OLÍMPIA (SP) — Um dos cinco maiores produtores de açúcar e etanol do Brasil, a francesa Tereos está diante de um desafio nada trivial.
Ao estabelecer a meta de reduzir a pegada de carbono industrial pela metade até 2033, a companhia está revirando toda a operação — da lavoura à logística — em busca de soluções para reduzir as emissões de CO2.
Os objetivos ambiciosos se justificam pela demanda. Mais de 90% do açúcar produzido pela Tereos no Brasil vai para exportação, e a União Europeia é um dos destinos, junto de norte da África, Oriente Médio e sudoeste asiático. Esses clientes estão pressionados a encontrar matérias-primas com pegada de carbono mais baixa.
A maior parte deles — gigantes como Danone e Nestlé —, vale lembrar, possuem as próprias metas de descarbonização, boa parte delas validadas SBTi (Iniciativa para Metas Baseadas na Ciência, da sigla em inglês), que é considerado o padrão-ouro em metodologia de redução das emissões.
Para esses compradores do açúcar brasileiro, será impossível cumprir as próprias metas sem passar a priorizar fornecedores de matéria-prima com pegada de carbono mais baixa.
Isso explica as adaptações em curso na Tereos e as próprias metas da companhia, disse Felipe Mendes, diretor de Sustentabilidade, Novos Negócios e Relações Institucionais.
“Nossos clientes têm até 85% de suas emissões no escopo 3, ligado à matéria-prima. Para atingirem suas metas de descarbonização, eles precisam que os fornecedores reduzam suas pegadas. Por meio da nossa ferramenta auditada, podemos mostrar que nosso produto tem uma pegada menor, contribuindo com o SBTI deles”, resumiu.
Aos poucos, os esforços da Tereos estão trazendo resultados. Segundo Mendes, o programa de redução de emissões no Brasil, que passa pela rastreabilidade de 100% da cana própria e de um terço da cana de terceiros, já gerou 20 contratos adicionais de fornecimento de açúcar, além de mais 80 em discussão.
E com um importante retorno financeiro. “Começam a acontecer prêmios de entre 10 e 20 euros por tonelada para os produtos com menos pegada. Em um mercado de margem baixa, isso pode representar até 3% de ganho”, afirmou o executivo.
O inventário de carbono
Em âmbito global, a Tereos quer diminuir em 20% o consumo de água, além de cortar em 50% as emissões industriais e em 36% as emissões agrícolas.
Na terça-feira, durante um evento para jornalistas realizado nos arredores da usina Cruz Alta, em Olímpia (SP), o diretor de sustentabilidade detalhou o “inventário de carbono” da Tereos no Brasil.
“A gente emite entre 850 mil e 900 mil toneladas de carbono no processamento total da cana, desde o cultivo até a entrega do produto”, afirma.
Na safra passada, foram 20,5 milhões de toneladas de cana moída. Neste ano, a moagem deve ficar perto de 18 milhões de toneladas, sob efeito de queimadas que atingiram 55 mil hectares da empresa no ano passado.
Do total de emissões, quase 500 mil toneladas de carbono são na parte agrícola.
Nessa frente, uma das principais apostas da Tereos é a intensificação no uso de drones, com poluição menor do que a feita por aviões ou tratores.
“Eles permitem uma aplicação de precisão que reduz a quantidade empregada. É uma contribuição relevante para a meta de emissões”, diz Mendes.
A empresa também vem intensificando práticas de agricultura regenerativa, com foco no uso de biofertilizantes e de adubos naturais no lugar de insumos de origem fóssil.
E uma parceria com a holandesa Koppert, que fabrica biológicos no Brasil, permite substituir a importação desses produtos da Europa, onde a matriz energética é menos limpa.
As iniciativas incluíram alterar o manejo para passar a revolver o mínimo possível o solo e promover rotação de culturas, diz José Olavo Bueno Vendramini, superintendente de Excelência Agronômica e Produtores de Cana da Tereos.
“Temos feito rotação com leguminosas, soja, amendoim e crotalária, que promovem uma adubação verde fixando nitrogênio no solo.”
Além disso, desde 2020 a Tereos usa fertilizantes de liberação controlada da ICL que reduziram a dosagem em 40% na comparação com adubos tradicionais. E corretivos no solo, principalmente calcário, por meio de microrganismos.
Também tem uma frente de aplicação de vinhaça, fertilizante natural rico em potássio, enxofre e nitrogênio. “Fomos os primeiros a fazer aplicação localizada. Antigamente, era por aspersão, em alto volume. Nosso projeto permitiu uma aplicação em volume menor, o que também implica em descarbonização”, diz Vendramini.
A empresa mantém um laboratório de solo com constante monitoramento da biota nas lavouras que, segundo o superintendente, tem mostrado evolução de qualidade na matéria orgânica e aumento nos níveis de fósforo.
Também há esforços no sentido de usar biológicos para evitar a resistência nas pragas que o uso de defensivos tradicionais gera, ele explica. Hoje, 100% dos fungicidas usados pela empresa são biológicos.
Etanol e biometano
As outras alavancas de descarbonização da Tereos miram os combustíveis fósseis na logística de transporte da produção.
Por exemplo, eliminar 100% do uso de diesel até 2033, e passar a usar biometano nos caminhões de transporte interno da cana e no transporte da produção, seja etanol ou açúcar, para portos e centros de distribuição.
“Temos uma planta-piloto e algum know-how de como produzir biometano. Estamos dependendo de como vai se desenrolar a Lei do Combustível do Futuro e de quão rápido a gente vai ter caminhões de alta potência no campo”, diz Mendes.
O plano inclui converter tratores e colhedoras para etanol, com 80% menos emissões.
Segundo Mendes, a empresa fez testes na Flórida, nos Estados Unidos, com resultados promissores: pode ser possível eliminar 100 mil toneladas de carbono.
Outra frente em que a Tereos espera se beneficiar é no crescimento da adoção do combustível marítimo limpo — o modal responde por 90% da exportação de açúcar da Tereos.
* O jornalista viajou a convite da Tereos.