Commodities

Consumo de café resiste à alta de preço e bate recorde

Mesmo com preço nas alturas, consumo global de café bate recorde. CEOs de empresas que representam um terço do mercado mundial explicam o porquê

David Neumann, Ben Clarkson, Nicolas Tamari, Teddy Esteve e Carlos Alberto Santana Jr. (da esq. para dir.) | Crédito: Divulgação

CAMPINAS (SP) – O preço do café nas prateleiras continua nas alturas. Mas, contrariando as expectativas, o consumo global se mantém forte, mostrando a resiliência do produto.

O consumo da bebida atingiu um recorde nos últimos 12 meses, segundo dados apresentados pela Louis Dreyfus durante o Coffee Dinner, evento promovido pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) nesta semana, em Campinas (SP). Além da paixão pelo cafezinho em mercados consolidados, uma nova demanda, vindo principalmente de países emergentes, tem papel fundamental nesse cenário.

“Estamos falando de 7 a 10 milhões de sacas fora da tendência. O interessante é que há um crescimento considerável em novos mercados, como Arábia Saudita, Turquia, Indonésia”, disse Ben Clarkson, chefe da Plataforma Café da Louis Dreyfus, companhia conhecida por ter um ótimo time de pesquisa. “Nos últimos 10 anos, Japão, EUA, Europa e Brasil representavam 70%. Hoje, representam 60%”, acrescentou.

A mesma percepção é compartilhada por Teddy Esteve, diretor de operações da Ecom Agroindustrial Corp. “Com o café atingindo mais 400 [centavos de dólar por libra-peso em Nova York], o normal era que o consumo caísse. Mas quando falamos com nossos clientes, não vemos grandes números. Óbvio que não vemos crescimento, com exceção de alguns países, mas não tivemos a queda que esperávamos. O café é um produto resiliente e estamos felizes que as pessoas não conseguem vivem ser ele”, afirmou.

O diretor da Ecom divide o mundo em dois. “Os 4 bilhões de pessoas na Índia, China, Indonésia, Vietnã e demais países desta região e os 4 bilhões do resto do mundo, que têm carregado o mercado de café atualmente. Mas os 4 bilhões da Ásia serão o futuro do crescimento do café”, enfatizou.

Quanto à China, David Neumann, CEO do Grupo Neumann, sugere cautela. “É melhor não nos entusiasmemos demais, porque a China tem seus limites e é, tradicionalmente, um país consumidor de chá”, disse o CEO de uma das maiores tradings de café do mundo.

Só para se ter uma ideia, as exportações brasileiras de café para a China, que eram quase inexpressivas há 15 anos, alcançaram 1,5 milhão de sacas em 2023, mas caíram para 988 mil sacas no ano passado.

“O café tem despertado interesse entre os chineses, está associado com estilo de vida e teve um crescimento imenso nos últimos anos. Mas não deve durar para sempre”

DAVID NEUMANN, CEO DO GRUPO NEUMANN

“Penso que a Ásia, a Indonésia e alguns países do leste europeu, que estão enfrentando problemas no momento, têm potencial para aumento de consumo”, acrescentou Neumann.

Para Nicolas Tamari, CEO da Sucafina, outra trading especializada em café, os altos preços vão tornar o mercado cada vez mais dependente do Brasil e do Vietnã. “Os grandes perdedores neste contexto são os países africanos, em que os governos têm uma política de preço mínimo e o produtor não recebe boa porcentagem do preço FOB”, diz.

De acordo com Vanúsia Nogueira, diretora executiva da Organização Internacional do Café (OIC), enquanto os cafeicultores do Brasil e Vietnã recebem cerca de 90% do preço FOB, em outros países esta porcentagem é de 30%.

Consolidação à vista

Outro efeito da alta do preço do café e dos custos de operação é a tendência de consolidação.

“Primeiro no contexto de produtores, os maiores comprando os menores. Depois de exportadores, traders e no âmbito dos torrefadores”, disse Tamari, da Sucafina. “Na minha história com o café, essa é a primeira vez que vejo os torrefadores lutando tanto nos países consumidores.  A menos que seja uma marca A ou um private label, está difícil sobreviver”, acrescentou.

David Neumann também prevê mudanças. “Nos EUA e Europa há empresas tradicionais que comercializam café há muito tempo. Creio que vamos assistir a um desaparecimento contínuo dessas companhias não por falta de liquidez, mas por não ser mais um negócio viável com muitos regulamentos e regras, portanto, com custos acrescidos a cada ano, que não ajudam ninguém a vender café”, explicou.

O cenário atual tem impulsionado a industrialização em países de originação do café, como o Brasil. A EISA, subsidiária nacional do grupo Ecom, está implantado uma fábrica de café descafeinado (DM Descafeinadores do Brasil) em Sooretama (ES), um investimento da ordem de R$ 100 milhões que deve entrar em operação este ano.

A ofi inaugurou uma moderna fábrica de café solúvel em Linhares (ES) em maio deste ano, uma unidade de R$ 1 bilhão, com capacidade para 13,5 mil toneladas ano. Em 2024, a Louis Dreyfus, comprou a Companhia Cacique de Café Solúvel para expandir a presença no mercado global de solúvel.

“Estamos aqui para servir os nossos clientes da indústria de torrefação que querem destinar mais dinheiro ao marketing das marcas em vez de investir em capex”, diz o diretor de operações da Ecom.

“Há espaço para crescer, para os traders oferecerem serviços. No setor de solúvel, por exemplo, nossos clientes necessitam de lotes que não justificam ter uma fábrica, precisam de alguém que preste o serviço. Isso aconteceu com o solúvel e com o descafeinado é a mesma coisa”, diz Esteve. Com as dificuldades logísticas que o mundo vem enfrentando, ele vê como natural o crescimento das torrefações e do private label nas origens.

Brasil nos holofotes

O futuro do café está no Brasil. Essa foi uma frase repetida várias vezes pelas lideranças globais durante o Coffee Dinner. Eles destacaram a alta produtividade, a sustentabilidade e o empreendedorismo do produtor brasileiro, sempre investindo em vários projetos.

“Tenho viajado pelo Brasil nas últimas décadas e admiro a dignidade que o País deu aos seus produtores, quando comparo um produtor de 30 anos atrás com o de hoje”, diz o CEO da Sucafina.

“Ninguém tem dúvidas de que o futuro do café está no Brasil. Em todos os níveis, da fazenda à parte industrial, os brasileiros são superiores”

TEDDY ESTEVE, DIRETOR DE OPERAÇÕES DA ECOM AGROINDUSTRIAL

Neumann acrescentou: “O Brasil é uma potência na produção de café, o que é um pouco preocupante para o resto do mundo, porque tudo que torna a vida mais difícil para o produtor, trader e torrefador parece jogar a favor do Brasil, incluindo a EUDR (lei antidesmatamento da União Europeia).”

Devido ao know-how que o Brasil tem na produção cafeeira, Neumann costuma provocar os cafeicultores brasileiros, perguntando por que eles não investem na produção de café em outros países. “Eles dizem que não é interessante, porque o mercado é muito regulado, que não há disponibilidade mão-de-obra, financiamento”, conta.

Quando o assunto é o potencial aumento de área cultivada, o Brasil sai na frente. “Nós vemos o café sendo plantado em áreas de pastagens, particularmente o conilon no Espírito Santo e na Bahia”, diz Clarkson. “O país tem uma grande vantagem, e podemos esperar que o Brasil alcance cerca de 50% da produção global em cinco anos. Hoje, tem cerca de 43% da produção”, finaliza.