Opinião

Carbono no agro: Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

Podemos contar nos dedos os projetos de geração de créditos de carbono relacionados diretamente a áreas agrícolas no Brasil, escreve Guilherme Raucci

Fiquei muito honrado com o convite do The Agribiz para escrever uma coluna mensal sobre carbono! Afinal, são quase 15 anos trabalhando diretamente com esse tema em diversas frentes.

Já abri trincheiras (literalmente) para pesquisar carbono no solo, participei de estudos de pegada de carbono para diferentes produtos agrícolas e, recentemente, tenho me dedicado a compreender o potencial de novas tecnologias para a valorização de serviços ambientais e o desenvolvimento dessa agenda no contexto de uma grande empresa do Agro.

Sei que escrever sobre um tema tão amplo também será um desafio. São muitos os ângulos possíveis quando falamos de carbono, de metodologias à regulamentação, mercado regulado e voluntário, passando estratégias corporativas e comunicação e, claro, tecnologias, startups e inovação.

“Podemos contar nos dedos os projetos de geração de créditos relacionados diretamente a áreas agrícolas no Brasil” | Crédito: Shutterstock

Para ilustrar, um mapeamento recente da puro.earth identificou 22 categoriais diferentes de atuação possíveis para empresas no mercado voluntário de carbono. São pelo menos 22 maneiras diferentes de olhar esse tema.

Além disso, participo de discussões sobre o tema quase que semanalmente, principalmente em eventos com produtores rurais. Essa experiência tem me ajudado a adquirir uma boa visão sobre as principais dúvidas, críticas e questionamentos em relação a essa agenda tão relevante para o Agronegócio.

Precisamos ainda investir muito em capacitação para que o desenvolvimento de ações de alto impacto aconteça mais rápido e em maior escala. Vejo dúvidas e confusões sobre conceitos básicos, e uma expectativa muito grande com o possível ganho com a comercialização créditos de carbono.

O setor Agro focou demais as atenções para a oportunidade dos créditos de carbono como uma “safra” adicional para o produtor e deixou em segundo plano a discussão sobre diversas outras maneiras de se enxergar o tema.

Em primeiro lugar, o carbono (para ser mais correto, a intensidade de emissões de gases de efeito estufa) já é visto como uma métrica de eficiência e desempenho ambiental de uma operação, e de fato está sendo cada vez mais considerado como indicador chave para o acesso a crédito e investimentos. Em breve, poderá se tornar um critério obrigatório.

Produtores e empresas do Agro que ainda não começaram a desenvolver esse tema internamente já estão atrasados.

Em segundo lugar, cada vez mais empresas da cadeia de alimentos estão se comprometendo em reduzir suas emissões através da compra de matérias-primas de baixo carbono (as conhecidas emissões de Escopo 3). Nesses casos, o interesse vai além do carbono em si, está no conjunto de atributos — rastreabilidade, cumprimento de critérios socioambientais e produtos oriundos de áreas livres de desmatamento.

Na minha opinião, essa é a oportunidade de mais curto prazo e com maiores possibilidades de ajudar a acelerar a adoção de práticas regenerativas e de baixa emissão no campo. Se será oferecido um premium no valor das commodities ou se os incentivos serão repassados de outra maneira ainda está em aberto, mas já vemos exemplos no mercado com esse tipo de estratégia e valorização direta desses produtos.

E, por fim, os créditos de carbono.

O fato é que hoje podemos contar nos dedos os projetos de geração de créditos relacionados diretamente a áreas agrícolas no Brasil, especificamente aqueles com foco em práticas de baixa emissão e sequestro de carbono no solo (aqui não estamos falando de projetos de desmatamento evitado e restauração florestal).

Entendo a frustração dos produtores. Afinal, somos referência mundial na adoção de sistemas produtivos de baixa emissão e com evidências suficientes de que tais práticas resultam em sequestro de carbono no solo. Em situações em que tais práticas ainda não são adotadas, poderíamos desenvolver projetos de créditos atendendo às demandas por adicionalidade.

Porém, transformar tais benefícios em um ativo com valor econômico para ser comercializado no mercado voluntário é atualmente um processo complexo, de custo elevado e com alto nível de incerteza envolvido. Envolve um debate longo e difícil de navegar sobre metodologias, critérios de qualidade dos projetos, tecnologias mais adequadas para quantificação de carbono e modelos de negócios que fechem a conta.

Além disso, novas restrições para o uso de créditos de carbono como única maneira para a descarbonização já estão em andamento. Exemplo disso são as recentes diretrizes do Voluntary Carbon Markets Integrity Initiative (VCMI), que estabelecem padrões de qualidade para o uso dos créditos em declarações de neutralidade de produtos e processos. Em resposta, muitas empresas já declararam que vão parar de usar os termos “carbono neutro” e passarão a direcionar seus esforços em medidas de redução na própria operação.

Falar sobre carbono é isso. Tudo em todo lugar ao mesmo tempo.

Nesta coluna, farei o meu melhor para aprofundar cada um desses tópicos e trazer as discussões mais atuais e relevantes para o nosso setor. Também faço questão de escutar quais são as dúvidas, inquietações, críticas e temas que vocês gostariam de conhecer melhor. Minhas informações de contato estão logo abaixo.

Até breve!

Guilherme Raucci é especialista em carbono e transformação digital na agricultura e gerente de Sustentabilidade para a América Latina na Syngenta. Contato: [email protected]