REGULAÇÃO

Implicações das novas regras para emissão de CRAs e LCAs

Alguns abusos cometidos com CRAs e LCAs devem ser mitigados, mas crédito ao produtor pode pode ficar mais caro

O Conselho Monetário Nacional (CMN) recentemente editou a Resolução 5.119/2024, alterando parte das regras aplicáveis aos títulos de crédito voltados aos setores do agronegócio e imobiliário. Especificamente em relação ao agro, foram realizadas mudanças regulatórias nos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e nas Letra de Crédito do Agronegócio (LCAs) em questões relacionadas ao lastro e ao prazo de vencimento.

Tais mudanças visam, ao menos no discurso oficial, restringir a emissão dos referidos ítulos de forma inadequada ou em conflito com o propósito original de suas criações.

Em síntese, o CMN vedou a possibilidade de emissão de CRAs com lastro em títulos de dívida emitidos por companhias que não possuem relação direta com o agronegócio. Também foi proibida a emissão de CRAs que tenham origem em operações envolvendo partes relacionadas ou que englobem recursos voltados ao reembolso de despesas. Essas alterações não afetam os CRAs já distribuídos ou com registro pendente na CVM.  

Em relação às LCAs, o CMN alongou o prazo mínimo de vencimento dos títulos em questão, de 90 dias para nove meses, assim como vedou a utilização de adiantamentos em operações de câmbio, créditos à exportação, debêntures e certificados de recebíveis como lastro das LCAs.

Adicionalmente, o CMN vedou, a partir de 1º de julho de 2024, a possibilidade de utilização dos recursos captados na emissão para fins de concessão de crédito rural que se beneficie de subvenção econômica, o que afeta diretamente a operação —e deve impactar as margens— dos bancos e das cooperativas de crédito rural.

Surpresa e satisfação

Em um primeiro momento, as medidas adotadas pelo CMN causaram um misto de surpresa e satisfação. Surpresa porque, embora houvesse sinais no ar de que mudanças poderiam ser realizadas nesse mercado para coibir abusos, não se esperava uma alteração abrupta nas regras dos títulos do agronegócio —pelo menos em um momento em que o setor tem recorrido cada vez mais ao mercado de capitais para financiamento de suas operações.

A satisfação, por sua vez, pôde ser observada em duas frentes. Para a imensa maioria dos players do mercado, as alterações promovidas pelo CMN nos CRAs e nas LCAs reduzem substancialmente as possibilidades de emissão de títulos por companhias que não atuam diretamente ou cujas operações não tenham relação com as cadeias produtivas agroindustriais, evitando, assim, desvirtuamento de políticas públicas para o setor.

A medida também agradou a gestores que de alguma forma estavam incomodados com a migração de recursos para títulos do agronegócio —que gozam de incentivos tributários e são amplamente utilizados por variadas instituições do Sistema Financeiro Nacional. Com a nova regulamentação, cresce a possibilidade de retorno de capital para investimento em outros títulos mais rentáveis para esses profissionais e suas casas de investimento.

É provável que ao longo do tempo, de fato, alguns abusos cometidos com CRAs e LCAs sejam mitigados. Contudo, é inegável que o aumento de entraves regulatórios pode afastar parcela dos recursos que estavam sendo direcionados para o mercado financeiro e de capitais, prejudicando a atração de capital estrangeiro e, em alguma medida, a aproximação do campo à Faria Lima.

Consequências

Com base no histórico das operações e nas movimentações que já estão sendo observadas nas instituições financeiras e nos escritórios de advocacia, é possível projetar o que deve ocorrer com o setor após as alterações promovidas pelo CMN —pelo menos menos em relação às operações de crédito.

Para as companhias abertas que possuem instituição financeira em seu grupo econômico, é provável que as operações de emissão de dívida para formação de lastro de CRAs sejam interrompidas. Nas operações de companhias do setor que envolvam partes relacionadas, é também provável que não sejam levadas adiante as operações envolvendo tais títulos, já que há vedação expressa na Resolução 5.119/2024.

Em termos estruturais, é possível que o crédito para o setor possa, direta ou indiretamente, ficar mais caro.

Muitas instituições bancárias e cooperativas de crédito terão que lidar com um cenário de menores possibilidades de emissão de títulos e, consequentemente, os juros tendem a aumentar ao tomador final —o produtor rural.

No mais, as cooperativas de crédito rural sofrerão um duro golpe em suas carteiras, já que possuem limitadas opções de emissão de títulos (no geral, LCAs são parte considerável de seus portfólios) e terão, assim, que utilizar novos meios de captação de recursos para concessão de crédito.

Impacto nos Fiagros

Os Fiagros deverão ser impactados indiretamente em um primeiro momento, já que muitos possuem em suas carteiras títulos cujo lastro está baseado em operações e papéis afetados pelas alterações promovidas pelo CMN.

No médio e no longo prazo, é provável que esses fundos tenham cada vez mais um portfólio robusto e melhor qualificado. Porém, no curto prazo, até que o “mato alto” seja carpido, é possível que alguns Fiagros passem por oscilações, assustando e afastando, ainda que temporariamente, um público crescente de pessoas interessadas em investir no pujante agronegócio nacional.

É importante que as implicações, tanto para o setor quanto para o mercado como um todo, sejam acompanhadas com atenção nos próximos meses. Muito embora haja nobre motivação para a realização das alterações, um período de adaptações forçadas, solavancos e certo stress deverá ser sentido pelos investidores, pelas companhias do agronegócio e pelos bancos e cooperativas que atuam no setor.

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O CMN é o órgão máximo de gestão e acompanhamento do Sistema Financeiro Nacional e atualmente é composto pelo Ministro da Fazenda, que preside o colegiado, além da ministra do Planejamento e Orçamento e do presidente do Banco Central. Secretários executivos de ministérios relacionados à economia, o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e diretores do Banco Central compõem um colegiado técnico de apoio ao CMN, e todas as principais decisões sobre moeda e crédito no Brasil são deliberadas e tomadas no âmbito do CMN.