
Em um segmento marcado pela concentração, uma companhia brasileira de genética de milho tenta se posicionar para bater de frente com as gigantes.
A aposta da Shull Seeds é na customização: fundada em 2017, a empresa investe em variedades de sementes adaptadas a alguns dos variados microclimas no País. A ideia é focar geografias nas quais tenha soluções capazes de enfrentar as grandes empresas — como Bayer, Corteva e Syngenta — que dominam 90% do mercado.
“Pode parecer uma pretensão entrar nessa briga, mas identificamos oportunidades em que a nossa tecnologia pode ser atraente para o distribuidor e para o agricultor”, diz Paulo Pinheiro, CEO e fundador da Shull.
Ele detalha a tese: a intensa customização que a empresa busca cai como uma luva em um País de dimensões continentais, permitindo gerar sementes que atendam às necessidades dos produtores.
“O Brasil é peculiar, porque é grande nas latitudes. Os Estados Unidos são grandes, mas na longitude, então não têm tanta variação climática quanto aqui.”
Daí a proposta de identificar nichos para desenvolver produtos adequados a eles. A Shull está em todas as regiões do Brasil, mas foca as microrregiões onde considera ter uma variedade competitiva.
“No extremo, preferimos não participar de certos mercados, ainda que relevantes, enquanto não tenhamos a melhor oferta.”
Impacto na produtividade
O uso de sementes mais adequadas à subregião é capaz de multiplicar por dez a produtividade, diz Pinheiro. E o impacto no custo?
“Uma semente mais comum custa bem menos que uma com as melhores tecnologias. Mas quanto entrega de produtividade adicional? O investimento vale a pena.”
No cálculo, o produtor deve ponderar seu perfil de tecnologia e práticas de manejo, ele ressalva.
“Tem agricultores que preferem rusticidade, uma semente que entrega um resultado intermediário sem exigir grandes esforços. Outros preferem materiais com potencial produtivo mais alto. Mas não adianta investir em semente se não está disposto a fazer as técnicas de adubação e manejo necessárias para ela mostrar todo seu potencial.”
Mate ambiosa
A Shull por ora terceiriza o beneficiamento de sementes, mas possui três centros de pesquisa e 56 locais de validação, além de 55 representantes de venda. O faturamento neste ano deve ficar perto de R$ 200 milhões, “e temos crescido a taxas superiores a 50% ao ano”, diz Pinheiro.
A participação da empresa ainda é “pequena”, ele afirma. Mas o objetivo é ambicioso. Ele espera chegar a 10% do mercado até 2035.
Se e quando a meta for alcançada, o que vai ser? Brigar com as gigantes ou fazer negócio com elas? “Essa casa não está sendo construída para ser vendida. O ritmo de crescimento atual não deve se repetir para sempre, mas um tamanho maior nos permitirá competir.”
Empurrãozinho do etanol de milho
O boom do etanol de milho, com uma profusão de novas usinas e investimentos de R$ 40 bilhões até 2030, vai ajudar a Shull a atingir sua meta, analisa o CEO.
Segundo ele, o crescimento do setor vai demandar mais área plantada. E, portanto, mais sementes — e mais bem adaptadas aos diferentes microclimas.
“A safrinha deve fechar em 24 milhões de hectares neste ano, e há projeções de 30 milhões em breve. E, além da área, vai crescer a produtividade”, ele estima.
Esse crescimento, lembra Pinheiro, não demanda aberturas de novas áreas, “porque grande parte da soja ainda não tem o milho safrinha”.
Do empirismo à inteligência artificial
Pinheiro foi diretor de sementes e biotecnologia da Tecnoseeds, uma companhia especializada na beneficiamento de sementes de milho que foi comprada pela Satus Ager em 2019. Durante sua passagem, identificou as oportunidades que o levaram a fundar a Shull Seeds, em 2017.
O primeiro passo foi chamar para a sociedade o braço direito José de Leon, veterano da genética agrícola que ajudou a montar a base genética.
A Shull conta com o próprio banco de germoplasma. A coleção é regularmente ampliada “por meio de convênios com instituições de pesquisa e bancos públicos e privados”, segundo o fundador.
O segundo passo foi contratar melhoristas — como se chamam os profissionais que fazem cruzamentos dentro de bases genéticas para criar sementes.
“É como desenvolver uma raça de cavalos. Você pega animais do mundo inteiro e faz cruzamentos. E daí surgem combinações de características: mais rapidez, mas menos altura; mais lustro, mas menos velocidade.”
Pinheiro lembra que o desenvolvimento genético de sementes é recente. “Até o início do século XX, era feito como os povos nativos faziam: no fim da lavoura, escolhiam as espigas mais vistosas e as replantavam. Era um melhoramento empírico.”
Por volta de 1910, o americano George Harrison Shull desenvolveu o milho híbrido, que passou a ser comercializado em 1922. A produtividade disparou após a adoção.
Nas últimas décadas, o processo de hibridização passou a usar inteligência artificial. A sofisticação multiplicou as possibilidades da caracterização, como é chamada a descrição dos objetivos que se espera de um determinado material genético.
“Por exemplo, em quantos dias produz, em quantos permite colheita, se é melhor em uma região de altitude ou no verão”, explica Pinheiro.
Com base naquelas metas, o melhorista faz cruzamentos no banco de germoplasma. A partir daí, vêm testes de campo e uma filtragem que costuma descartar 90% dos resultados — para focar nos 10% restantes.
A disponibilidade de recursos para multiplicar e qualificar os testes é um fator relevante a favor das gigantes, afirma Pinheiro. Mas há atalhos para encurtar o caminho, ele diz. Como as sementes duplo-haploides, nas quais a edição genômica permite reduzir o tempo de desenvolvimento de novas linhagens.
Da caracterização ao produto podem transcorrer até cinco anos, de acordo com Pinheiro. Hoje, a Shull opera com cerca de 30 mil linhagens. A empresa também trabalha com sorgo, e cogita abrir uma frente na soja.
Milho fixando nitrogênio?
Parte das inovações em desenvolvimento são sigilosas, mas Pinheiro tem um exemplo para comentar: uma técnica que permite que a semente do milho seja inoculada com bactérias que a tornam capaz de captar nitrogênio da atmosfera.
Na soja, essa técnica, chamada Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN), foi aprimorada pela Embrapa a partir dos anos 1970, e já fez o Brasil economizar bilhões de reais em fertilizantes nitrogenados — sem contar o ganho ambiental, já que a produção deles é altamente poluente, e sua aplicação pode contaminar mananciais.
A Shull não é a única estudando essa inovação; pesquisas da Embrapa e de universidades também buscam fazer do milho um captador de nitrogênio. Um desses estudos, da Unesp, concluiu neste ano que a difusão da técnica poderia economizar R$ 130 por hectare de milho e até R$ 2,86 bilhões por ano para o País.
Pinheiro espera que o domínio dessa tecnologia seja útil para buscar qualidades ainda mais específicas nas sementes. “A manipulação do DNA pode expressar atributos, por exemplo, plantas de menor tamanho, ou com um aproveitamento melhor da incidência solar. É uma infinidade de possibilidades”.