Mato Grosso

USDA alerta para explosão do desmatamento com fim da moratória da soja

Reclassificação de áreas da Amazônia como Cerrado poderia resultar no desmatamento de 5,5 milhões de hectares em Mato Grosso, que hoje planta 12,7 milhões de hectares com soja

Desmatamento Amazônia

A aprovação de um projeto de lei no Mato Grosso contrário à moratória da soja poderia significar o desmatamento de 5,5 milhões de hectares no estado. A estimativa foi publicada nesta semana pelo USDA, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, em um relatório sobre o acordo firmado para eliminar o desmatamento da cadeia da soja.

Assinado por Samuel Santos, do escritório do USDA em Brasília, o relatório não detalha como essa projeção foi calculada. Mas acende o sinal amarelo sobre os efeitos que o fim do acordo, criado em 2006 com o objetivo de eliminar o desmatamento da cadeia de produção da soja, pode ter na atividade.

Para se ter uma ideia do tamanho do impacto, a área plantada com soja hoje em Mato Grosso é de 12,7 milhões de hectares, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

Dos 47,3 milhões de hectares de soja no Brasil, quase 8 milhões de hectares estão no Bioma Amazônia, segundo o USDA. Desses, 5,1 milhões de hectares estão no Mato Grosso.

Histórico

A moratória é um acordo voluntário, sem força de lei, entre mais de 40 empresas e associações para impedir a compra de soja de fazendas que tenham desmatado áreas da Amazônia legal após 22 de julho de 2008.

Segundo os organizadores da moratória, a regra não impediu o desenvolvimento da sojicultura, mas mitigou seu avanço sobre novos desmatamentos. Para os grupos contrários, o pacto restringe o crescimento econômico na região amazônica e confronta a legislação ambiental do País.

A partir de 2012, o pacto passou a conviver com o Código Florestal. Instituída pela Lei 12.651/2012, a legislação fixou a reserva legal em cada bioma: 80% em áreas de floresta (incluindo Amazônia), 35% no Cerrado e 20% em áreas de transição vegetativa e outras regiões.

Recentemente, um projeto de lei no Mato Grosso causou polêmica ao propor uma nova base de dados para a classificação do tipo de vegetação nas propriedades no processo de emissão do Cadastro Ambiental Rural.

Na prática, o projeto de lei complementar 18/2024 propõe a reclassificação de áreas da Amazônia como Cerrado, reduzindo de 80% para 35% a preservação de vegetação nativa amazônica. Para o USDA, tal medida pode levar a um aumento significativo no desmatamento e a uma expansão de lavouras de soja.

O projeto de lei foi apresentado em dezembro e aprovado em janeiro, mas acabou sendo vetado pelo Executivo, em fevereiro, diante das críticas de organizações de defesa do meio ambiente. Em março, contudo, a Frente Parlamentar da Agropecuária sugeriu uma alternativa de efeito similar, que ainda não foi apreciada pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso.

“Se a nova lei entrar em vigor, estima-se que o Mato Grosso vai vivenciar o desmatamento de aproximadamente 5,5 milhões de hectares”, diz o adido do USDA em relatório.

Essa não foi a única medida recente dos deputados estaduais contra a moratória. Em outubro do ano passado, eles passaram outra lei (12.709/24) propondo restringir incentivos fiscais e concessões de terras públicas para companhias signatárias do acordo.

Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a lei citando preocupações com o livre comércio. Entretanto, em nova decisão sobre o caso, em abril, o ministro Flávio Dino restabeleceu a norma. Segundo ele, a moratória não tem força vinculante sobre o poder público, e nasceu quando não havia marcos legais precisos e seguros. Para ele, o instrumento “trouxe inequívocos benefícios”, mas não é imune a uma repactuação.

Na contramão

Muitos players no Brasil continuam apoiando a moratória da soja, que acaba atendendo a exigências de sustentabilidade dos mercados internacionais.

A União Europeia, por exemplo, tem uma lei que proíbe a importação de produtos ligados ao desmatamento. A legislação propulsionou a adoção de medidas de proteção no País nas últimas décadas, e “torna mais difícil para o Brasil justificar o fim da moratória sem correr riscos de restrições de comércio”, diz o USDA.

Segundo o relatório, mesmo assim “é de se esperar para antes de 2026 negociações para introduzir mais flexibilidade no acordo”.

O alerta vem em um momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de visitar a França para tentar convencer o líder francês, Emmanuel Macron, a acelerar a conclusão do acordo entre União Europeia e Mercosul, após mais de 25 anos de negociações que incluem diversos compromissos ambientais.

Em entrevista à imprensa brasileira, Macron condicionou a aprovação do acordo à adoção, por parte do agro do Brasil, das mesmas regras sobre meio ambiente e agricultura aplicáveis aos produtores franceses.

Em seu perfil no LinkedIn, o presidente-executivo da Abiove, Andre Nassar, comentou a fala do presidente francês: “O Brasil deveria aceitar a oferta e seguir em frente com as cláusulas-espelho tendo em vista a assinatura do acordo. Esse movimento faria os países europeus finalmente reconhecerem formalmente nosso Código Florestal”.