Reforma tributária

O imposto seletivo é um risco para o agronegócio?

O açúcar é prejudicial à saúde e deve ser tributado? E a cachaça? O setor sucroenergético está no escuro

A reforma tributária foi, finalmente, aprovada no Congresso. Promulgada em 20 de dezembro do ano passado, a Emenda Constitucional 132 promoveu alterações significativas sobre a tributação do consumo no Brasil – além de alguns jabutis inseridos no texto que modificam o ITCMD, o IPTU e o IPVA e criam contribuições estaduais sobre produtos primários e semielaborados.

Cinco importantes tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) serão gradativamente substituídos por três: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS), que devem estar plenamente vigentes a partir de 2033.

É esperado que os contribuintes já passem a sentir os primeiros efeitos da reforma a partir de 2025, com modificações pontuais em normas de ITCMD e IPTU. Para 2026, espera-se o início da implementação da CBS e do IBS, em doses homeopáticas, que conviverão por alguns anos com os tributos atualmente vigentes sobre a receita bruta das empresas, a circulação de mercadorias, a prestação de serviços e a industrialização de produtos.

Contudo, boa parte das questões mais sensíveis da reforma tributária, tais como a definição da alíquota de referência e os detalhes da nova tributação sobre o consumo, ainda dependem de regulamentação que será conferida por lei complementar.

Tal lei, cuja matéria é mais densa e que demanda quórum de aprovação mais qualificado do que as leis ordinárias, deve ser proposta já em 2024, quando do retorno das atividades do Congresso Nacional, momento em que os trâmites legislativos, bem como as discussões sobre a matéria, terão início.

Imposto seletivo

Um dos pontos mais sensíveis da reforma diz respeito à implementação do IS, um dos três principais novos tributos criados com a promulgação da EC 132. Inserido como inciso VIII no conteúdo do artigo 153 da Constituição Federal, o IS, que traz no nome sua natureza seletiva, será de competência da União e incidirá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.

Como se observa no texto constitucional, o IS, conforme já mencionado, terá em lei complementar suas principais disposições. Ainda pendente de proposição e aprovação, a legislação em questão estabelecerá com maior grau de detalhamento quais produtos, operações e bens e serviços importados serão considerados, pelo legislador infraconstitucional, como prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, ficando, assim, passíveis de incidência da tributação em questão.

Sob o ponto de vista legislativo e jurídico, até aqui nenhuma questão. O que fica no ar, contudo, é a amplitude do rol de produtos, operações e bens e serviços importados que possam vir a ser considerados prejudiciais, tanto à saúde quanto ao meio ambiente. O constituinte derivado optou por deixar uma redação bastante aberta, deixando a cargo dos parlamentares definir quais serão os atos, bens e serviços que estarão sob a incidência da tributação seletiva.

Imposto seletivo é risco para o agro?

Essa amplitude, que não fere as normas constitucionais brasileiras, mas deixa preocupados alguns setores da economia, dentre os quais o agronegócio, é resultado da opção política pela redação mais ampla possível. Em um país em que até o óbvio precisa ser dito e escrito e repleto de exemplos de detalhismo extremo no texto constitucional, a peneira grossa do artigo 153, inciso VIII, chama a atenção e eleva a temperatura nas discussões sobre a lei complementar que irá regulamentar o IS: afinal, o que estará sujeito ao imposto?

Agro deve ficar atento

A primeira questão que vem à cabeça dos pensadores do agronegócio brasileiro diz respeito aos defensivos agrícolas. Vilões cancerígenos para alguns, produtos seguros, regulados e necessários para produção agrícola para outros, os defensivos agrícolas podem, facilmente, tomar o papel do vilão ou do mocinho no filme sobre o setor. Depende de quem assiste ao filme completo – ou só alguns trechos, a depender do humor ou da intenção.

Estudos sérios, amplamente divulgados e facilmente localizados na internet, já atestaram a segurança dos defensivos agrícolas comercializados no Brasil, que passam por um rigoroso processo de validação antes da comercialização e que, após liberados para uso, são constantemente analisados.

Nenhum produtor rural sério e trabalhador quer utilizar química ruim ou proibida em sua plantação, dados os enormes riscos ambientais e de reputação que um efeito adverso causaria em seu negócio. Mas, como política é quase sempre narrativa, são grandes as pressões para tornarem vilões os defensivos agrícolas.

Nesse contexto, esse insumo fundamental para a atividade agrícola poderá ficar sujeito ao IS, sabe-se lá a qual alíquota, o que aumentará os custos de produção e, certamente, impactará o preço dos alimentos ao consumidor final.

Há outros produtos não tão óbvios que também podem ser alcançados pelo IS. O açúcar é prejudicial à saúde e deve ser tributado? E a cachaça? Até o etanol, em algum momento de eventual pressão do lobby dos carros elétricos, pode vir a ser considerado prejudicial em alguma medida. O setor sucroenergético está no escuro.

E a produção de ovos? A gordura e o colesterol fazem bem ou mal para a saúde? E o chocolate, obtido do cacau, como fica? A pesca desequilibra o ecossistema dos mares e dos rios? Até o limão, coitado, pode ser considerado prejudicial para quem tem gastrite. Como fica o tabaco? Neste caso, é óbvio que será tributado.

Aqui são só alguns exemplos, mas pela amplitude da redação do texto constitucional, é enorme o rol de produtos, operações, bens e serviços que possam, por alguma razão específica ou por um viés ideológico, ser considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Por tudo isso, fica claro que a definição do conteúdo da lei complementar que regulamentará o IS é de suma importância para diversos setores da economia, inclusive e, talvez, principalmente, o agronegócio.

Os termos da legislação podem impactar sobremaneira os custos de produção e comercialização e, indiretamente, inviabilizar financeiramente determinadas operações, culturas e negócios no campo em nome de um bem maior que, nem sempre, por força de interesses, política e ideologia, é a melhor e mais segura opção para a sociedade.

Toda a atenção é fundamental para o setor e seus representantes.      

José David é advogado, consultor e conselheiro de agronegócios. Contato: [email protected].