
A crise de liquidez que ameaça a Belagrícola pode levar a rede de revendas agrícolas paranaense a se desfazer da Bela Sementes, um dos ativos mais rentáveis da companhia.
Recentemente, a Belagrícola mandatou a IGC Partners para buscar um comprador para a sementeira, disseram duas fontes ao The AgriBiz. Procuradas pela reportagem, a companhia e a butique de M&A não responderam.
Com duas unidades de beneficiamento de sementes, localizadas em Patos de Minas (MG) e Tamarana (PR), a Bela Sementes costuma entregar uma margem Ebitda de 16% a 18% ao ano, o que é significativamente melhor que as margens costumeiramente apertadas do varejo agrícola — na última safra, aliás, a Belagrícola reportou margens negativas.
Analistas que conhecem a companhia estimam que a sementeira da Belagrícola fature entre R$ 200 milhões e R$ 400 milhões por safra, podendo chegar a mais se a capacidade ociosa for ocupada.
Na última safra, a Bela Sementes comercializou 1,1 milhão de sacos de sementes de soja. O grupo atua com duas marcas de sementes: a própria Bela Sementes e a Vital Seeds (esta última, dedicada ao Cerrado, foi lançada há dois anos).
O estopim da crise
Originalmente, vender a sementeira não era a preferência da Belagrícola, mas a necessidade de equilibrar a estrutura de capital mudou a orientação dos executivos da companhia paranaense para o ativo.
Desde setembro, a situação financeira da Belagrícola se agravou bastante, o que culminou com a decisão da Justiça de atender a companhia e conceder uma cautelar de 60 dias contra a execução de dívidas e a fixação de grãos. A informação sobre a liminar foi antecipada pelos colegas do Agfeed.
O aperto da Belagrícola é um sintoma da crise setorial que devastou players como Agrogalaxy e Lavoro, mas o estopim para os problemas recentes do grupo paranaense tiveram uma origem específica: a UPL.
Há poucas semanas, a gigante indiana de defensivos agrícolas ingressou na Justiça para tentar executar dívidas da Belagrícola. A UPL cobra pelo menos R$ 35 milhões. Em uma outra tentativa de execução, um FIDC que compra recebíveis da UPL ingressou com uma ação para receber R$ 6 milhões.
A situação com a UPL provocou grande apreensão entre os produtores rurais que deixam grãos a precificar nos armazéns da Belagrícola. “Estou bem preocupado, pois muitos dos grãos da minha família estão depositados lá”, disse um produtor à reportagem.
Esse receio provocou uma corrida para precificar os grãos depositados nos armazéns, o que exigiria um montante substancial de caixa para a Belagrícola honrar em um prazo curtíssimo — usualmente, os agricultores deveriam receber em dois dias após pedirem a precificação. Foi nesse cenário que a Belagrícola pediu (e conseguiu) a cautelar.
Um credor relevante da Belagrícola lamentou a situação, especialmente porque a companhia vinha conseguindo prazo com fornecedores e, recentemente, pagou uma amortização de R$ 41,9 milhões de um dos CRAs que possui.
“A UPL é um fornecedor pequeno da Belagrícola. A maior parte dos fornecedores vêm alongando boa parte da dívida”, disse um credor. “Os bancos estão aqui, todo mundo está ok, só que é uma situação de infelicidade, a UPL botou isso na mesa e faz parte da equação”, disse uma fonte. Procurada, a UPL não comentou.
Neste momento, a Belagrícola está em dia com o passivo do mercado de capitais, mas o receio dos investidores provocou uma desvalorização no VGIA11, Fiagro da gestora Valora que possui 8,8% do patrimônio em CRAs da companhia paranaense.
Ontem, as cotas do fundo da Valora caíram mais de 5%. Além da Valora, assets como Capitânia e JGP possuem CRAs da Belagrícola no portfólio, com 2% do CPTR11 alocado nesse ativo e 4% do JGPX11 investido nos CRAs da rede de revendas.
A Bunge vai salvar a lavoura?
No mercado, muitos apostam que só há uma solução para a Belagrícola evitar uma recuperação judicial ou extrajudicial: a conclusão da transação que marcaria a entrada da Bunge no capital.
Um acordo para isso existe desde o início do ano e a Bunge até já fez um empréstimo-ponte à Belagrícola, além de ter conduzido uma due diligence.
No entanto, dúvidas sobre a governança e o tamanho do aporte dos chineses da Pengdu (que controlam a revenda paranaense e permaneceram como sócios) parecem estar travando o desfecho.
Segundo uma das fontes, a Bunge gostaria que os chineses acompanhassem o aporte de capital com US$ 60 milhões, mas a Pengdu teria acenado apenas com US$ 30 milhões.
“Daria para sanar o problema até o ano que vem, considerando que a carteira de atrasados da Belagrícola está em cerca de R$ 1 bilhão”, acrescentou uma fonte.
Nesse cenário, muitos temem que o acordo com a trading vire pó. Para um executivo de mercado, a recente saída de Evandro Monteiro, que era head de M&A da Bunge e migrou para a diretoria financeiro da Sinova, atrapalha. “A Belagrícola ficou sem um interlocutor mais íntimo na Bunge”.
Perder a Bunge seria bastante prejudicial, a começar pelo fato de que o empréstimo-ponte feito pela trading se tornaria uma dívida, e não mais um aporte de capital. Além disso, a Belagrícola deixaria de ter um selo da Bunge, que representa um lastro de confiança.
A interlocutores, os principais executivos da Belagrícola vem reiterando que o acordo com a trading agrícola ainda está de pé. De acordo com uma fonte, uma reunião sobre o assunto entre o CEO da Belagrícola, Alberto Araújo, e representantes da Bunge teria ocorrido ontem, inclusive. (Colaborou Tatiana Freitas)
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Procurada, a Belagrícola não comentou. Após a publicação da reportagem, a companhia enviou uma nota. A íntegra segue abaixo.
“Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro tem enfrentado grandes desafios econômicos e climáticos, como quebras de safra, juros altos, restrições de crédito e inadimplência elevada – a maior da história do setor. Como outras empresas, a Belagrícola tem sido impactada por esses desafios.
Como parte do processo de reorganização financeira, obteve no dia 10 de outubro aprovação da Justiça para um pedido de proteção temporária contra cobranças de credores, por um prazo de até 60 dias. Essa medida jurídica se chama Tutela Cautelar e já foi utilizada de forma bem-sucedida por várias empresas para reorganizar suas finanças enquanto seguem operando.
Neste período de até 60 dias, as filiais seguem operando normalmente com distribuição de produtos e novas vendas, apenas a fixação de grãos ficará suspensa.
Ressaltamos que esta, e qualquer outra medida que venhamos a tomar, será sempre pautada pelos melhores interesses de seus clientes, colaboradores e fornecedores, minimizando ao máximo os impactos desse necessário processo de reorganização. Seu foco é o compromisso que a move nestes 40 anos: preservar a confiança e o atendimento de seus clientes, a força e o comprometimento da sua equipe e a perenidade e solidez da marca”.