Agricultura regenerativa

Com contas “em pé”, Reg.IA anuncia novos membros e celebra primeira safra

Consórcio de agricultura regenerativa integra InPlanet e Proforest e mira mais 20 fazendas. Pegada de carbono em fazendas participantes é três vezes menor do que a média nacional

Reg.IA celebra primeira safra com novos membros e meta de ampliar atuação

RIO VERDE (GO) – Para o consórcio de agricultura regenerativa Reg.IA, chegou a hora de passar a régua na primeira safra — além de dar as boas-vindas a duas novas empresas.

Os objetivos principais foram atingidos, diz Aline Locks, CEO da Produzindo Certo: estimular os produtores rurais participantes a adotar manejos regenerativos, como plantio direto com cobertura, rotação de culturas, adubação orgânica, mais uso de biológicos e menos pesticidas.

“Criamos um protocolo com respaldo técnico, interesse de mercado e viabilidade para o produtor, e mostramos que produtividade e proteção do meio ambiente podem andar juntas”, ela afirmou durante evento promovido em Rio Verde (GO), na Fazenda Santa Cândida, uma das participantes do Reg.IA (pronuncia-se “régia”).

Mas o programa também encerra seu primeiro percurso com bons números de produtividade — fortalecendo a ideia de uma “sustentabilidade financeira” que tem se mostrado essencial para engajar produtores nesta e em outras iniciativas de agricultura regenerativa.

Na média das 38 fazendas que integraram o projeto no primeiro ano-safra, distribuídas em 20 municípios de cinco Estados, a produtividade da soja ficou em 4 mil quilos por hectare.

É 14% a mais do que a produtividade média da soja no Brasil na safra 2024/25, de 3,5 mil quilos por hectare, segundo o boletim mais recente da Conab (Companhia Brasileira de Abastecimento).

Já no milho, a produtividade ficou em 14,5 mil quilos por hectare, um aumento de 130% sobre a média no País, de 6,3 mil quilos por hectare.

Também colaborou para fazer o programa parar em pé do ponto de vista financeiro o prêmio de até 2% sobre o valor das sacas comercializadas com a Milhão Ingredients, uma das fundadoras da iniciativa.

A produtividade mais que compensou a quebra das metas de volume e área coberta. O parâmetro divulgado inicialmente, de atingir 50 mil hectares, já havia sido reduzido para 36.626 hectares na última parcial, em fevereiro.

Pela menor área plantada, o volume de soja produzida sob o programa, que era estimado em 160 mil toneladas, ficou em 149,1 mil toneladas. E o de milho, projetado em 300 mil toneladas, deve ficar em 240 mil — parte da safrinha ainda não foi colhida.

Boas notícias no carbono

Renata Ferreira, líder de estratégia e novos negócios de carbono na Bayer, detalhou os ganhos na pegada de carbono. “Nossa calculadora considera a quantidade de CO2 equivalente ao longo de todo o ciclo de vida da commodity, do plantio à colheita. A média no Reg.IA foi de 510 kg por hectare, contra uma média nacional de 1.526 kg.”

O saldo positivo é fruto de 4 mil horas de ações técnicas, com 40 mil quilômetros rodados, explica Charton Locks, COO da Produzindo Certo.

“Cada tonelada de soja que uma empresa compra carrega uma pegada de carbono. Se não reduzir na origem, vai ter que compensar comprando créditos. Por isso, originar grãos de baixo carbono é vantajoso para todos.”

Segundo ele, o estoque de carbono no solo ficou em 96 toneladas por hectare na média das dez propriedades do Reg.IA com melhor desempenho, contra uma média nacional de 45 toneladas por hectare.

Charton destacou ainda a decisão do Ministério da Agricultura que reconheceu, em junho, o protocolo de boas práticas da Produzindo Certo. Com isso, os produtores rurais que adotam o guideline da consultoria podem requerer uma redução de 0,5 ponto percentual nas taxas de juro do crédito de custeio do Plano Safra.

