Comércio Exterior

A lei antidesmatamento da UE está em xeque: a ficha começou a cair

A quatro meses para a lei antidesmatamento da União Europeia entrar em vigor, autoridades do bloco falam em nova postergação ou alteração da legislação

Lei antidesmatamento da UE (EUDR) está em xeque

O tabuleiro de xadrez da geopolítica mundial não é para amadores. Tudo pode mudar a qualquer hora, inclusive a tão aclamada EUDR, lei antidesmatamento da União Europeia (UE), que — se não for adiada novamente — passa a valer a partir de dezembro de 2025, proibindo a entrada no continente europeu de produtos agrícolas com origem em áreas desmatadas a partir de dezembro de 2020.

Aprovada pela União Europeia em 2023, no contexto do Green Deal (Pacto Verde) Europeu, que visa tornar o continente neutro em emissões de Gases do Efeito Estufa até 2050, a EUDR tem o objetivo de enfrentar o desmatamento global e incentivar as práticas sustentáveis no uso do solo e das florestas.

“Da forma como foi proposta, ela é muito custosa e burocrática e vai causar impacto aos importadores e consumidores europeus”, diz Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone. “E não, necessariamente, a União Europeia vai conseguir controlar o desmatamento nas cadeias produtivas.”

Aos poucos, a ficha está caindo para os europeus. As últimas eleições reconfiguraram o Parlamento Europeu e o Green Deal ganhou mais uma palavra. Passou a se chamar Industrial Green Deal (Pacto Verde Industrial), com foco em competitividade.

“Chegamos a um novo ciclo político de cinco anos e houve uma grande mudança. Passamos de uma ambição verde para um realismo econômico muito maior. Adeus, Green Deal, olá bússola competitiva”, disse Eileen Gordon, da Federação de Café Europeia (ECF, na sigla em inglês) durante o 10º Coffee Dinner&Summit, evento realizado pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), em Campinas, no mês passado.

“Percebemos que, se não diminuíssemos a carga administrativa com todos estes requisitos loucos [da EUDR], não seríamos competitivos, não conseguiríamos sobreviver. E nossa indústria faz parte da coluna vertebral da economia”, acrescentou, lembrando que a Federação de Café Europeia representa 90% do café importado e processado na União Europeia, o equivalente a 45 milhões de sacas, sendo o Brasil responsável pelo envio de 44% deste volume.

“Houve eleições e grandes mudanças na política e na visão da comunidade europeia. O comitê do Parlamento Europeu, que discute como a EUDR vai ser implementada, está com pessoas diferentes, de partidos diferentes daqueles que colocaram a EUDR em vigor. A visão agora é baseada em competitividade”, disse Hannelore Beerlandt, da Organização Internacional do Café (OIC), no mesmo evento.

Segundo ela, até agora tudo o que foi proposto sobre a implementação foi rejeitado. “Está um caos, houve cortes orçamentários enormes por motivos econômicos, mas também devido a investimentos em defesa”, complementou.

Simplificação é a palavra da vez

Enfrentar o desmatamento global e incentivar as práticas que regeneram o solo e as florestas é um denominador comum aos 27 países membros da União Europeia. No entanto, ao se aproximar o momento de implementar a EUDR, os europeus chegaram à conclusão de que criaram regras complicadas e de alto custo que comprometem sua competitividade.

“A palavra-chave é simplificar os requisitos da Due Diligence. Há dois meses, diria que não iria acontecer nada. Mas nos últimos dias, as coisas mudaram na Europa. O Conselho e Parlamento Europeu começaram a levar a sério a simplificação. No último mês, 18 dos 27 estados membros escreveram uma carta ao conselho dizendo: ‘Nós queremos a simplificação da EUDR’”, comentou Eileen.

Um dos principais desafios da EUDR é a Due Diligence, lei da Devida Diligência, que obriga os importadores das commodities afetadas (soja, café, óleo de palma, madeira, carne bovina, cacau e borracha) a provar que esses produtos não vieram de áreas desmatadas.

