Entre abril e maio, o Rio Grande do Sul viveu a maior crise humanitária de sua história. A maior enchente já registrada atingiu em cheio o Vale do Taquari, que transbordou, levando consigo tudo o que estava pela frente.
O problema ainda está longe de ser resolvido. É arriscado traçar prazos para a resolução do problema, especialmente considerando que os recursos e meios necessários para a recuperação ainda são incertos e lentos.
De acordo com a Defesa Civil e a Marinha, foram 478 cidades gaúchas impactadas,182 mortes, 29 desaparecidos, 806 feridos, 77.712 pessoas resgatadas, 647 mil desabrigados, 8.800 pessoas ainda em abrigos, 1.078 escolas afetadas, 378 mil alunos impactados, 2,4 milhões de atingidos, R$ 10 bilhões em perdas patrimoniais, R$ 40 bilhões em perda do produto interno bruto (PIB) do estado.
O agronegócio não esteve no epicentro, mas não passou incólume. De acordo com a Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater/RS, mais de 206 mil propriedades foram afetadas.
Foram 34,5 mil famílias sem acesso à água potável. Mais de 19 mil delas tiveram perdas relativas às estruturas das propriedades, como casas, galpões, armazéns, silos, estufas e aviários. Em relação à agroindústria, os prejuízos são estimados em aproximadamente 200 empreendimentos familiares.
Considerando o volume, a maior perda ocorreu na produção da soja. Foram 2,24 milhões de toneladas perdidas. A estimativa divulgada pela Companhia Nacional de Abastecimento era que fossem colhidas 21,89 milhões de toneladas. Descontando a área afetada pelas chuvas e as perdas, a nova estimativa de produção é de 19,65 milhões de toneladas.
Dados da Farsul apontam prejuízo médio de R$ 1,4 milhão por agricultor e um total estimado de R$ 3 bilhões. Dos produtores consultados, 73% são considerados pequenos e 96,5% precisarão de crédito para garantir a normalização dos trabalhos. De acordo com Graziele de Camargo, produtora e liderança do S.O.S Agro RS, os produtores vão precisar de, no mínimo, 10 anos para se recuperar completamente das perdas em infraestrutura e qualidade de solo.
A resposta imediata do governo foi destinar um montante de R$ 7,2 bilhões em arroz vindo do exterior através de leilão que não ocorreu devido à suspeita de irregularidades no processo licitatório.
Dos R$ 20,7 bilhões em recursos federais autorizados para auxílio ao Rio Grande do Sul como um todo (sem setorização), menos da metade foi efetivamente pago pelo governo até o momento — cerca de R$ 6,6 bilhões. “O governo federal decidiu rever os processos de aquisição e, por esta razão, os recursos ainda não foram aplicados”, diz o relatório do TCU, em relação à medida provisória voltada à formação de estoque de alimentos.
No último dia 31 de julho, o governo federal publicou a Medida Provisória 1.247, com ações para ajuda aos agricultores do Rio Grande do Sul com dívidas que vencem a partir de 15 de agosto. Mas, ao contrário do que o setor produtivo gaúcho esperava, a MP beneficia somente aqueles que tiveram perdas iguais ou superiores a 30% e deixa de fora produtores rurais cobertos pelo Proagro ou com seguro rural.
Em resposta, entre julho e agosto de 2024, 261 prefeitos gaúchos realizaram marcha até Brasília e o movimento SOS AGRO RS reuniu cerca de 300 tratores e mais de 5 mil produtores em Porto Alegre numa tentativa de pressionar o governo federal por medidas mais eficazes.
O fato é que a solução para um problema de tal magnitude tem também uma complexidade enorme e, conforme o tempo passa e o assunto deixa de ocupar as manchetes, chega a parte mais difícil, lenta e custosa da tragédia no Rio Grande do Sul: aquela em que tudo precisará ser reerguido.
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Lygia Pimentel, colunista de The AgriBiz, é médica veterinária, economista e diretora-executiva da Agrifatto