Opinião

Qual o impacto da reforma tributária para o produtor rural?

É bem possível que produtores rurais com receita bruta superior a R$ 3,6 milhões se vejam em um novo cenário de tributação

A reforma tributária do consumo, formalizada na Proposta de Emenda à Constituição 45/2019 (PEC 45), vem aí. Aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a matéria deve ser promulgada em breve. Sob o ponto de vista jurídico-legislativo, cabe ainda aos deputados federais analisar alguns pontos alterados pelos senadores da República, mas é certo que mudanças importantes ocorrerão no sistema tributário nacional.

Em resumo, a PEC 45 propõe substituir cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) por três: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, da União), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, dos Estados, Municípios e Distrito Federal) e o Imposto Seletivo (IS, também da União).

É o modelo do “IVA dual”, comum em economias desenvolvidas. Sua incidência se dará sobre as operações envolvendo bens tangíveis e intangíveis, serviços e direitos, pela sistemática da tributação apenas sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva e comercial. Um modelo interessante, mas que demanda uma análise atenta sobre alguns de seus aspectos.

Especificamente para o agronegócio, o modelo proposto de tributação sobre o consumo pode ser positivo para determinados segmentos do setor, especialmente a agroindústria. Houve redução de 60% da alíquota-base — ainda indefinida — para o setor, além de redução de 100% para produtos da cesta básica e facultatividade de adesão ao novo modelo para produtores pessoas física e jurídica que apurem receita bruta de até R$ 3,6 milhões ao ano.

Houve também vedação expressa à oneração das exportações, o que dá certa segurança para parcela significativa do agronegócio nacional. Para quem produz, contudo, há algumas questões que devem estar no radar.

Uma das decisões mais importantes a serem tomadas pelo produtor diz respeito à forma de exploração da atividade rural, isto é, se na pessoa física ou na pessoa jurídica, mediante abertura de um CNPJ. Em parcela substancial das vezes, essa decisão se pauta em questões de natureza tributária, já que, na maior parte dos casos, explorar a atividade rural na pessoa física é mais vantajoso e barato, sob o enfoque fiscal, do que realizar a mesma atividade debaixo do guarda-chuva de uma empresa.

Produtor rural

O produtor rural que realiza sua atividade na pessoa física está sujeito ao Imposto sobre a Renda (IR), que pode ser apurado pelo Livro-Caixa na declaração de ajuste anual ou via aplicação do percentual de presunção de 20% sobre a receita auferida na atividade rural. Com alíquotas progressivas de IR que podem chegar até, no máximo, 27,5% para as pessoas físicas, quem produz no campo fica sujeito à tributação nesse percentual, caso a apuração se dê via Livro-Caixa (com direito a dedução de despesas), ou a uma alíquota efetiva de aproximadamente 5,5%, quando se trata de cálculo com base no percentual de presunção de 20%.

Como, na exploração da atividade rural pelas pessoas físicas, não há incidência de outros tributos aplicáveis às pessoas jurídicas, tais como Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), fato é que o produtor rural que realiza sua atividade na pessoa física está sujeito, na prática, a uma tributação pelo IR de 5,5% a 27,5%. Talvez haja algum adicional de contribuição previdenciária, a depender das circunstâncias, mas é o IR, majoritariamente, que se mostra devido.

Com a implementação das disposições da PEC 45, é bem possível que produtores rurais com receita bruta anual superior a R$ 3,6 milhões — obrigados, portanto, ao modelo do IVA dual — e que explorem a atividade rural na pessoa física se vejam em um novo cenário de tributação.

Isto porque, quando completado o período de transição do modelo “antigo” para o modelo “novo”, esse produtor rural que antes só recolhia IR agora estará obrigado ao recolhimento desse imposto e, também, da CBS e do IBS, atualmente especulada à alíquota de 27,5% (definição somente na edição da Lei Complementar sobre o tema).

Ainda que haja redução de 60% da alíquota-base, é bem possível que a tributação efetiva desse profissional que explora a atividade rural na pessoa física aumente substancialmente.

A mudança não fica restrita à carga efetiva da tributação, que deve aumentar para esse produtor. É bem possível que os custos com obrigações acessórias e controle da operação também se elevem, já que profissionais de contabilidade e gestão deverão ser demandados. Assim, é possível que haja aumento da tributação e, também, do custo fixo de produção.

Trata-se de uma questão pouco debatida, mas que faz toda a diferença em um país como o Brasil em que quase a totalidade dos produtores rurais explora a atividade na pessoa física, justamente pelos incentivos tributários e pela simplificação do modelo. E mais: caso ocorra a reforma dos tributos sobre a renda, poderá haver aumento, também, do IR para esse público. O céu é o limite em um país com contas públicas sem freio.

Não se nega que a reforma tributária do consumo é um avanço para o Brasil, aproximando-nos das economias mais desenvolvidas do planeta. Também não se discute a necessidade de uma reforma do nosso caótico sistema tributário nacional. Contudo, o que se propõe é mostrar o potencial de elevação de custos, fiscais e de administração, para o produtor rural com o modelo proposto e que, tudo indica, será implementado. Infelizmente, caso haja aumento do custo em questão, este deverá ser repassado ao consumidor final, gerando efeitos em cascata. Acompanhemos os próximos capítulos.

José David é advogado, consultor e conselheiro de agronegócios. Contato: [email protected].