OPINIÃO

A quem interessa tributar Fiagro, CRA e LCAs?

Nos últimos meses, o governo ganhou um novo (e inusitado) aliado no aumento dos impostos: alguns gestores de fundos multimercados da Faria Lima

O governo federal conquistou avanços importantes em 2023: passou a necessária reforma tributária, a Selic e a inflação recuaram, o PIB cresceu por volta de 3% e os empregos aumentaram com um saldo de quase 2 milhões de novas vagas.

O copo meio vazio veio da gastança do governo, gerando um déficit fiscal gigante. Para minimizar o rombo, o governo precisa aumentar a arrecadação. Em outras palavras, mais imposto pela frente.

Parece certo que o governo federal virá com a agenda da reforma do Imposto de Renda em 2024, com potencial para respingar no financiamento privado do agronegócio. É preciso ficar alerta. Há forças se mexendo.

Se o objetivo for arrecadar, um pacote de maldades óbvio é cobrar imposto de renda sobre os rendimentos de LCA, CPR, CRA, CDCA e Fiagros, os instrumentos que garantem o financiamento privado ao agro.

Nos últimos meses, um capítulo inusitado e inédito da história econômica brasileira vem se desenhando. O governo ganha um novo aliado no aumento dos impostos: alguns gestores de fundos multimercados da Faria Lima.

Multimercados x alternativos

Cada vez mais, tenho visto gestores consagrados de fundos de ações e multimercados criticando os títulos isentos de imposto de renda (CRA, LCA, CRI, LCI, debêntures incentivadas, etc), que são títulos que financiam o agronegócio, a construção civil e infraestrutura no Brasil.

O motivo é claríssimo. Segundo a Anbima, os fundos de investimento tiveram resgate líquido de R$127,9 bilhões no ano passado. Em 2022, a saída havia sido ainda maior, de R$ 129,21 bilhões. Os fundos multimercados apresentaram o maior resgate da história da classe em 2023, de R$ 134,32 bilhões.

Gestores de fundos multimercados sugerem tributar o agro

Em sentido inverso, os fundos estruturados, conhecidos como alternativos, cresceram. Os FIPs, FIAGROS, FIIs, FIDCs receberam boa parte do dinheiro que deixaram os fundos multimercados.

O IHFA, um indicador que tem por objetivo demonstrar para investidores o resultado médio dos hedge funds no mercado de capitais brasileiro fechou com 9,31% de rentabilidade. A Selic começou com o ano em 13,75% ao ano e encerrou 2023 com 11,75%.

Resumindo: os fundos multimercado estão apresentando baixa performance e perdendo para a indústria de fundos listados (FIIS, Fiagros, FIP-IE e Fi-Infra) e até mesmo para títulos do mercado bancário (LCA, LCI, etc).

Me surpreende o fato destes gestores não fazerem autocrítica. Quais as razões do desempenho fraco dos seus fundos? O investidor migra desses fundos para Fiagros, FII, FiP-IE e FIP-Infra e a “culpa” é exclusiva da isenção de imposto de renda?

Milhões de brasileiros estão aplicando cada vez mais os seus recursos em fundos alternativos. Não faz sentido que, de maneira oportunista, lideranças importantes do mundo do mercado de capitais passem a defender aumento de impostos via eliminação da isenção de imposto de renda de títulos e fundos que financiamento o agronegócio, a construção civil e a infraestrutura no Brasil.

Ao olhar apenas para si, acertam em cheio o setor mais dinâmico da nossa economia: o agronegócio.

Galinha dos ovos de ouro

Na história econômica brasileira, nenhum outro setor teve tanto sucesso como o agronegócio nos últimos 50 anos. Uma verdadeira revolução. O economista Marcos Lisboa já cravou: “Agronegócio e o Porto Digital, em Recife, são os dois exemplos no Brasil de combinação de políticas públicas, empreendedorismo privado e inovações tecnológicas que permitem aumentos recorrentes da produtividade, da renda das famílias e de crescimento econômico.”

