Opinião

A vocação de Goiânia, capital do sertanejo e dos serviços compartilhados

A capital de Goiás tem características únicas: centralidade na produção agrícola, cultura ligada à música sertaneja e mercado imobiliário pujante

Goiânia

Goiás sempre se destacou como berço da música sertaneja brasileira. Diversas duplas consagradas surgiram ou se consolidaram a partir de sua capital. Ao longo das últimas décadas, Goiânia se transformou em um polo de composições, gravações e produções do sertanejo.

A dupla Jorge & Mateus é de Itumbiara, interior de Goiás, mas se consolidou e lançou carreira em Goiânia. Marília Mendonça nasceu em Cristianópolis (GO) e cresceu na capital.

Quase uma centena de duplas teve Goiânia como plataforma de lançamento de suas carreiras: Gustavo Lima, Zé Neto & Cristiano, Henrique & Juliano, Maiara & Maraisa, Guilherme & Santiago, Bruno & Marrone, Zezé Di Camargo & Luciano, Leandro & Leonardo, entre outros.

Esse protagonismo tem origem na formação histórica, cultural e econômica da região. Começou com a expansão da pecuária para o Brasil Central, em um projeto de integração nacional e de avanço da fronteira agrícola na década de 1970.

Com o sucesso do agronegócio nacional, o Centro-Oeste foi a região brasileira que mais cresceu em população na última década, segundo dados do Censo Demográfico 2022. Entre 2017 e 2022, Goiás liderou o ranking nacional de crescimento populacional por migração, perdendo apenas para Santa Catarina.

No faturamento do campo, o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBPA) brasileira deve atingir R$ 1,48 trilhão em 2025, sendo que 40% desse valor virá do “Brasil Central Expandido” (Centro-Oeste mais Matopiba). Nos próximos anos, essa participação deve ultrapassar os 50%, especialmente com o avanço da irrigação nessas regiões.

Na abertura do evento FIVE 2025, organizado recentemente pelo empresário Lucas Sigu, o presidente da Ademi-GO, Fernando Coe Razuk, apresentou números surpreendentes do setor imobiliário local, apontando a cidade de Goiânia como o terceiro maior mercado imobiliário do Brasil. E cravou: “Goiânia é o centro do interior do Brasil. Então, muitos empresários decidem morar aqui, ou trazer para cá suas sedes”.

Marcas internacionais como Gucci, Dolce & Gabbana, Giorgio Armani, Louis Vuitton e Bulgari têm unidades próprias apenas em Goiânia e São Paulo. “Goiânia é a Dallas brasileira”, disse em uma entrevista à Veja Juliano Machado, vice-presidente da RAM para a América do Sul, referindo-se à cidade símbolo da riqueza rural nos Estados Unidos.

A força cultural de Goiânia tem uma nova estrela: a marca de roupas TXC. “É um orgulho para a cidade”, disse o governador Ronaldo Caiado, que está na trincheira da defesa do agro há mais de quatro décadas.

A empresa já fatura mais de R$ 150 milhões por ano. Segundo a empresária Tay Dantas, “a TXC enxergou um traço cultural forte do Brasil, que a moda premium sempre ignorou. Visto por muitos como brega e por outros como indústria vilã, o agro é um dos maiores potenciais financeiros do Brasil. Com uma raiz cultural forte, mesmo assim nunca tinha pisado nas passarelas. O fazendeiro Rubens Inácio está mudando essa história: resolveu transformar o agro brasileiro em algo fashion e mostrar o quanto ele é cool, sexy e rico.”

Goiânia tem características únicas: centralidade no colosso da produção agrícola brasileira (Brasil Central Expandido), cultura profundamente ligada à música sertaneja e mercado imobiliário pujante. Além de sua força econômica e cultural, Goiânia se destaca por sua infraestrutura urbana: conta com hospitais de excelência, como uma unidade do Hospital Albert Einstein, e universidades consolidadas como a UFG e a PUC-GO, que formam profissionais para as cadeias produtivas do agro e da tecnologia.

Em um versátil King Air, empresários rurais radicados em Goiânia chegam em um pouco mais de 1h aos principais polos do agro: Luís Eduardo Magalhães (BA), Sinop (MT), Gurupi (TO) ou Três Lagoas (MS).

Por essas características, Goiânia pode se tornar o principal centro de Centros de Serviços Compartilhados (CSCs) das empresas do agro no Brasil. O CSC é uma estrutura organizacional que centraliza atividades de suporte comuns a diversas áreas de uma empresa, como finanças, recursos humanos, tecnologia da informação e outras funções administrativas. O objetivo é otimizar processos, reduzir custos e melhorar a eficiência operacional.

Na década de 1990, grandes multinacionais como Unilever, Ambev, Siemens e HP começaram a implementar modelos de CSC no Brasil, inspiradas por experiências bem-sucedidas nos Estados Unidos e na Europa. Hoje, existem mais de 200 CSCs consolidados no país, segundo dados recentes da Market Intelligence Application Shared Services (MIA). São mais de 50 mil pessoas atuando nesse setor, que está em franca expansão.

A cidade de Goiânia tem todas as condições para atrair os CSCs de empresas como Bayer, Syngenta, Kepler Weber e Nutrien e grandes fazendas e grupos agrícolas, como a SLC Agrícola e a BrasilAgro. Nesse aspecto, a união dos esforços do Estado com a  prefeitura local pode pavimentar o caminho para a consolidação desse setor na cidade de Goiânia.

O Governo possui um monitoramento do “custo Brasil” no Estado de Goiás, e vem implantando políticas voltadas para a sua redução e a consequente melhoria do ambiente de negócios. Sua lei de liberdade econômica é a mais ampla do país e o Estado é reconhecido pelos excelentes indicadores de segurança pública. Vantagens tributárias também poderiam ser discutidas visando a atração das CSCs e a criação de empregos de alta qualificação. Os efeitos laterais desse movimento seria o número de voos nacionais e internacionais no aeroporto Santa Genoveva, incluindo o transporte aéreo de carga para atender demandas logísticas de empresas locais como a Roche Brasil.

Diversas empresas já buscam instalar seus CSCs fora da capital de São Paulo. A Mosaic, por exemplo, opera em Uberaba (MG). O CSC da Bunge está localizado em Gaspar (SC). O da Raizen está em Piracicaba.

A capital dos goianos abriga diversas empresas do agro, como a Agrex (subsidiária da Mitsubushi Corporation) e Agrogalaxy. O caminho da Piracanjuba, que fez o seu CSC em Goiânia, pode ser o caminho natural de diversas nascidas em Goiás, como Boa Safra, Milhão Ingredientes, São Salvador Alimentos e Jalles Machado.

Goiânia reúne atributos únicos para se tornar a capital da inteligência e da gestão do agro brasileiro: conecta produção, cultura, serviços, moda e pessoas. Não é apenas uma cidade no mapa — é uma plataforma viva para o futuro do Brasil Central.

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Octaciano Neto, colunista de The AgriBiz fundador da Zera.ag. Foi secretário de Agricultura do Espírito Santos no governo Paulo Hartung.

Erik Figueiredo é diretor executivo do Instituto Mauro Borges