Opinião

Quais serão as agfintechs vencedoras?

Boa parte das fintechs globais consideram seus modelos de risco de crédito imprecisos, diz a McKinsey. Não é um risco para as agfintechs que escolheram alavancar seus balanços?

As agfintechs cresceram muito no Brasil nos últimos anos, é inegável. De acordo com o Radar AgTech 2022, já tínhamos 1.703 agtechs no ano passado, sendo que 61 delas atuando com crédito, seguro, permuta e análise fundiária.

Se alguém ainda não conhece o termo, vale um rápido glossário. Agfintechs são as startups que desenvolvem produtos financeiros digitais para o agronegócio, tanto no modelo B2B quanto no B2C — neste caso, os produtores rurais. Essas startups conseguem, por meio da tecnologia, entregar soluções financeiras maneira rápida e não burocrática.

Francisco Jardim, fundador da SP Ventures, uma das principais autoridades de investimento em agtechs na América Latina, aposta em três tendências para o futuro: marketplaces, os insumos biológicos e justamente as agfintechs.

O sucesso das rodadas robustas de captação anunciadas por várias agfintechs no ano passado evidenciam o que o Radar AgTech 2022 e o Chico Jardim nos dizem.

Alguns exemplos. A Traive, do capixaba Fabrício Pezente, captou U$$ 10 milhões só em 2022; a Rúmina, ecossistema de soluções digitais para a pecuária, captou R$ 25 milhões numa rodada liderada Barn Investimentos e Indicator Capital; a Agrolend levantou US$ 27 milhões; e a TerraMagna recebeu US$ 40 milhões no início de 2022. Se não bastassem esses exemplos, a Bigtrade trouxe Ricardo Tavares, fundador do Café 3 Corações e Sucos Mais, uma espécie de midas do agro, como sócio.

O interesse dos investidores pelas agfintechs faz sentido. Afinal, a demanda por crédito nas fazendas é gigante: aproximadamente R$ 1 trilhão por ano-safra. Desse total, os bancos financiam aproximadamente R$ 430 bilhões via Plano Safra. O barter, uma jaboticaba brasileira, traz outros R$ 400 bilhões e o restante fica com o mercado de capitais.

Um detalhe: a própria expansão da agropecuária brasileira vai aumentar a demanda por crédito, e os recursos do Plano Safra serão cada vez mais insuficientes para financiar os produtores rurais.

Aqui, começa a provocação deste artigo. Quais agfintechs serão as vencedoras? As agfintechs seguirão qual caminho: core banking ou fee based? Existe um modelo vencedor? Qual o melhor arquétipo?

Fee based

O modelo “fee based” ou “baseado em taxas” refere-se a instituições financeiras que obtêm a maior parte de sua receita por meio da cobrança de taxas e comissões em produtos e serviços financeiros oferecidos aos clientes. Nesse modelo, os clientes pagam tarifas por serviços específicos, como gestão de investimentos, assessoria financeira, corretagem, custódia, meios de pagamento, etc.

O “core banking” ou “banco tradicional” representa o modelo mais tradicional das instituições financeiras, como bancos de varejo. Nesse modelo, a principal fonte de receita é gerada pelas atividades de intermediação financeira, ou seja, pela diferença entre os juros pagos pelos tomadores de empréstimos e os juros pagos aos depositantes.

Trazendo para o mundo das agfitechs, quem trilha o caminho do fee based torna-se um prestador de serviço para gestoras, bancos, revendas e indústrias. É um algoritmo capaz de individualizar o risco de crédito do produtor rural e monitorar o cliente. O caminho é seguido por A de Agro, Bart Digital, Serasa e Traive. Vantagens: estabilidade e diversificação nas receitas, sem exposição ao risco de crédito e menor dependência na variação da taxa de juros.

O mercado de capitais, que deve se tornar o principal financiador do agronegócio brasileiro, será altamente demandante desses serviços. Como as gestoras estão longe das fazendas, as agfintechs terão papel fundamental na individualização do risco de crédito e no monitoramento dos credores, o que permitirá a redução da taxa de juros com a minimização dos riscos.

Core banking

Recentemente, a Agrolend anunciou a emissão de uma LCA. A Terra Magna é cotista subordinada de um Fiagro FIDC gerido pela Milênio. Nesses modelos, os recursos utilizados na captação de equity, ao invés de serem alocados integralmente no desenvolvimento da tecnologia, acabam parte sendo utilizado na alavancagem, fundamental no modelo core banking, tomando risco de crédito. Por outro lado, existem vantagens: maior base de clientes, independência no processo decisório da oferta de crédito e possibilidade de maior fidelização.

Em relatório publicado em dezembro de 2022, a McKinsey avaliou os bancos digitais, e registrou. “Ofertar crédito não é uma tarefa simples, e falhar na avaliação de risco pode impactar fortemente as operações. Esse não é um desafio apenas do modelo brasileiro — pesquisas indicam que a grande maioria das fintechs globais consideram seus modelos de risco de crédito imprecisos na maior parte dos casos”.

Não seria um risco para as agfintechs que estão escolhendo alavancar seus balanços? Me parece um “oceano vermelho”.

Retornos

O ROE (sigla em inglês para Retorno sobre o Patrimônio) das agfintechs que seguirem o modelo fee based será mais alto, pois o modelo de negócio é menos intensivo em capital. Elas podem crescer a receita de maneira mais simples que um banco, que precisa expandir o passivo para gerar um ativo. Essas agfintechs podem crescer muito mais sem precisar ter balanço forte para sustentar o crescimento.

Um negócio de capital intensivo (seja em ativo fixo ou capital de giro) é uma estratégia onde o tamanho do negócio é limitado pela quantidade de capital investido nele. Podem ser indústrias, redes de varejo ou bancos. Para dobrar a carteira de crédito, um banco precisa dobrar o patrimônio líquido, considerando os índices prudenciais de alavancagem. As agfintechs que usam o modelo de negócio core banking são exatamente desse tipo, intensivas em capital.

Para negócios não intensivos em capital, não é preciso dobrar o capital para duplicar o faturamento. Essas companhias podem atender e usar funding de gestoras, revendas ou indústrias, por exemplo. Não precisa usar o próprio balanço da agfintech. Neste caso, o limitador é capital humano e capital intelectual. “A vantagem competitiva das empresas menos intensivas em capital é a propriedade intelectual, recursos humanos ou a posição de mercado”, crava David Einhorn, fundador da Greenlight Capital.

Plataformas

Além do mais, não acredito que as agfintechs se tornarão bancos digitais, assim como NuBank, Inter, C6 e Revolut fizera no varejo bancário. A proposta de valor é diferente. Acredito que as agfintechs serão parte de um jogo de plataforma, que ainda estão dando os primeiros passos. Serão integradas em ecossistemas mais amplos. “Plataform always wins”.

Ao que tudo indica, os consolidadores destas plataformas de soluções digitais serão as indústrias que atuam antes da porteira, as tradings e os bancos. A Orbia, iniciativa da Bayer em sociedade com Yara e Itaú BBA, é o melhor exemplo de quem caminha para construção e orquestração do que chamo de jogo de plataforma.

Se isso é verdade, funding não será o principal diferencial competitivo das agfintechs. Isso virá dos consolidadores (os bancos estarão aqui) e principalmente do mercado de capitais. O Bradesco também percebeu o movimento do mercado e lançou o E-agro.

Só o tempo vai dizer qual o caminho o vencedor. Até onde consigo ver, acredito que as que agfintechs que seguirem o modelo de negócio fee based vencerão.

*Octaciano Neto é diretor de agronegócios da Suno e ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo