Preços em queda

Por que a soja não reage à quebra de safra? André Pessôa explica

Mercado de soja enfrenta ano de recuperação dos estoques globais, com maior produção na América do Sul, e demanda chinesa "morna", diz sócio da Agroconsult

A atual safra de soja tem uma característica rara: volume e preços em queda. Pelo peso que o Brasil tem no mercado —o País responde por quase 60% do comércio global—, quedas significativas na produção nacional costumam ser acompanhadas por um aumento dos preços na Bolsa de Chicago, principal referência mundial. Desta vez, porém, a quebra da safra brasileira não está fazendo nem cócegas nas cotações, para desespero do produtor.

A explicação para a falta de resposta dos preços à situação dramática de muitas fazendas brasileiras está no balanço global de oferta e demanda de soja. “Estamos em um ano de recuperação dos estoques globais, e uma recuperação expressiva”, disse André Pessôa, um dos nomes mais respeitados quando o assunto é estimativa de safra.

Os estoques globais de soja estão estimados em 114,6 milhões de toneladas ao final desta safra pelo USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), um crescimento de 12% em comparação com a temporada anterior.

“O Brasil está inserido no mercado global. E faz muita diferença olhar para o global”, acrescentou o sócio da Agroconsult nesta quinta-feira durante entrevista coletiva sobre a abertura do Rally da Safra, iniciativa da consultoria que leva técnicos para avaliar lavouras que correspondem a 97% da área de produção de soja.

Só a Argentina, terceiro maior produtor mundial, deve colher 31 milhões de toneladas a mais na atual safra em comparação com a anterior, quando o La Niña derrubou a produção em mais de 40%, segundo Pessôa. Outros vizinhos, como o Paraguai e o Uruguai, também devem elevar a oferta de soja entre 1 milhão e 2 milhões de toneladas cada um.

Colheita de soja em Mato Grosso
Colheita de soja em MT; Ritmo lento de vendas pelo produtor contribui para falta de reação dos preços à menor safra | Crédito: Shutterstock

Isso significa que, mesmo com a redução de 6 milhões de toneladas na produção brasileira, estimada em 153,8 milhões de toneladas pela Agroconsult, a América do Sul ainda vai adicionar cerca de 28 milhões de toneladas de soja ao balanço global. Considerando o potencial da safra brasileira, de 169 milhões de toneladas, a quebra chega a 15 milhões de toneladas.

A demanda não ajuda

A esperança de uma reação nos preços fica ainda mais distante considerando a demanda da China, principal importador. A Agroconsult prevê estabilidade nas importações chinesas de soja neste ano comercial, ou seja, entre outubro de 2023 e setembro de 2024. A rentabilidade da suinocultura chinesa está negativa, restringindo o crescimento da demanda por farelo de soja e, como consequência, prejudicando as margens das esmagadoras, que importam a soja para processamento.

Além disso, ainda tem muita soja para ser vendida pelos agricultores brasileiros, o que reduz a pressão de compra sobre o importador. Cerca de um terço da produção estimada para a safra 2023-24 já foi comercializada pelos produtores, muito abaixo do esperado para essa época do ano (cerca de 50%), disse Pessôa.

“A demanda chinesa está morna e o comprador está frio, gelado esperando só o tempo passar. Porque a passagem do tempo pode ser bastante favorável para ele.”

Pessôa lembrou que os preços dos contratos de soja com vencimento mais longo em Chicago estão ainda menores em comparação com os contratos de vencimento mais próximo.

Um ‘novo normal’ para expansão

A Agroconsult estima que a área plantada com soja na safra atual tenha subido 2,9%, ou em 1,3 milhão de hectares, em comparação com a temporada anterior. Uma parte relevante dessa expansão ocorreu sobre as lavouras de milho, cujo plantio na primeira safra caiu em mais de 10%.

Com a forte migração do milho para a soja —algo entre 400 mil e 500 mil hectares—, a expansão da soja sobre áreas de pastagens ou abertura de novas áreas foi inferior a 1 milhão de hectares, o que não ocorria há anos, destacou Pessôa. Para ele, esse comportamento pode indicar uma mudança no ritmo de expansão de área plantada por diversas razões —ambientais, logísticas ou de mercado.

“O novo normal é a volta ao velho normal”, disse. Entre 2019/20 a 2021/22, as margens do sojicultor estiveram muito acima da média histórica, resultando num crescimento de área acima de 2 milhões de hectares. Com as margens retornando ao “normal” e um caixa mais apertado, ficará mais difícil sustentar investimentos em novas áreas.

Depois de uma possível estabilidade na área plantada na safra 2024/25, o ritmo de expansão deve voltar ao registrado antes do último ciclo de expansão, disse Pessôa. “Vai ser difícil o Brasil crescer mais de 2 milhões de hectares”, afirmou.

Milho safrinha

Para a segunda safra de milho, a estimativa preliminar da Agroconsult aponta para uma redução de área plantada ao redor de 6%, devido à janela mais apertada de plantio após os atrasos na soja, disse André Debastiani, também sócio da consultoria. Além disso, o nível de tecnologia aplicado nas lavouras deve cair em comparação com a safra anterior devido à baixa rentabilidade do milho e um cenário climático mais incerto.