
Depois de quase dois anos, a JBS conseguiu o aval do BNDES para realizar a listagem de ações em Nova York — uma operação com potencial de triplicar o valor de mercado da companhia brasileira e destravar um poderoso mecanismo de financiamento para aquisições.
A J&F, holding por meio da qual os irmãos Joesley e Wesley Batista controlam a JBS, assinou um acordo com a BNDESPar — braço de participações do banco estatal que possui 20,8% da gigante das carnes —, garantindo que o banco não vai votar contra a operação.
Pelos termos do acordo, a BNDESPar vai se abster de votar na assembleia de acionistas que discutirá o tema, deixando o assunto para os minoritários — estes, como se sabe, apoiam amplamente a dupla listagem.
Como os irmãos Batistas, com 48,3% de participação na JBS, já não poderiam votar na assembleia, a posição do BNDES é fundamental para um desfecho positivo. Se o banco estatal se opusesse — algo que já ocorreu em 2016 —, a votação ficaria bem apertada e os minoritários talvez fossem insuficientes para aprovar a matéria.
A BNDESPar não poderá votar porque assegurou uma espécie de seguro com a J&F, garantindo uma remuneração de até R$ 500 milhões. Esse montante só será pago ao braço de participações do banco se a valorização das ações da JBS na bolsa de Nova York for inferior a um determinado patamar a ser verificado em dezembro de 2026 — o preço de exercício não é público.
Com isso, o BNDES garante que a listagem das ações nos Estados Unidos será lucrativa para o banco, que já acumula uma valorização substancial com os investimentos que fez na JBS entre 2007 e 2011, durante a gestão de Luciano Coutinho.
O retorno do BNDES
Ao todo, a BNDESPar investiu R$ 8,1 bilhões em ações da JBS — incluindo neste montante os aportes feitos no Bertin, que posteriormente foi adquirido pela companhia dos irmãos Batista.
Apesar das polêmicas que gerou durante a chamada política das campeãs nacionais, o investimento do BNDES na JBS já se provou bastante rentável. Além disso, as diversas investigações sobre os investimentos isentaram os técnicos do banco de qualquer irregularidade.
Com um preço médio de R$ 8,58 por ação, a BNDESPar ostenta uma taxa interna de retorno de 11,35% ao ano no investimento que fez na JBS, o equivalente a 160% do principal índice de ações da bolsa brasileira. Na mesma janela, o Ibovespa rendeu 7,25% ao ano.
Em outras palavras, a aposta do banco na construção de uma gigante brasileira de proteína animal se mostrou um acerto financeiro e estratégico — com mais de R$ 400 bilhões em faturamento, a JBS é a maior indústria de carnes do planeta.
Até agora, a JBS deu um lucro de quase R$ 23 bilhões à BNDESPar, com um retorno 36% acima do CDI, 92% acima do IPCA e 33% acima da variação cambial. Com a dupla listagem nos EUA, a expectativa é que esses lucros aumentem.
O potencial da listagem
Desde que começou a explorar a alternativa de listar as ações na bolsa de Nova York, há mais de uma década, a JBS sempre argumentou que a medida ajudaria a destravar valor da companhia, aproximando-a das métricas de valuation de concorrentes listados nos EUA.
A Smithfield é uma boa ilustração disso. Controlada pelos chineses da WH Group, a gigante de carne suína voltou à bolsa de Nova York recentemente. Mesmo com um IPO abaixo do esperado, as ações da companhia negociam a um múltiplo (EV/Ebitda) de 8 vezes, enquanto a JBS negocia a apenas 5 vezes.
Se já fosse negociada nos mesmos múltiplos da Smithfield, o valor de mercado de mercado da JBS mais do que dobraria, ultrapassando a marca de R$ 150 bilhões. Considerando as vantagens da brasileira sobre a gigante do bacon, essa não é uma hipótese improvável.
Além de ser mais diversificada geograficamente e por proteína — a Smithfield só produz carne suína —, a JBS cresce muito mais. Nos últimos cinco anos, o Ebitda da companhia brasileira cresceu, em média, 14%. No mesmo período, o Ebitda da Smithfield caiu 5%, na média.
Se comparada aos múltiplos da Tyson Foods, a JBS poderia se valorizar ainda mais listando as ações nos Estados Unidos. Avaliada em US$ 21,6 bilhões, a Tyson negocia a um múltiplo de 8,4 vezes. Se negociasse nos mesmo níveis, o valor de mercado da companhia dos irmãos Batista triplicaria.
Mesmo considerando um cenário mais conservador, o potencial de valorização é grande. A Pilgrim’s Pride, companhia americana de carne de frango listada na Nasdaq e controlada pela própria JBS, negocia a um múltiplo de 6,5 vezes. Chegar a esse patamar já praticamente dobraria o valor da companhia.
Em encontros com investidores, executivos da JBS costumam lembrar que boa parte do valor a ser extraído está na alocação dos fundos passivos, que acompanham os principais índices da bolsa americana.
Atualmente, 60% da alocação das companhias de proteína animal vem dos fundos passivos — com gestores como Vanguard e BlackRock montando posições relevantes em empresas como a Tyson.
No curto prazo, a JBS já poderia fazer parte do índice Russell 1000, que possui um valor de mercado combinado de US$ 10 trilhões. Por fazer mais de 50% das vendas nos EUA, a companhia também poderia se candidatar ao S&P 500 mais para frente, o que a incluiria num índice com mais US$ 13 trilhões de capitalização.
Os exemplos dos bonds
De certa forma, o mercado de bonds nos Estados Unidos já deu uma amostra do potencial de reprecificação da JBS.
Desde que registrou os títulos de dívida na SEC e passou a reportar informações periódicas como uma companhia listada no mercado americano, a JBS reduziu drasticamente a diferença de taxas em relação à Tyson de 3 pontos percentuais para 0,2 ponto.
O registro dos bonds também colocou a JBS na liga das gigantes de alimentos e bebidas. A companhia passou a fazer índice de renda fixa setorial do Barclays, representando 7,4% do total — ficando só atrás de AB Inbev (17%), PepsiCo (12%) e Coca-Cola (9,6%).
Os próximos passos
Para concretizar a listagem nos EUA e colher os benefícios esperados por boa parte do mercado, a JBS ainda precisa completar algumas etapas.
A próxima delas, após a divulgação dos resultados fiscais do ano passado — previstos para 25 de março —, é fazer um novo pedido à SEC, a xerife do mercado de capitais americano.
Em paralelo, a companhia precisa convocar a assembleia de acionistas no Brasil. Ao que tudo indica, isso poderia ocorrer ainda neste primeiro semestre, com a listagem ocorrendo potencialmente no terceiro trimestre.
Não à toa, o acordo entre J&F e BNDES prevê que o seguro de R$ 500 milhões acertado entre as partes será verificado em 31 de dezembro de 2026. Nesse cronograma, as ações da JBS teriam o tempo necessário para a sonhada reprecificação.