
Agricultura regenerativa tornou-se um trending topic no mercado financeiro do agronegócio. Desde o artigo de J.B. Kendrick, “Regenerative agriculture must be profitable”, publicado em 1985, a viabilidade econômica das práticas regenerativas tornou-se vital para as iniciativas de sustentabilidade.
O mercado financeiro ainda engatinha na frente regenerativa, mas o potencial para inovações nos instrumentos de crédito e investimento que viabilizam sua difusão merece ser explorado dada a relevância do tema.
Os primeiros trabalhos acadêmicos da área, publicados na década de 1980, distinguem agricultura regenerativa de produção orgânica, inaugurando um paradigma amplo focado em restauração da fertilidade do solo, combate à degradação e manutenção da rentabilidade da atividade agrícola no longo prazo.
É um conceito que vai além da sustentabilidade: o foco está na restauração, mediante práticas como plantio direto, plantas de cobertura, fixação de carbono no solo, compostagem, agroflorestas e inúmeras outras iniciativas.
Primordialmente definido como “low external input agriculture” em um artigo escrito por C.A. Francis em 1986, e intitulado “The potential for regenerative agriculture in the developing world”, o conceito caiu em desuso por alguns anos, dada a vertiginosa expansão da produtividade agrícola, fomentada pelo desenvolvimento tecnológico protagonizado pelas próprias indústrias de insumos.
A agricultura regenerativa reemergiu como tema central no debate climático travado ao longo da última década. Diante da necessidade de emissões líquidas negativas de CO2 prevista nos cenários do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) para limitar o aquecimento global a 1,5°C, a temática oferece o potencial de sequestrar carbono por meio do solo e da cobertura vegetal.
Além de ser apresentada como caminho para uma agricultura carbono zero, há quem sugira que a adoção de práticas regenerativas em larga escala poderia compensar emissões de outros setores.
Em um artigo recém-publicado na Nature, argumenta-se que apenas 2% das propriedades agrícolas europeias empregam práticas regenerativas, mas os benefícios são diversos para os pioneiros: aumento do carbono armazenado no solo, melhor retenção hídrica e controle de doenças.
Quanto à produtividade agrícola, os resultados são mistos: alguns estudos citados mostram aumento de produtividade (de até 20%), outros revelam reduções (de até 4%).
O que parece claro, todavia, é que ganhos são definitivamente possíveis, mas as aplicações e técnicas devem ser definidas caso a caso. E, mais importante, os frutos são colhidos após alguns anos, com algumas fazendas regenerativas tornando-se 60% mais produtivas e que cultivares tradicionais após 6 a 10 anos.
As vantagens financeiras
Dos efeitos puramente agronômicos desdobram-se as consequências financeiras. Notam-se duas vantagens financeiras imediatas: ganhos de resiliência, oriundos da melhoria da qualidade do solo, incluindo critérios hídricos, que fornecem uma proteção natural contra as consequências das mudanças climáticas (incêndios, por exemplo); e ganhos de produtividade, que se traduzem em dinheiro no bolso do produtor. Sem contar cerejas no bolo, como créditos de carbono.
No artigo “Bridging the Regenerative Agriculture Financing Gap”, Colin Custer e Alex Healey, pesquisadores de Yale, se debruçaram sobre alternativas financeiras para a agricultura regenerativa.
Apesar do crescente interesse em agricultura regenerativa, existe uma lacuna crítica de financiamento estimada entre US$ 200-450 bilhões anuais, com apenas um décimo desse valor sendo atualmente disponibilizado.
E o diagnóstico é sobre a forma, não o conteúdo: os instrumentos financeiros tradicionais não se alinham às características específicas da transição regenerativa, embora haja dinheiro disponível.
O relatório identifica três barreiras principais: modelos financeiros desatualizados com foco excessivo no curto prazo e em rendimentos anuais, quando a agricultura regenerativa requer investimentos de 5 a 10 anos para mostrar resultados; retornos financeiros de difícil mensuração devido à falta de padrões uniformes de avaliação; e diferenças culturais significativas entre investidores financeiros e produtores rurais.
O Brasil, nesse quesito, não só pode, como deve tomar a dianteira da inovação financeira no âmbito da agricultura regenerativa. Temos know-how técnico consolidado, mercado de capitais desenvolvido e urgência climática que demanda soluções imediatas.
A agricultura brasileira já lidera em tecnologia e produtividade, possuindo o ecossistema ideal para desenvolver instrumentos financeiros inovadores que superem as barreiras identificadas.
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Thiago Gil é economista e diretor da Cordiant Capital.