Opinião

O imprevisível não é desculpa: é preciso orçamento para desastres naturais

Tanto na esfera pública, como no mundo corporativo, já passou da hora de repensar a parcela do orçamento destinada aos efeitos das mudanças climáticas

Vista aérea de alagamento na região metropolitana de Porto Alegre (RS) | Crédito: Lauro Alves/Secom

Embora este seja um artigo sobre finanças, é fundamental destacar que o desastre causado pelas chuvas no Rio Grande do Sul vai muito além do prejuízo econômico. A compreensão do ocorrido e das medidas que podem (devem) ser tomadas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas é, entretanto, parte de uma abordagem holística que envolve, também, aspectos socioeconômicos, financeiros e políticos.

Quando participantes do mercado financeiro reportam, em pânico, expectativas de queda na rentabilidade de empresas de proteína animal, maior estresse de crédito para financiadores da região Sul, dificuldades no ciclo de conversão de caixa de provedores logísticos, milhões de toneladas de grãos sendo perdidas nas fazendas, entre outros episódios, a alegoria do “evento climático extremamente improvável” acaba sendo ventilada pelas instituições afetadas pelo desastre. Este é, inclusive, um argumento muito utilizado pelo setor público para justificar a inação prévia aos acontecimentos.

No entanto, em um cenário de mudanças climáticas irreversíveis, subestimar eventuais dispêndios para se proteger contra o que se acredita – erroneamente – ser extremamente improvável, apostando numa noção equivocada de probabilidade, pode custar muito caro do ponto de vista social e econômico.

Minha contribuição neste aspecto é que estamos em mares nunca dantes navegados no âmbito climático. Em outras palavras, não há track record estatístico para o que estamos vivendo.

Justificar as perdas com o argumento do extremamente improvável já não é mais uma alternativa.

Os gráficos abaixo ilustram bem o viés cognitivo em questão. São histogramas com os dados do Instituto Nacional de Meteorologia descrevendo a precipitação diária em Porto Alegre de 2010 a 2024. Destaco nos gráficos os percentis 95 e 99, que marcam os 5% e 1% dos casos mais extremos de chuvas: 25 mm e 58 mm diários, respectivamente, quando analisamos todos os meses, e 23 mm e 66 mm, respectivamente, quando cobrimos apenas o trimestre de abril a junho.

Somente no dia 02/05/2024, a estação meteorológica de Porto Alegre marcou 108 mm. Ou seja, quase o dobro do que teria ocorrido se levássemos em consideração a marca dos 1% piores casos desde 2010. Um clássico exemplo de evento extremo cujas consequências fazem um value-at-risk de uma instituição financeira perder o sentido.

Alguém que se deparasse com estes gráficos uma semana antes da tragédia poderia ser influenciado a imaginar que chover 108 mm em um único dia fosse algo quase impossível. Pois bem, trata-se de um viés de confirmação que não cabe mais na presente realidade. Estamos em um sistema bastante instável, em que o passado já não serve mais como métrica. Se essa noção não for incorporada pela gestão pública e pelas políticas de gestão de riscos das empresas, os efeitos danosos só tendem a aumentar com o passar dos anos.

Em dezembro de 2023, o Banco Central Europeu divulgou, pelo seu Systemic Risk Board, um documento denominado Towards Macroprudential Framework for Managing Climate Risk. Este relatório propões três quadros metodológicos para lidar com riscos climáticos no sistema financeiro, incluindo uma extensa lista de indicadores que medem vulnerabilidade financeira a eventos climáticos, um rol de opções de políticas climáticas macro prudenciais, e, finalmente, uma exploração de riscos gerais causados diretamente pela degradação natural.

O documento acima é um indicativo de que mudanças regulatórias passarão a considerar cada vez mais os riscos climáticos, o que traz consequências diretas para os ambientes de negócios, disponibilidade e custo de crédito. Embora esta seja uma discussão mais palatável no continente europeu, num país como o Brasil, marcado pela desigualdade social e tendo que conciliar assistência aos afetados por desastres naturais e ajustes fiscais, o tema ainda é bastante obscuro.

A mensagem final é que redundância, duplicidade e cautela são, em determinadas circunstâncias, superiores ao lean and mean. Em gestão de riscos, às vezes não há espaço para segundas chances quando eventos extremos catastróficos têm sua probabilidade de ocorrência subestimada por vieses cognitivos. Tanto na esfera pública, como no mundo corporativo, já passou da hora de repensar a parcela do orçamento que é destinada aos efeitos das mudanças climáticas.