Revendas

Em crise, Raça Agro vê caixa minguar e fica à beira da RJ

Clientes do Banco do Brasil e os Fiagros de Kijani e Vectis são os maiores credores da companhia comandada por João Fagundes

Zootec, companhia de nutrição animal

João Fagundes, o empresário de Rondonópolis que tenta desafiar Pátria e Kinea na corrida pela consolidação das revendas de insumos pecuários, vive dias de tormenta em sua empreitada no Grupo Raça Agro.

Com o caixa minguando e mais de R$ 280 milhões em dívidas, a companhia recorreu à Justiça para evitar o pior, conseguindo uma proteção contra credores por 60 dias, a fim de tentar renegociar as dívidas com os credores, uma decisão que também respingou no mercado de capitais.

A delicada situação financeira da Raça Agro veio à tona nesta semana, quando as gestoras Kijani e Vectis avisaram aos investidores de seus respectivos Fiagros (Asatala e VCRA11) que a Raça Agro conseguiu a proteção judicial contra os credores. Os dois fundos investiram nos CRAs da revenda de insumos pecuários.

Fundada no fim dos anos 1970 pelo senador Wellington Fagundes, a Raça Agro pertence atualmente apenas ao filho João, o artífice do projeto de expansão da companhia. No auge, em 2022, o grupo faturou R$ 373 milhões. Um diferencial sempre foi a verticalização — a companhia é dona da Zootec, fábrica de ração de Rondonópolis.

Na expansão dos últimos anos, a empresa fez duas aquisições: a Suprema, revendas de insumos pecuários de Alta Floresta (MT), e a SGM Seeds, que faz sementes de pastagem, ampliando a verticalização. Com os M&As, chegou a 20 lojas concentradas em Mato Grosso.

Pega no contrapé

O que parecia uma tese promissora, no entanto, esbarrou na estrutura de capital e no ciclo da pecuária. Como financiou praticamente todo o crescimento com dívidas, a Raça Agro viu a alavancagem disparar justamente num momento em que a demanda dos pecuaristas retraiu drasticamente, como reflexo da queda dos preços do boi gordo.

No ano passado, a receita líquida da companhia caiu 16%, totalizando R$ 313 milhões, mostram as demonstrações financeiras de 2023, obtidas por The AgriBiz. A KPMG audita o balanço da companhia.

Com as lojas recém-adquiridas ainda em processo de maturação, a Raça Agro ainda não consegue diluir custos, o que é um problema adicional para um mercado em crise. A queda dos preços dos defensivos também jogou contra o grupo, que possuía estoques altos.

Nesse cenário, o Ebitda do ano passado ficou negativo em R$ 34,8 milhões. No pedido de proteção enviado à Justiça, a Raça Agro mostrou o risco que vem correndo. O caixa da companhia está se esvaindo rapidamente. Se tivesse de honrar com os compromissos financeiros, o grupo fatalmente veria o caixa secar.

A Raça Agro terminou dezembro de 2023 com R$ 36 milhões em caixa, mas esse montante já caiu. Na semana passada, eram apenas R$ 17 milhões. Em projeções entregues ao juiz, a companhia alertou que, sem a proteção, consumiria todo o caixa até 15 de abril e isso sequer honraria os compromissos do mês.

Os credores da Faria Lima

No mercado financeiro, os principais credores da Raça Agro são três, todos vinculados aos CRAs: Banco do Brasil e as gestoras Kijani e Vectis. Juntos, concentram R$ 193 milhões, o equivalente a dois terços da dívida.

Em fato relevante divulgado nesta semana, a Kijani informou que a Raça Agro responde por 10,21% do patrimônio líquido do Fiagro, um fundo de mais de R$ 600 milhões. No VCRA11, a exposição é de 5,2% (R$ 24,6 milhões).

Para os fundos que emprestaram recursos à Raça Agro, a falta de caixa não é um problema para a distribuição de curto prazo aos cotistas, uma vez que os CRAs contam com fundo de reservas para honrar os juros por pelo menos seis meses. Os fundos também se amparam nas garantias para tentar assegurar os recebimento dos recursos.

Mas isso está longe de ser um grande alívio. Se a companhia está insolvente, o pagamento do principal se torna um problema. Nesse cenário, os gestores de crédito mantêm conversas com Fagundes para entender o que vem pela frente.

Diante da situação financeira, alguma renegociação de dívidas, com alongamento do passivo e prazo de carência, terá de ser feita. Sem isso, o caso pode terminar em uma recuperação judicial (ou extrajudicial, o que, em tese, é menos traumático).

Três interlocutores ouvidos pela reportagem, incluindo pessoas próximas a João Fagundes, garantem que esse não é o caminho preferido pelo empresário. “A intenção não é evoluir para uma RJ”, disse uma fonte. Em casos como esses, porém, não é possível descartar essa hipótese — 60 dias é um prazo muito curto para negociar.

Na Faria Lima, o pedido de proteção feito pela Raça Agro foi recebido inicialmente com surpresa, mas há alguma esperança. “A postura do empresário, depois da medida cautelar, tem sido a de boa vontade para negociar”, diz Bruno Santana, co-fundador da Kijani. 

Sem waiver

Apesar da disposição em negociar, a Raça Agro chegou à situação atual também porque teve dificuldades em reunir todos os credores para uma conversa. O CRA de R$ 150 milhões que emitiu no ano passado foi encarteirado por BB e Kijani. A parte do banco estatal, porém, foi posteriormente distribuída a 900 clientes.

À Justiça, a Raça Agro argumentou que a pulverização dos CRAs pelo Banco do Brasil tornou virtualmente impossível uma negociação de waiver. Para evitar o vencimento antecipado das dívidas, a companhia precisa do aval de 80% dos detentores dos títulos. As 900 pessoas físicas respondem por 46% do total.

O waiver era necessário porque a Raça Agro extrapolou o limite previsto de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) de 5 vezes. Com Ebitda negativo, a companhia estava mesmo sem alternativa. Mas a verdade é que nem sequer o waiver seria suficiente considerando a sangria de caixa.

Procurada, a Raça Agro fez questão de destacar que não está em recuperação judicial. “Esta mediação, diferentemente de uma recuperação judicial, tem como objetivo realizar uma reestruturação rápida e segura com os credores. A medida visa assegurar a normalidade e continuidade do bom relacionamento com nossos clientes, fornecedores e credores”.

A Vectis não quis comentar.

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A Raça Agro é assessorada judicialmente pelo escritório Mac Dowell, Melo & Leite de Castro, um banca carioca, e por Pedro Reis, um advogado de Rondonópolis que já representou produtores rurais em recuperação judicial. (Colaborou Tatiana Freitas)