Após idas e vindas no Parlamento em relação à isenção de Imposto sobre a Renda nas distribuições aos cotistas, o Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) chegou ao mercado em 2021 como opção adicional de investimento no agronegócio via mercado de capitais. Até agora, vem caminhando muito bem, obrigado.
Mais de 45 emissões foram realizadas, formando um patrimônio líquido conjunto de aproximadamente R$ 14 bilhões e congregando mais de 300 mil investidores no Brasil, conforme dados recentes da Anbima (Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais). Nada mal para uma classe de investimentos com pouco mais de dois anos de existência.
Ocorre que uma movimentação recente do Poder Executivo federal colocou um bode na sala do Fiagro.
O artigo 24 da Medida Provisória 1.184/2023 (MP 1.184), que alterou o inciso I do Parágrafo Único do artigo 3º da Lei 11.033/2004 (Lei 11.033), modificou sobremaneira a quantidade mínima de cotistas que um Fiagro deve possuir para que, nas distribuições de rendimentos, ocorra a isenção do IR, na fonte e no ajuste anual.
O que antes demandava ao menos 50 cotistas, agora exige 500, um aumento de 1.000% na base da canetada. Em resumo: mantidas as disposições da MP 1.184, somente os Fiagros com 500 ou mais cotistas estarão sujeitos à isenção do IR nas distribuições — benefício fiscal que é um dos principais incentivos para investimento nessa classe de ativo.
Consequências
A mudança, que quase passou despercebida na publicação da medida e foi enxertada em uma norma que trata majoritariamente sobre tributação de fundos exclusivos, em tese não prejudica o mercado core do instrumento na bolsa de valores.
Os Fiagros listados na B3, em sua imensa maioria, já possuem mais de 500 cotistas, e os investidores que adquiriram cotas em negociação a mercado podem ficar tranquilos, não haverá alteração na questão da isenção do IR nas distribuições recorrentes dos fundos, conforme o texto atual.
O que pega, no caso, são os Fiagros que foram constituídos ou que estavam em vias de ser estruturados como instrumentos de planejamento sucessório e patrimonial.
Fiagro na sucessão
Pela sua natureza versátil e dada sua regulamentação até aqui vigente, qual seja, a Resolução 39/2021 (Resolução 39), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Fiagro apresentava-se, também, como uma alternativa de organização dos bens de uma determinada família ou grupo, já pensando em termos de sucessão e passagem de bastão.
Nesse sentido, um Fiagro poderia ser estruturado e, ato contínuo, as fazendas integrantes do patrimônio familiar poderiam ser integralizadas no fundo, com a consequente distribuição de cotas entre os componentes do grupo em questão. Posterior arrendamento das terras geraria um fluxo de renda aos cotistas, sem que houvesse necessidade da alienação dos bens para fins de distribuição aos sucessores.
Nos termos da Lei 14.130/2021 (que criou o Fiagro), da Resolução 39 e da redação outrora vigente da Lei 11.033, com 50 cotistas já era possível estruturar um Fiagro que gerasse renda a um grupo familiar de forma perene, perfeitamente legal e com o incentivo da isenção de IR nas distribuições dos pagamentos dos arrendamentos aos cotistas.
Com a alteração introduzida pela MP 1.1884, o sarrafo da isenção tributária ficou (bem) mais alto, passando para, no mínimo, 500 cotistas. Muitas famílias e grupos conseguem congregar 50 indivíduos. Mas reunir 500 é bem, bem mais difícil.
Em busca de arrecadação
Dessa forma, a alteração sutil da MP 1.184, mais especificamente seu artigo 24, que também se aplica aos Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs), atinge em cheio uma estrutura que começava a ganhar tração nos planejamentos sucessórios e patrimoniais das famílias e dos grupos empresariais diretamente envolvidos no agronegócio.
A Exposição de Motivos da MP 1.184, espécie de justificativa para edição de uma norma, passa brevemente pelo tema e não explica o porquê dessa alteração — de 50 para 500 — como número mínimo de cotistas para fruição de incentivo fiscal de IR.
Dado o contexto de tributação de fundos exclusivos e estruturas offshore, amplamente utilizadas por pessoas e grupos com maior poder aquisitivo, presume-se que o objetivo da alteração relacionada ao Fiagro foi, de fato, atingir bolsos mais pesados. É uma escolha política e, também, de natureza arrecadatória, já que a necessidade de receitas extras é imensa.
Nesse contexto, salvo alterações do texto da MP 1.184 pelo Congresso Nacional ou sua não conversão em lei (a medida precisa ser aprovada pelo parlamento em, no máximo, 120 dias após sua publicação para ser convertida em lei, e pode sofrer alterações em seu conteúdo), fica claro que o Fiagro como instrumento de planejamento sucessório e patrimonial sofreu um duro golpe.
Continua uma excelente alternativa de investimento no setor via mercado de capitais. Mas, no cenário atual, perde um pouco do brilho para o mercado de wealth management, private e ultra-high-net-worth individuals (UHNWI). Acompanhemos os desdobramentos da medida no Congresso Nacional.