Finanças

O teste de stress na relação entre agricultor e Faria Lima

Os indicadores financeiros tradicionalmente adotados para analisar uma empresa podem não ser tão eficazes quando falamos de financiamento agrícola, escreve Rafael Harada

Em minha coluna de estreia, mostrei como o mercado de financiamento agrícola passa por uma grande transformação. Além das tradicionais linhas de fomento e financiamento bilateral bancário, o produtor rural agora pode acessar diretamente o mercado de capitais com a emissão de CRAs e sua alocação em Fiagros.

Seguindo a natureza humana, essa inovação acelerou num período de grande prosperidade para o produtor, e passa neste momento pelo seu primeiro grande teste de stress.

Longe de significar a inviabilidade dos produtos, que ainda alcançam parcela mínima de seu potencial de mercado, o estreitamento das margens de produção nas safras atuais pode ser tomado como uma grande oportunidade para revermos alguns detalhes e evoluirmos.

Todo produto financeiro passa por evolução. É natural que ajustes sejam feitos de tempos em tempos para se adequar a novas demandas, condições de mercado, ou mesmo rever questões estruturais. Isso ocorre até mesmo nos instrumentos mais simples e estabelecidos, como os contratos futuros negociados em bolsa.

O pessoal mais rodado deve lembrar de alguns exemplos, como a evolução do contrato de dólar grande para o mini, do swap pré para o DI, do DDI com dólar para o FRC, do contínuo ajuste de vencimentos e discussões de indicadores para as commodities.

O fundo imobiliário, primo mais velho do Fiagro, também sofreu sua parcela de dores de crescimento e os próprios CRAs tiveram ajustes regulatórios importantes implementados pela CVM este ano.

Quais são os melhores indicadores?

O CRA já é bem conhecido do mercado, mas seu primeiro grande boom ocorreu com as emissões de empresas dos mais diversos portes. Dessa forma seu contrato básico, especialmente na parte de obrigações dos devedores, os famosos covenants, foi desenhado com este público corporativo em mente.

Indicadores financeiros usados na avaliação de empresas podem não funcionar bem para o agro, escreve Rafael Harada

Os indicadores financeiros tradicionalmente adotados para analisar uma empresa, como endividamento total —alavancagem pela relação entre dívida líquida e Ebitda—, podem não ser tão eficazes quando falamos de pessoas físicas e fazendas, onde nuances diferentes devem ser consideradas.

Longe de ser um problema estrutural, existem hoje incêndios que precisam ser controlados. Mas os membros deste enorme ecossistema de tomadores, estruturadores, securitizadoras e investidores devem fazer uma reflexão sobre como evoluir este mercado.

Talvez seja a hora de pensarmos em soluções inovadoras e práticas que se encaixem melhor na realidade do tomador e que incentivem uma melhora na gestão de fluxo de caixa e riscos de mercado.

Ou mesmo pensar em iniciativas educacionais para esclarecer as causas e consequências dos diversos cenários que podem ocorrer.

Os mercados seguem ciclos, e estamos num movimento de baixa para o financiamento do produtor nos mercados de capitais. Se aproveitarmos essa fase para aprimorar o mercado, o próximo ciclo de retomada poderá ser mais forte e duradouro. Vamos trabalhar para que assim o seja.

Direto da mesa

Após tocarem as mínimas do ano com as posições vendidas recordes dos fundos de investimentos, os contratos futuros de soja em Chicago deram um respiro, justamente com esses players recolhendo parte das posições.

Dados como os da Conab e as leituras iniciais sobre intenção de plantio para a safra deste ano nos Estados Unidos foram um convite a colocar parte do bom resultado no bolso.

A curva de preços futuros tem precificado a tradicional incerteza sobre clima nos contratos de julho e agosto, mas as pontas mais longas continuam acreditando no bom volume de produção e fraca demanda. Será apenas uma pausa na tendência para acumular antes de uma nova pernada ou reversão para alta?  Quem viver verá.

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Rafael Harada, colunista de The AgriBiz, é CEO e cofundador da Virtus Advisors. Possui mais de 20 anos na gestão de riscos de commodities e câmbio na JBS, onde foi diretor global de gestão de riscos. É engenheiro com ampla experiência em mercados de commodities agrícolas e finanças corporativas.