio tem que estar precificado no nosso etanol”, disse o CEO.
O Summit Agricultural Group, grupo agrícola de Iowa que possui 70% das ações da FS, pode ajudar bastante nesse sentido. A empresa norte-americana vai construir uma planta para produção de SAF a partir do etanol em Houston e pode abrir a porta daquele mercado para a companhia brasileira.
“Boa parte do que estamos fazendo é para viabilizar que a gente exporte para a planta de SAF da Summit em Houston”, revelou.
Mercado de carbono
Outra possibilidade para a monetização do carbono armazenado no solo é a venda de créditos no mercado voluntário de carbono. “Seria um crédito de removal, de melhor qualidade.”
A terceira alternativa, que parece a menos atrativa no momento, é aumentar a emissão de CBIOs em função da redução da pegada de carbono do etanol da FS. Os preços pagos pelos CBIOs, no entanto, precisariam aumentar. “O preço atual do CBIO é desafiador para remunerar esse tipo de projeto”, afirmou.
Até aqui, a FS investiu R$ 100 milhões no projeto de injeção de carbono no solo. Para colocá-lo em fase operacional e injetar 100% do carbono produzido, Abud diz que seria necessário investir mais R$ 350 milhões só na unidade de Lucas do Rio Verde. A FS confirmou viabilidade geológica para replicar o modelo nas plantas de Sorriso, Campo Novo do Parecis e Querência.
O único carbono zero
Com a comprovação da viabilidade geológica para injeção de carbono no solo, a FS diz que pode se tornar a primeira produtora com pegada negativa em carbono do mundo e a primeira a desenvolver a tecnologia BECCS fora dos Estados Unidos.
Hoje, apenas duas produtoras de etanol utilizam essa tecnologia no mundo, ambas nos EUA. Mas a FS seria a primeira com pegada negativa por causa do diferencial já existente na produção do etanol de milho “tradicional”: a adoção do milho safrinha como matéria-prima, o que retira do cálculo de emissões o uso da terra, e da biomassa renovável de florestas plantadas como fonte de energia, enquanto os produtores nos EUA utilizam energia de origem fóssil no processo produtivo. Isso sem contar práticas agrícolas de baixo carbono, como o plantio direto.
Em março, a FS recebeu a certificação internacional ISCC Corsia, atestando o seu etanol de milho e óleo de milho podem ser usado na produção de SAF.
“Do jeito que está hoje, o nosso etanol já tem uma pegada de carbono muito próxima ao do etanol de cana de segunda geração”, disse Abud. O que vier, é lucro.
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