O Brasil é uma terra fértil para investimentos, tanto para investidores domésticos quanto estrangeiros. Nossas mazelas históricas abrem excelentes e promissoras oportunidades de alocação de capital em setores que ainda nos colocam no “padrão Índia”, quando pensamos no termo “Belíndia”, cunhado pelo economista Edmar Bacha nos anos 1970, indicando um país de enormes contrastes.
Há o Brasil moderno e pujante, com padrões de desenvolvimento e qualidade de vida comparáveis à Bélgica, e o Brasil carente e miserável, semelhante aos cantos mais pobres do gigante do sul da Ásia. Nessa vastidão de necessidades sociais e oportunidades de investimentos, existem variadas opções para financiamento de obras de infraestrutura, energia renovável e limpa e muitas outras frentes que clamam por capital produtivo.
Uma grande janela de oportunidade para investimentos no Brasil, especialmente por seu gigantismo, condições climáticas, recursos hídrico-minerais e solo fértil, diz respeito às terras agricultáveis, uma fonte histórica de poder e riqueza e meio estratégico para produção de alimentos e garantia da soberania alimentar de um povo.
Por todos esses aspectos, o Brasil sempre esteve no radar dos investidores, especialmente os estrangeiros. Por questões que fogem ao debate aqui pretendido, tais como ideologias, reserva de mercado e soberania nacional, o que se verifica é que a possibilidade de venda de terras para estrangeiros sempre foi um tabu no Brasil.
Um mercado gigantesco, com potenciais ganhos para vendedores, compradores e o país, mas que sempre foi alvo de críticas e ferrenhas discussões. Uma história repleta de idas e vindas que geraram enorme insegurança jurídica ao longo do tempo, a qual em certa medida persiste até hoje.
Insegurança jurídica
Em breve resumo, o Parecer CGU/AGU 01/2008-RVJ, publicado em agosto de 2010 e ainda vigente, considerou que as restrições legais contidas nas Leis 5.709/1971 e 8.629/1993, as quais impedem a aquisição ou arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros, também se aplicam às pessoas jurídicas nacionais com controle detido por não brasileiros.
A emissão desse parecer se deu no contexto da forte expansão chinesa e o seu investimento em terras, especialmente na África, o que assustou o governo brasileiro à época. Esse entendimento divergia completamente dos Pareceres AGU/LA-04/1994 e GQ-181/1998, que consideravam que eventuais restrições não haviam sido recepcionadas pela Constituição Federal vigente e que o impedimento em questão não seria aplicável às empresas brasileiras, ainda que controladas por estrangeiros. Ou seja, desde 2010, por força de um parecer, o mercado de terras para estrangeiros no Brasil foi praticamente fechado.
Como insegurança jurídica e falta de previsibilidade sobre regras espantam investimentos, especialmente os internacionais, a questão da aquisição de terras por estrangeiros ficou em suspenso por um bom tempo.
O tema voltou à discussão por meio da proposição e aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei 2.963/2019, que definiu algumas regras: pessoas jurídicas brasileiras não estarão mais sujeitas a restrições para aquisição de imóveis rurais, desde respeitadas as obrigações de informação aos órgãos competentes e aprovação prévia do Conselho de Defesa Nacional em situações específicas que envolvam fundos soberanos na composição do capital e áreas em determinados biomas brasileiros, dentre outras questões.
O texto agora aguarda análise pela Câmara dos Deputados, com desfecho totalmente aberto em razão de questões políticas, geopolíticas e as fricções entre governo, parlamento e o setor do agronegócio.
Fiagro abre oportunidade
Mais recentemente, com a aprovação das Leis 13.986/2020 e 14.130/2021, houve a flexibilização de alguns procedimentos e a abertura de brechas legalmente permitidas para o retorno do interesse estrangeiro para aquisição de terras brasileiras.
A possibilidade de estruturação de negócios no Brasil através da constituição de fundos específicos, tais como os Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), com outras estruturas no Brasil e no exterior tem possibilitado a aquisição indireta de imóveis rurais no Brasil por grupos e investidores estrangeiros, num modelo totalmente legal, mas que desperta cuidados.
Essa abertura, somada ao amadurecimento do mercado de capitais nacional ao longo dos anos e do crescente interesse pelo agronegócio na Faria Lima e no Leblon, tem novamente gerado oportunidades em terras no Brasil aos investidores estrangeiros que aceitam certa dose de risco.
Nova regra
Um capítulo adicional à novela da aquisição de terras por estrangeiros está prestes a ser escrito: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve publicar, em breve, um novo regulamento para os Fiagros no Brasil, que substitua a regulamentação temporária atualmente vigente (Resolução CVM 39/2021). Nesse novo regulamento, devem ser encaminhadas de forma segura as questões atinentes à composição do patrimônio dos fundos em questão, englobando ativos de natureza imobiliária e creditícia.
Nesse contexto, com maior segurança jurídica conferida pelo regulador do mercado de capitais brasileiro, devem ser destravadas oportunidades de investimentos no setor do agronegócio, inclusive em relação a imóveis rurais e estruturas e operações envolvendo, indiretamente, grupos e investidores estrangeiros.
Sendo a terra, notadamente a agricultável, um dos ativos mais valiosos que existem, e considerando o enorme potencial reprimido de exploração consciente do solo no Brasil, é de se considerar que a conjunção de determinados fatores – alguns postos, como a regulamentação definitiva dos Fiagros, e outros em compasso de espera, como a análise do PL 2.963/2019 pela Câmara dos Deputados – pode destravar enorme valor e potencial para aquisição, direta ou indireta, de imóveis rurais por investidores domésticos e estrangeiros.
Sopesados os prós e contras de cada medida, enxerga-se nesse mercado uma oportunidade interessante de geração de valor para todo o agronegócio nacional. Que o debate franco, respeitoso e intelectualmente honesto seja aberto para esse tópico.