Logística

A goFlux quer ser “o Mercado Livre do frete” — inclusive no crédito

Desde o lançamento do FIDC proprietário, startup já distribuiu R$ 250 milhões em crédito

Caminhão levando carga agrícola em uma rodovia

Conhecer a fundo o mercado de frete no Brasil e seus problemas, como informalidade, ineficiência, baixos níveis de governança e até corrupção, foi a motivação de Rodrigo Gonçalves para fundar a goFlux.

Após décadas atuando em logística em empresas como Vale, Algar Agro e EuroChem, ele se juntou em 2017 a Luis Martinez, Pedro Azevedo e Renato Castilho para criar uma plataforma digital que conecta embarcadores e transportadoras.

A ideia é usar a digitalização para solucionar perdas no processo de contratação de fretes. E, com isso, ajudar o Brasil a escoar as supersafras que se avizinham.

“Não dá para uma transportadora deixar um caminhão de R$ 1,2 milhão parado três dias esperando carregar ou descarregar. Perde-se 10% do mês, é inaceitável. Temos de repetir na logística o ganho de produtividade que o campo viveu”, diz Gonçalves.

Perto de completar dez anos, a goFlux atingiu 52 milhões de toneladas e mais de R$ 8,3 bilhões em fretes contratados no app em 2024, em uma média de 15 mil viagens por dia em quase 200 rotas.

A empresa não divulga o faturamento, mas diz que projeta elevá-lo em 130% em 2025 — o volume de contratos já passa de R$ 1 bilhão por mês.

“O Mercado Livre do frete”

A ambição é se consolidar como “o Mercado Livre do frete”. Gonçalves cita o modelo como inspiração — um marketplace com produtos de diversos fornecedores em ambiente virtual fechado, com desestímulos para a externalização das transações.

Na goFlux, os clientes pagam uma assinatura cujo valor oscila conforme o tamanho da operação. São cerca de 50 embarcadores “top tier”, diz Gonçalves — traders de grãos, usinas de açúcar e empresas de biocombustíveis, soft commodities e insumos — e cerca de 4 mil transportadoras.

A concentração da clientela no agro se explica não só pelo peso na economia, mas também pelo modelo de contratação e pelo alto valor relativo do frete. “O agro contrata na modalidade spot. E o custo pode chegar a 70% do valor da carga em uma exportação. Ou seja: se contrata mal, é a diferença entre ganhar dinheiro ou não.”

A tese tem atraído investidores. A goFlux recebeu US$ 8,5 milhões em venture capital, em duas rodadas: uma seed, em 2021, liderada pela SP Ventures, e uma Série A no ano passado da qual participaram a gestora paulistana e as americanas Capria e Reflect — o The Yield Lab Latam e a Rendimento Ventures também são investidores.

Neste momento, a startup está negociando uma extensão dessa Série A para uma captação adicional de US$ 3 milhões até o fim de julho, liderada por um grande player da proteína animal.

Insights de produtividade

A goFlux propõe desatar o nó do frete em três frentes. A primeira é a governança: uma vez dentro de um aplicativo, e não mais na informalidade — e-mails, telefonemas, WhatsApp, fax —, as operações ganham regras claras.

“A plataforma funciona como uma bolsa, com todos os dados no ambiente digital: se o dono da carga está pedindo cotação, se é um leilão aberto ou reverso. Com isso, gera um ambiente de transparência.”

A ideia é evitar problemas como propinas, afirma Gonçalves. “Imagine ser uma transportadora e o diretor de logística de uma empresa diz: favorece a minha carga que te dou R$ 2 por tonelada. Isso acontecia descaradamente no setor inteiro.”

O segundo vetor é o ganho de eficiência viabilizado pelo vasto banco de dados do app. “Consigo saber de onde cada caminhão saiu, para onde vai, com que carga, que dia chega, quem é o motorista e quando vai ficar vazio. Com isso, posso conectar uma carga para ele retornar cheio, melhorando a produtividade da transportadora.”

Segundo o CEO, em 2024 as empresas que operam na goFlux aumentaram em 34% o percentual de viagens carregadas.

A terceira frente é a da inteligência de dados. A iniciativa ganhou nome próprio, goFlux View, uma espécie de consultoria baseada em big data que tem clientes como a Bloomberg.

É onde a mágica da inteligência artificial acontece. “A plataforma permite todo tipo de insight para tomada de decisão. Por exemplo, saber como o preço do frete vai se comportar na safrinha de milho no segundo semestre”, explica Gonçalves.

É também onde entra o componente de sustentabilidade: a goFlux View inclui uma calculadora de neutralização de emissões de carbono.

“Cerca de 14% das emissões no Brasil vêm do transporte. A própria gestão de fretes já reduz a emissão, pois faz os caminhões rodarem vazios menos tempo. E os clientes podem usar a calculadora para outros fins; já tem seguradoras dando cashback às transportadoras pela neutralização do carbono.”

Segundo Gonçalves, a neutralização em 2024 totalizou 1,5 milhão de toneladas de carbono — é o equivalente à emissão anual de uma cidade de 300 mil habitantes.

Antecipação de recebíveis

Em 2022, a startup agregou ao aplicativo uma suíte de gestão financeira. A ideia — mais uma vez, à la Mercado Livre — é estimular os clientes a manter a vida dentro do app. A protagonista dessa vertical é uma ferramenta de antecipação de recebíveis. Seu objetivo é solucionar uma das principais chagas da cadeia de fretes: o fluxo de caixa.

“A embarcadora alarga o prazo do pagamento para até 90 dias, mas a transportadora precisa em dois dias carregar o caminhão, pagar a diária do motorista, o pedágio, abastecer. Esse descasamento é brutal.”

A operação acontece por meio de um FDIC proprietário sob gestão da Opea, e já distribuiu mais de R$ 250 milhões em crédito.

A empresa não divulga qual o patamar do custo das linhas de financiamento, mas diz que graças à fartura de informações sobre as empresas, a avaliação de risco resulta em juros mais baixos.

“A transportadora pode antecipar dinheiro na goFlux no mesmo dia, com um desconto competitivo. A gente conhece profundamente a empresa, temos informações que um banco não tem. E, sem elas, o crédito fica mais caro.”

Segundo ele, a inadimplência não é um problema: “Já tivemos atrasos, mas nunca um default”.

A gestora está em captação para ampliar o patrimônio do FDIC dos atuais R$ 30 milhões para R$ 60 milhões até o fim do ano. Em suas contas, um veículo dessa dimensão permitiria uma carteira de crédito de R$ 700 milhões por ano: “Vamos atender mais transportadoras e com limites maiores”.