Biocombustíveis

A rota (e os obstáculos) para o Brasil levar etanol para a aviação

Para Francis Queen, da Raízen, Brasil está na frente do jogo, mas subsídios americanos têm potencial para mudar a corrida

Ribeirão Preto (SP) — A uma plateia de donos de usinas, Marcelo Marangon, presidente do Citi no Brasil, traz os números na ponta da língua. Para a aviação chegar à neutralidade de carbono em 2050, precisará de 449 bilhões de litros de combustível sustentável por ano, um crescimento extraordinário para um negócio que ainda não passa de 300 milhões de litros.

Para atender às necessidades, o etanol de cana pode ser uma solução, o que poderia fazer da indústria sucroalcooleira nacional uma potência no suprimento global. Até 2030, cerca de 20 bilhões de litros devem ser demandados para cumprir os mandatos europeus e americanos (cerca de 5% de mistura de combustível de aviação sustentável no fóssil).

“É uma oportunidade que o Brasil não pode perder”, diz o presidente do Citi, que reuniu ontem à noite um seleto grupo de empresários do setor para debater as oportunidades do SAF (sigla pela qual o combustível sustentável de aviação é conhecido), no XVII Encontro Anual de Açúcar e Álcool promovido pelo banco americano.

Avião da Latam
Até 2030, cerca de 20 bilhões de litros de SAF serão necessários para cumprir mandatos de mistura da Europa e dos Estados Unidos

Para agarrar a oportunidade, o país vai precisar de muita estratégia. Se não a tiver, o potencial do etanol de cana para abastecer a aviação pode ser desperdiçado, perdendo a dianteira para alternativas que hoje estão mais atrasadas, mas contam com pesados subsídios para ganhar o jogo.

Num painel com a presença de executivos da companhia aérea Latam e da fabricante de aviões Embraer, o vice-presidente de etanol, açúcar e bioenergia da Raízen, Francis Queen, fez coro às perspectivas promissoras, mas alertou sobre os desafios competitivos pela frente.

Nos Estados Unidos, a LanzaJet deve inaugurar na Geórgia a primeira fábrica para a produção de SAF a partir do etanol até o fim deste ano, o que tem tudo para colocar o biocombustível de vez no jogo da aviação.

Usinas se posicionam

Até hoje, a esmagadora maioria do SAF usado no mundo é feita a partir de gorduras (óleo de cozinha usado, sebo bovino e óleos vegetais como o oriundo de soja), mas essa tecnologia terá dificuldade para escalar, abrindo uma avenida para o etanol, diz Queen.

Na Europa, a preferência dos reguladores é pela produção de SAF a partir de resíduos, para evitar a competição entre energia e alimentos. Por causa disso, a produção deve ficar limitada. “Mas você não vai ter muito mais óleo de cozinha”, diz. O etanol de segunda geração, feito a partir de bagaço, atende às preocupações regulatórias. 

Não à toa, a Raízen já fechou acordos de longo prazo — com prêmio — para vender o etanol de segunda geração (E2G) de usinas que ainda estão em fase de construção ou projeto. Ontem, aliás, a companhia iniciou as operações de sua segunda usina de E2G, em Guariba (SP). É a maior usina do gênero no mundo e, somada à unidade Costa Pinto, a Raízen pode produzir 114 milhões de litros.

A Raízen foi também a primeira companhia do mundo a obter a certificação do etanol para uso na fabricação de combustível de aviação, o que já coloca a companhia em condições de exportar para a futura fábrica da LanzaJet (no caso dos americanos, o etanol de cana de primeira geração é aceito). A Zilor, outro grupo sucroalcooleiro brasileiro, também obteve a certificação recentemente e está se preparando para a corrida do SAF.

Diante das limitações de suprimento dos óleos vegetais embutidas na regulação europeia, o etanol de cana do Brasil deve ser uma das matérias-primas fundamentais para o SAF pelo menos no curto prazo. “Estamos na frente do jogo”, diz Queen.

EUA correm atrás

Mas o governo dos Estados Unidos, um mercado gigantesco para o SAF, quer colocar o etanol de milho americano no jogo. Atualmente, o biocombustível produzido nos EUA possui uma pegada de carbono muito maior que a do etanol de milho brasileiro porque usa combustíveis fósseis (gás natural e carvão) para rodar as fábricas.

No entanto, os subsídios bilionários criam incentivos para que as usinas americanas avancem com a injeção de carbono no solo, o que tem potencial para reduzir substancialmente a pegada de carbono do etanol de milho americano, tornando o produto competitivo do ponto de vista ambiental.

Para o vice-presidente da Raízen, o Brasil é o lugar mais competitivo do mundo não só para a produção de etanol, mas também para a instalação de fábricas de SAF. Para produzir um litro de combustível avançado de aviação, é necessário algo como 1,8 litro de etanol.

Do ponto de vista logístico, seria mais econômico já exportar o SAF, sem contar os benefícios da matriz energética brasileira, mais limpa que a americana. Segundo Queen, há conversas para que algumas fabricantes de SAF se instalem em território nacional.

Mas o risco é demorar a agir e perder o bonde. Os americanos estão se mexendo.

*O jornalista viajou a convite do Citi