Alguns números que comprovam que o agronegócio é o setor mais dinâmico da economia nacional: a balança comercial brasileira só é positiva em função do agronegócio.

Entre janeiro e novembro do ano passado, o saldo comercial do agronegócio é positivo em aproximadamente US$ 137,9 bilhões, segundo cálculos da CNA. O saldo dos demais produtos dos outros setores da economia é negativo. Além de tudo, o agronegócio emprega mais de 28 milhões de brasileiros.

Já basta ao agronegócio receber os ataques que recebe dos competidores internacionais! Matar a galinha dos ovos de ouro é um caminho errado que o governo federal e muitos gestores de fundos multimercado estão desenhando.

Nenhum outro setor da economia nacional tem mais vantagens competitivas na arena comercial mundial do que o agronegócio.

A importância da isenção

O financiamento privado do agronegócio teve início há três décadas. Começou a ser desenhado em 1994 com a criação das CPRs, depois avançou em 2004 com a criação da LCA, CRA e CDCA. Recentemente, ganhou maior segurança jurídica com a Lei do Agro 1 e 2, e uma nova alternativa de financiamento com os Fiagros.

Jogar contra o setor mais dinâmico da economia nacional coloca em risco um setor que ajuda a alimentar 10% da população mundial, gera quase 30 milhões de empregos no Brasil e garante a nossa balança comercial positiva.

A demanda por crédito agrícola no Brasil já passa R$ 1 trilhão. O Plano Safra financia 40% da demanda. É o setor privado que suporta 60%, captando boa parte deste recurso através de títulos isentos como LCA, CRA, CDCA.

O estoque de LCA somava R$ 450 bilhões em novembro de 2023, conforme o Ministério da Agricultura. O de CRA tinha passado de R$ 123 bilhões. E o de CDCA, mais de R$ 30 bilhões. Os Fiagros, que já contam com mais de 500 mil investidores, apresentam patrimônio líquido superior a R$ 20 bilhões.

A figura abaixo, elaborada pelo professor Luiz Cláudio Caffagni da FGV, mostra a estrutura do funding do crédito agrícola no Brasil e a importância dos títulos isentos.

Fiagro é veículo para financiar o agro

Financiamento de longo prazo

Segundo o ex-ministro Maílson da Nóbrega, “o mercado de capitais está se tornando o financiador de longo prazo das empresas brasileiras”.

No mundo do agronegócio, os Fiagros listados em ambiente de bolsa caminham para se tornar os principais financiadores das operações de investimento (máquinas, equipamentos, irrigação, silos, implantação de culturas mais longas, como café, laranja e cana de açúcar).

A razão é simples: ao contrário do mercado bancário, os Fiagros listados não têm risco de liquidez, ou seja, não existe saque dos recursos nos fundos. A saída dos investidores do fundo se dá em ambiente de bolsa no mercado secundário. Ao não ter risco de liquidez, gestores desses fiagros podem fazer operações mais longas.

O próprio Plano Safra, aliás, prioriza operações de custeio (curto prazo). Dos R$ 272 bilhões focados na “agricultura empresarial”, apenas R$ 92 bilhões são dedicacadas a investimento (longo prazo).

Pela primeira vez na história, com os Fiagros, crescem as operações de longo prazo com recursos privados para financiar o agro. Hoje, a única alternativa do produtor rural se dá em poucos recursos no Plano Safra (citados acima), BNDES e nos fundos constitucionais (FCO, FNE e FNO).

Acabar com a isenção significa acabar com o financiamento privado de longo prazo.

Mais do que nunca, o nosso setor dependerá da atuação da Frente Parlamentar do agronegócio, liderada pelos deputados Pedro Lupion, Arnaldo Jardim, Evair de Melo e da senadora Teresa Cristina. A FPA é o nosso principal seguro, ao lado da CNA e da OCB.

Não será fácil segurar a inusitada aliança entre o governo federal e gestores de fundos multimercados.

*Octaciano Neto foi secretário de Agricultura do Espírito Santo no governo Paulo Hartung. Atualmente, é diretor de agro da Suno