No mês passado, a indústria de Fiagros comemorou dois anos de lançamento do primeiro fundo: o GCRA11, da Galápagos, que levantou cerca de R$ 50 milhões em agosto de 2021. De lá para cá, foi um sucesso absoluto. Em todos os sentidos.
De acordo com a Anbima, o patrimônio líquido dos Fiagros bateu R$ 15,8 bilhões no mês passado. A B3 registra 380 mil investidores, dos quais 94,3% são pessoas físicas. Do total de quase R$ 16 bilhões, 9,8 bilhões são de Fiagros listados na bolsa.
Em termos comparativos, a curva de crescimento é bem mais rápida do que a trajetória dos fundos imobiliários (FIIs), o primo mais velho que abriu o caminho para os Fiagros. Para se ter uma ideia, os FIIs levaram 10 anos para atingir R$ 15 bilhões de patrimônio líquido e 18 anos para superar os 380 mil investidores na B3.
Atualmente, os FIIs têm R$ 270 bilhões em patrimônio líquido, sendo R$ 206 bilhões em FIIs listados com mais de 2,3 milhões de investidores na B3. Será que os Fiagros vão chegar nesses números? Acredito que sim, mas não sem tomar a devida cautela.
Os desafios da indústria
A indústria de Fiagros tem conquistado, em média, 15 mil novos investidores por mês. Para manter o crescimento, o setor precisará garantir segurança aos investidores e tem alguns desafios pela frente. Enumero:
- Explicar ao investidor (pessoa física) porque vale investir no agronegócio, o setor mais dinâmico da economia brasileira. Muita gente ainda liga o agro ao arquétipo pré-década de 70: Jeca Tatu. O impacto do desmatamento na Amazônia também prejudica o imaginário coletivo do setor. Precisamos mostrar o agro moderno, que garante a balança comercial positiva do Brasil, representa quase 30% do PIB, emprega 28 milhões de brasileiros, além de cumprir a mais moderna legislação ambiental do mundo (Código Florestal);
- As gestoras precisam mostrar que conhecem o setor. Existe um bom histórico de crédito privado no Brasil. No entanto, uma coisa é dar crédito para uma empresa com balanço auditado. Outra coisa é dar crédito para um produtor rural que só opera na pessoa física;
- O setor tem ciclos com “vento nas costas e vento de proa”. As condições climáticas (seca ou excesso de chuvas) e o preços das commodities agrícolas mudam a direção do vento;
- A inadimplência é outra prova de fogo. Qual será a performance dos Fiagros nos momentos difíceis? Nos momentos de “vento de proa”, os fundos se manterão com inadimplência adequada?
- É fundamental que a regulamentação definitiva pela CVM, que deve sair nos próximos meses, comtemple as CPRs como ativo elegível na carteira dos fundos listados (a maior parte do tipo FII). Hoje, isso só é possível nos Fiagros do tipo FIDC. Com a inclusão das CPRs, a indústria pode reduzir os custos, fazendo dinheiro chegar numa infinidade de produtores rurais, democratizando a conexão entre investidores e tomadores de crédito. Explico o porquê: a emissão de um CRA, instrumento que contempla a maior parte do portfólio dos Fiagros listados, custa mais de R$ 100 mil, o que só viabiliza operações muito grandes. Uma CPR, por sua vez, custa apenas R$ 100 (sem contar custos de registro de garantia real em cartório de imóveis).
- Atrair o investidor institucional, que começa a investir em fundos com maior histórico de vida, tamanho (patrimônio líquido) e liquidez. Esse movimento deve ganhar força nos próximos anos;
- Mostrar ao investidor que investir nos setores imobiliário, de infraestrutura e agronegócio é um bom movimento, diversificando o portfólio. Faz bem para a saúde da carteira do investidor, até porque os setores têm relativamente baixa correlação. Os três ativos não oscilam da mesma forma.
Para onde vão os Fiagros?
O economista João Arthur Almeida, CIO da Suno Wealth, traçou três cenários de crescimento dos Fiagros nos próximos anos, considerando o momento atual da indústria de Fiagros, tendo o crédito como principal indutor do crescimento.
Cenário base: a indústria de Fiagro segue a mesma trajetória de crescimento médio da indústria de FIIs a partir do terceiro ano de existência (CAGR anual de 34% entre 2004 e 2023), atingindo R$ 124 bilhões em 2030;
Cenário pessimista: A taxa de crescimento se reduz 15% ao ano, refletindo dificuldades de manter taxas de crescimento elevadas em cima de bases mais altas e eventuais dificuldades macroeconômicas que aumentem a taxa de juros e dificulte novas emissões, atingindo R$ 63,5 bilhões em 2030;
Cenário otimista: A taxa de crescimento se eleva 5% todo ano, refletindo um patamar de juros mais baixos e um cenário macroeconômico estável, que facilite novas emissões, conquistando R$ 165,3 bilhões em 2030;
A possibilidade de crescimento dos Fiagros de terras agrícolas, equivalente aos FIIs de Tijolo, pode influenciar nos cenários apresentados acima. O valor de mercado das terras agrícolas no Brasil é entre cinco e oitavo vezes maior do que o mercado de crédito rural. Ou seja, o potencial da indústria de Fiagro pode ser ainda maior.
Financiando o agro no longo prazo?
O rápido sucesso dos Fiagros veio reforçar uma tese que advogo desde que o instrumento foi criado pelo Congresso Nacional, fruto de uma lei proposta pelo deputado federal Arnaldo Jardim.
A indústria de Fiagros transformará o mercado de capitais na principal fonte de financiamento de longo prazo do agro brasileiro. A velocidade dessa afirmação dependerá, sobretudo, do investidor brasileiro de varejo (pessoa física). E, em alguma medida, dos investidores institucionais, mas não tenho dúvidas de que isso ocorrerá.
Mas, afinal, por que os Fiagros se tornarão o principal financiador de longo prazo do agro?
Os Fiagros listados não têm saque. O investidor, quando deseja vender a sua cota, não resgata do fundo. Ele vende no mercado secundário. O papel muda de mão, mas o dinheiro permanece dentro do fundo. Isso permite que os gestores dos Fiagros possam fazer operações mais longas.
Do outro lado, os bancos são alavancados, captam recursos dos poupadores em volume muito superior aos seus patrimônios líquidos. E a grande parte desta captação é de curto prazo. Isso explica a dificuldade dos bancos de fazerem operações de prazo longo. Os bancos, corretamente, precisam casar os prazos dos ativos (empréstimos realizados) com os passivos (recursos captados dos seus clientes). E, por isso, se concentram em operações de custeio (curto prazo), com exceção dos bancos de fomento.
As questões fiscais do governo federal também impedem o crescimento do Plano Safra na mesma velocidade da produção agropecuária e, portanto, amplia a necessidade de financiamento privado. O orçamento federal já destina mais de R$ 13 bilhões em equalização de taxa de juros anualmente. Como Rogério Boueri costuma dizer, o Plano Safra é vítima do seu próprio sucesso.