Governança

A jornada do empresário rural no mercado de capitais

Até o final desta década, o mercado de capitais será o principal financiador do investimento do agro brasileiro

Reconhecido como um gigante agrícola mundial, o Brasil também carrega a sina de ser conhecido como o país da meia-entrada, onde exceções frequentemente se transformam em normas.

Durante anos, os agricultores brasileiros se acostumaram a se beneficiar de juros subsidiados, especialmente através do Plano Safra, que desempenhou e ainda desempenha um papel essencial, mas agora se mostra insuficiente diante dos novos desafios do setor agro.

A necessidade total por crédito rural no Brasil é de R$ 1 trilhão por ano, enquanto o Plano Safra atende aproximadamente 40% desta demanda.

Quando os bancos emprestam com recursos do Plano Safra, todo médio produtor pagará a mesma taxa de outro médio produtor. Se for pequeno ou grande, segue a mesma lógica. As boas práticas de governança não alteram o contrato de custeio ou investimento no Plano Safra.

No mercado de capitais, um empresário rural (produtor, dono de revenda, dirigente de cooperativa ou industrial) pode pagar CDI + 6%, por exemplo, e o outro CDI + 2%. A diferença é enorme. Basicamente, a régua de governança, a saúde financeira do seu balanço (ou imposto de renda) e as estruturas de garantia fazem a diferença ser tão grande.

Adentrar o mercado de capitais tem os seus desafios. Exige-se tempo e vontade de se investir em governança. E um pouco de pessoas, processos e sistemas.

Diferentemente dos bancos, que ao analisar o crédito do empresário rural se baseiam em garantias e histórico de relacionamento, o mercado de capitais demanda estruturas de governança e controle mais robustos. O lado positivo é que, embora o investimento inicial em governança seja necessário, os benefícios a longo prazo mudam o empresário rural de patamar.

Afinal, o que é governança?

Aqui vale uma reflexão: o que é mesmo governança? O termo “governança” deriva do ato de governar por meio de uma gestão robusta; exercer autoridade; ter o poder perante algo. Basicamente, o sentido de governança é o de administrar, dirigir, monitorar, orientar, organizar e elaborar estratégias para tomar decisões assertivas.

Dentro das fazendas, algumas coisas facilmente evidenciam quem tem régua alta ou baixa de governança: você mistura as contas da fazenda com a da sua casa? Você compra carro pro seu filho(a), que ainda estuda e não trabalha na fazenda, com inscrição estadual de produtor rural, só pra pagar menos imposto? Você não faz gestão de riscos do seu negócio, como venda futura e trava de preços? Se a resposta for sim para as perguntas, significa que você tem uma régua mais baixa de governança do que quem respondeu não nas respostas.

O engenheiro agrônomo Antônio Carlos Ortiz, com passagem estrutural no Rabobank e Itaú BBA, é o papa do crédito rural privado brasileiro.  De tantas coisas boas que ele fala, consolidamos o que chamamos de “as regras de ouro do Ortiz”:

  1. Dívida / Ebitda < 3
  2. Dívida / patrimônio = 50/50
  3. Ativo circulante / passivo circulante > 1,3
  4. Ebitda / juros das parcelas da dívida de longo prazo > 1,3

Se você não tem sequer os números para responder os 4 pontos acima, o seu caminho será um pouco mais longo. Assim é a maioria, fique tranquilo. Pense que você está construindo um filme. Não é uma foto. Se você estiver “enquadrado”, a sua jornada será bem mais fácil no mercado de capitais.

Para os empresários rurais, embora haja custos associados ao ingresso no mercado de capitais, abre-se um leque de oportunidades para reestruturar e personalizar suas obrigações financeiras.

Não são apenas as grandes empresas que acessam o mercado de capitais, mas certamente as atuais grandes empresas só se tornaram grandes por terem acesso ao mercado de capitais. No agro, tanto no Brasil como no mundo, temos ótimos exemplos: Klabin, Suzano, Marfrig, BRF, Irani, BrasilAgro, Bayer, John Deere, Valmont Industries, Nutrien, etc.

Uma jornada progressiva

É vital entender que o acesso ao mercado de capitais é uma jornada progressiva, que se torna menos árdua à medida que se desenvolve. Isso se deve tanto aos investimentos em governança, que se tornam mais fáceis de manter uma vez implementados, quanto à potencial redução das taxas de juros, conforme se estabelece confiança junto ao mercado.

A construção dessa confiança exige um compromisso contínuo com o tempo para solidificar a credibilidade.

Um caso emblemático é o da empresa Irani, que hoje desfruta de grande prestígio no mercado de capitais. Em 2019, a companhia realizou uma emissão de debêntures a CDI+4,5%. Após um re-IPO em 2020 e contínuas melhorias na governança e nas relações com o mercado, a empresa conseguiu fazer uma nova emissão ao custo de CDI+1,51% em 2022, representando uma economia significativa para os acionistas e uma maior flexibilidade nas condições de crédito.

Esse cenário de taxas mais acessíveis, prazo mais adequado e condições de crédito flexíveis está ao alcance de todos os empresários rurais que se dedicarem ao mercado de capitais e adotarem práticas de governança sólidas.

Na Suno, vendo o gap de informação e formação existente, criamos o Grupo Elite Agro, que tem como objetivo formar os empresários rurais e mostrar como é fácil entrar no mercado de capitais.

Avenidas complementares

Em tempo: não existe disputa entre o mercado bancário e o mercado de capitais. Ambos fazem parte do Sistema Financeiro Nacional. As maiores gestoras do Brasil são dos próprios bancos, na seguinte ordem: Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa e BTG. São avenidas distintas e complementares.

O mercado bancário é presente no dia a dia do empresário rural. Ele já aprendeu o caminho. E existe apenas uma porta para acessar: as agências bancárias. A vantagem é que são muitas. E existem em todas cidades do Brasil.

O mercado de capitais tem vários portas: as securitizadoras, as gestoras, através dos Fiagros, e os IBs (investment bank), através dos seus DCM, ECM e estruturas de M&A. A desvantagem é que existe uma enorme concentração destas portas na Faria Lima.

A jornada rumo ao aprimoramento do acesso ao crédito é fruto de um trabalho bem executado. A competição por crédito é intensa, e aqueles empresas que se organizarem e se mantiverem diligentes terão melhores condições de acessar esses recursos, promovendo assim um salto de qualidade em seus negócios. A evolução nesse acesso ao crédito é uma progressão natural na jornada pelo mercado de capitais.

O empresário rural que aprender rápido sairá na frente. Até o final desta década, o mercado de capitais será o principal financiador das operações de investimento do agronegócio brasileiro. A vida é assim: quem se adapta mais rápido, vence.

Temos 5 milhões de produtores rurais no Brasil. Apenas 400 mil (50 mil com mais de 500 hectares e 350 mil com menos de 500 hectares) produzem 86% do valor bruto da produção agropecuária. Apenas 5% são os vencedores no rural brasileiro. E não será diferente para quem acelerar o acesso ao mercado de capitais. Serão os vencedores.