Com 770 hectares de área, sendo 230 hectares destinados aos cafezais, a Fazenda Nova Cintra, de Espírito Santo do Pinhal (SP), se tornou a primeira propriedade rural do mundo a conquistar a certificação de agricultura regenerativa recém-lançada pela Rainforest Alliance, organização internacional que trabalha com certificação sustentável no Brasil há mais de 20 anos.
“A Nova Cintra já adotava práticas regenerativas há muito tempo, mas a certificação vem chancelar tudo isso, através de uma tripla verificação: documental, entrevistas e observação em campo dos auditores”, diz Ben-Hur Rosa, coordenador de Certificação Agrícola do Imaflora, responsável pela condução dessa primeira certificação no Brasil.
Segundo Ana Lúcia Barbosa, proprietária da Fazenda Nova Cintra, desde 2011, a propriedade tinha a certificação Rainforest padrão, de agricultura sustentável, e a transição para a agricultura regenerativa foi acontecendo de forma natural.
“Sempre nos preocupamos com o meio ambiente, com reserva legal, com as nascentes. Começamos olhando para a água e daí para o solo foi um passo”, diz a proprietária, sempre na vanguarda da sustentabilidade, assim como seu marido, Fábio Barbosa, hoje na presidência do conselho Natura & Co, e conhecido por ter integrado a sustentabilidade às finanças, quando esteve à frente do Banco Real, comprado pelo Santander em 2007.
O selo regenerativo Rainforest é uma continuidade da certificação padrão e, inicialmente, está disponível só para a cultura do café.
“Para conquistar o novo selo, a propriedade precisa atender os mais de 100 requisitos da norma de agricultura sustentável e 17 novos da norma de agricultura regenerativa”, explica Rosa, do Imaflora.
A forma de medir o progresso de uma fazenda é baseada em cinco áreas de impacto: saúde e fertilidade do solo, resiliência climática, biodiversidade, gestão da água e meios de vida.
“Os mercados precisam ir além da mentalidade de ‘não causar danos’ para adotar uma abordagem reparadora e restauradora. É hora de realizarmos uma transição para um novo modelo de agricultura – em que cada xícara de café devolva mais do que retira da terra e das pessoas que se importam com ela”, diz Santiago Gowland, CEO da Rainforest Alliance.
A transformação da Nova Cintra
Na Nova Cintra, a primeira ação foi recuperar e reflorestar as nascentes, tirar as linhas de café que estavam próximas, não usar insumos químicos nos entornos destes recursos d’água. Isso fez ressurgir a flora, que hoje abriga os apiários da fazenda.
“Começamos a diminuir os produtos químicos na lavoura, entrar com biológicos e fazer o MIP, manejo integrado de pragas e doenças, um monitoramento de pragas nos cafezais, para saber se a incidência causa um dano econômico que justifica a aplicação de defensivos”, explica Ana.
Em caso de infestação de praga, a Rainforest tem uma política de uso excepcional de defensivos, com a lista de produtos autorizados.
“Neste caso, o produtor comunica à Rainforest e precisa justificar agronomicamente porque precisou usar o insumo, se foi por uma questão climática ou alguma situação própria da região”, diz Rosa.
Aumentar a matéria-orgânica e a biodiversidade do solo é um dos requisitos da norma de Agricultura Regenerativa da Rainforest. “Isso não é novidade para muitos produtores, que já trabalham com compostos orgânicos, manutenção de matéria nas entrelinhas do café e redução de herbicidas”, acrescenta o coordenador de Certificação Agrícola do Imaflora.
A Nova Cinta é um exemplo. A propriedade semeia plantas de cobertura nas entrelinhas do cafezal, utiliza compostos orgânicos como adubo na lavoura, multiplica colônias de micro-organismos da floresta nativa e faz uma calda com eles para aplicar no cafezal, prática que melhora a saúde do solo e das plantas, aumentando a fertilidade e a disponibilidade de nutrientes. “Isso repercutiu num aumento do percentual de café de alta qualidade”, diz Ana Barbosa.
O principal indicador do progresso de uma fazenda na transição para a agricultura regenerativa é a atividade biológica do solo, que é medida por meio de análises biológicas.
Pioneiros na certificação em grupo
A Rainforest Alliance certifica fazendas individuais, grupos de fazendas e empresas, membros da cadeia de suprimento.
A consultoria Agrogenius é parceira de longa data da Rainforest, com mais de 300 fazendas certificadas no seu porftólio e foi convidada a ser um “implementador inicial” de um grupo de certificação coletiva.
“Em 2023, eles nos propuseram fazer um projeto piloto em agricultura regenerativa e auxiliá-los a escrever e implementar a norma”, diz o agrônomo Erick Mitidieri, sócio da Agrogenius.
A certificação coletiva é uma forma de driblar o alto custo de implantação, que rendeu à Rainforest a alcunha de “certificação elitista”, que privilegia grandes fazendas com recursos e gestão organizada.
“O custo é proporcional à quantidade de hectares da fazenda. Em grupo, sai – em média – um quarto do valor da certificação individual”, diz Mitidieri. “É uma forma de democratizar. Se não fossem os grupos, os pequenos produtores da Guatemala e Colômbia não se certificariam”, explica. “Mas a Rainforest não é uma certificação inclusiva, como o Certifica Minas. É uma certificação exclusiva, que o mercado valoriza por ser mais exigente”, acrescenta.
Para este trabalho pioneiro, a Agrogenius entrou em contato com as fazendas certificadas pela Rainforest e 13 toparam arcar com o custo de participar deste grupo piloto, que conta com a ajuda de Mitidieri como gestor do grupo, ajudando as propriedades com toda a documentação necessária para se certificar.
Este coletivo de fazendas teve o respaldo da Bourbon Specialty Coffees, uma das maiores exportadoras de cafés especiais do Brasil, que se comprometeu a pagar um prêmio pelo café regenerativo.
“Pagamos o mesmo prêmio por saca de café do Rainforest Agricultura Sustentável, mas ele acumula: pagamos o prêmio pela certificação Rainforest padrão mais o mesmo valor pela certificação regenerativa”, explica Marcelo Viviani, agrônomo responsável pelo setor de Sustentabilidade e Certificações da Bourbon.
Hoje, o Brasil já tem três certificações Rainforest de Agricultura Regenerativa. A Fazenda Nova Cintra foi a primeira certificada na categoria individual, o Grupo da Agrogenius foi o segundo coletivo de fazendas certificado no País, logo após o Grupo da Exportadora Guaxupé.
Com objetivo de promover a resiliência climática e restaurar ecossistemas em paisagens tropicais, a Rainforest Alliance pretende expandir a certificação para outras culturas, como cacau, frutas cítricas e chá, a partir do próximo ano.