“A lei diz que o importador tem que preencher o ‘sistema de informação’ com declarações que permitam às autoridades avaliar se houve desmatamento em algum talhão da propriedade, mas não define como fazer. Só diz que é preciso preencher de acordo com o risco determinado para aquele país”, explica Lima, do Agroicone. E, pior, cabe ao importador gerir o risco de desmatamento, quando há algum potencial risco na origem.

Riscos

A Europa classificou os países em risco baixo, médio e alto. O Brasil foi enquadrado na categoria de risco médio, o que impõe desafios de acesso aos mercados, e tem levado entidades, como o Cecafé, a pleitear a regionalização do risco, já que o Brasil é um país continental com quase o tamanho da Europa.

Para Hannelore, o Brasil tem uma posição avançada, excelente governança, uma legislação que é aplicada e dados dessa regulamentação. “Vocês têm tudo para ser o melhor aluno da sala, mas estabeleceram que vocês são risco médio. Não faz sentido. Talvez, devessem se comunicar mais”, acrescentou.

Holger Preibisch, da Associação Alemã do Café, ilustrou bem as dificuldades impostas ao setor cafeeiro pela EUDR. “Por enquanto, a Due Diligence precisa ser feita em cada etapa. Quando o café é importado por uma torrefação, precisa da declaração. Quando vai da torrefação para a padaria, precisa de outra. E todo mundo leva a sério porque a multa é altíssima, 4% do faturamento”, explicou.

“Precisamos acabar com isso, precisamos de uma declaração única”, frisou, lembrando da luta de 18 meses da Federação Europeia do Café e da Associação Alemã do Café para as amostras de café, que chegam anualmente na Europa, não passarem pelas mesmas regras. “Por ano, só a Alemanha recebe 20 mil amostras de café e há poucas semanas recebemos a confirmação de que as amostras de café não terão que passar pelas regras de devida diligência”, explicou.

Opiniões divididas

Não há consenso com relação ao futuro da EUDR. Porta-vozes de diversos setores reclamam de falta de clareza de como as declarações de devida diligência serão avaliadas pelas autoridades competentes. Há quem aposte que a lei será novamente prorrogada.

Inclusive, a Mondelez solicitou o adiamento de 12 meses da EUDR, alegando que a indústria de chocolate enfrenta preços recordes de cacau e problemas na oferta e que a implementação poderia trazer ainda mais dificuldades.

Mas há quem acredite na implementação, até como resposta à COP-30 e às empresas de diversos setores que investiram pesado para adaptar-se à lei.

Neste cenário, surge a necessidade da harmonização da EUDR. No entanto, harmonizar a interpretação da lei de 27 países parece missão impossível. Por isso, o setor cafeeiro já fala em começar um movimento pensando na revisão da EUDR, que a Comissão Europeia tem a obrigação de fazer a cada cinco anos.

“Nós, da ECF, estamos incentivando nossos membros a manter-se em conformidade, porque há muitos boatos, mas nenhuma certeza. Acreditamos que terá alguma implementação até o fim do ano e teremos que lidar com desafios complexos”, disse Eillen, que elencou os principais.

Um deles é a geolocalização, que, embora não seja um problema para o Brasil, é para países da África, como a Etiópia. Ela também citou a rastreabilidade, que vai além de saber de onde vem o café, mas como comprovar e documentar esta rastreabilidade, e a due diligence, que consiste em comprovar para as autoridades competentes que os importadores estão em conformidade legal com a legislação do país de origem.

A “conformidade legal”, no entanto, não respeita o Código Florestal brasileiro, uma vez que não permite, em hipótese alguma, o desmatamento — mesmo em casos de desmatamento legal, quando a propriedade rural tem área de floresta preservada maior do que a legislação pede. O jeito é esperar as cenas dos próximos capítulos, sabendo que, na política, tudo pode acontecer.