Para ele, o Reg.IA acertou ao permitir uma flexibilidade nos níveis de adoção, além da previsão de uma prática adicional por ano.

“Infelizmente não é possível para todas as fazendas adotar de uma vez todas as orientações. O produtor no sertão não pode deixar de ser considerado regenerativo só porque não tem material disponível para adubação orgânica. Daí o cardápio opcional.”

Novas parceiras e metas ambiciosas

Autodefinida como uma agtech “com o pé no barro” focada em ajudar empresas a integrar a sustentabilidade, a Produzindo Certo é a idealizadora do Reg.IA.

O casting inicial do projeto tem ainda Agrivalle, Bayer, BRF, Milhão Ingredients e Gapes, o Grupo Associado de Pesquisas do Sudoeste Goiano, uma associação que reúne 43 produtores na pesquisa e difusão de práticas de manejo sustentável.

O programa aproveitou o balanço da primeira safra para recepcionar dois novos membros.

Um deles é a InPlanet, startup brasileiro-alemã pioneira em gerar créditos de carbono utilizando uma tecnologia chamada Intemperismo Acelerado de Rochas, na qual a reação entre água, CO2 e minerais remove carbono da atmosfera e restaura solos.

O outro é a Proforest, grupo sem fins lucrativos especializado em fomentar a produção e a compra de commodities agrícolas com impactos sociais e ambientais.

E devem chegar mais novos membros em breve, talvez ainda neste mês, diz Aline — os possíveis segmentos de atuação dos futuros integrantes incluem empresas de alimentos, seguradoras e bancos.

“A perspectiva é de trazer mais parceiros que nos tornem mais consistentes. A gente já tem dois novos membros em fase de MOU (memorando de entendimento, na sigla em inglês) que vão ajudar a atrair mais fazendeiros”, ela explica.

Com o time reforçado, a ideia no segundo ano é manter o número de fazendas participantes e integrar mais cerca de 20 novas propriedades.

Locks planeja também “empilhar mais benefícios para o produtor”, incluindo mais prêmios pela produção regenerativa.

Menos custo, menos “remédio”

A Fazenda Santa Cândida, que abrigou o evento do Reg.IA, fica em Rio Verde (GO), a 3,5 horas de carro de Goiânia. É uma cidade média — são cerca de 250 mil habitantes — que está entre os cinco maiores PIBs do agro no Brasil, como sugerem os sinais de prosperidade evidentes logo à entrada, como concessionárias de veículos, atacadistas e hotéis de nível internacional.

Na propriedade, os protocolos foram adotados em alguns talhões dos 1,6 mil hectares — muitos produtores preferiram iniciar com testes em partes de suas fazendas.

“A agricultura tradicional se baseia em botar remédio químico na boca da planta. A regenerativa dá produtividade, com custo menor, e promovendo o carbono orgânico. A gente entrou pensando em custos, mas agora virou o nosso futuro em jogo”, comentou Oliver Ferguson, 22.

Prestes a se formar em agronomia e atualmente em treinamento sucessório para assumir a gestão da fazenda, ele é a terceira geração de uma família que se fixou na região em 1971.

Ferguson se orgulha do histórico de agricultura regenerativa da Santa Cândida — a fazenda foi precursora nas redondezas em praticar o plantio direto, sistema que minimiza o revolvimento do solo, usando a palhada de culturas anteriores como cobertura para evitar erosão e melhorar os atributos biológicos.

“Enquanto a média nacional é de 1,5 kg de carbono por tonelada, aqui é de 333,6 quilos”, celebra.

A experiência da Santa Cândida inspira outros fazendeiros na cidade, ele diz. “Em geral, o produtor aqui quer fazer o feijão com arroz bem-feito. Não tem nada de errado nisso, mas aqueles que tentam algo diferente estão se sobressaindo. E, com a visibilidade, os vizinhos vão se interessando.”

* O repórter viajou a convite da Produzindo Certo.