LUCAS DO RIO VERDE (MT) – São sete horas da manhã. No bairro Menino Deus, alguns carros, motos e bicicletas passam pela Avenida Rio Grande do Sul, mas o que mais se ouve ainda é o canto dos pássaros. Um silêncio de proporções gigantescas para quem está acostumado à vida em São Paulo. Mas que ninguém se engane — a falta de barulho não significa que a vida em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, ande devagar.
Hoje, Lucas do Rio Verde é o 14º município em área de produção no Mato Grosso (são 250 mil hectares de área agrícola), mas já é a sexta economia do estado. “Se tirar Cuiabá e Várzea Grande da conta, que não são áreas de produção de grãos, a cidade ficaria em quarto lugar”, ressalta Miguel Vaz, prefeito de Lucas do Rio Verde.
Na rotina do município, próximo de bater a marca de 100 mil habitantes, o trabalho começa cedo mesmo para quem já prosperou por ali — uma consequência do calorão (num dia fresco, os termômetros chegam a bater 40ºC) e da própria cultura do agronegócio.
“Às 6h já estou no escritório. Acordo às 4h. Vou ficar na cama depois das 6h fazendo o quê?”, brinca Marino Franz, ex-prefeito da cidade e sócio fundador da Fiagril.
Franz, assim como boa parte dos grandes empresários da região, tem uma história que se entrelaça com o desenvolvimento da própria cidade. Veio do Sul ainda nos anos 1980, quando Lucas do Rio Verde nem mesmo existia no mapa. O ponto de referência era Sinop, cidade a cerca de duas horas de distância.
“Fiquei sabendo daqui através da rádio, anunciando excursão para o Mato Grosso, para trazer as primeiras pessoas para cá. Eu era formado técnico agrícola, mas não tinha emprego, família pobre. Vim para cá só com o dinheiro da passagem da ida. Comecei a trabalhar numa sorveteria, depois vim para a Fazenda Progresso, em Sorriso, a única terra aberta até então”, contou Franz.
Outro empresário que começou a vida no município nessa época é Orcival Guimarães, goiano que fez sua vida no Mato Grosso. Em Lucas, fundou o grupo Guimarães, especializado em máquinas agrícolas e na produção de grãos e de algodão, distribuídos hoje em 110 mil hectares.
“Nasci em um sítio, estudei à base de lamparina, contrariando toda a minha família. Trabalhei em Rio Verde, depois vim para Rondonópolis em 1978 com meu tio, para só depois vir para Lucas, começando a plantar aqui em 1996. A Guimarães começou com um trator usado e quebrado que eu consegui vender”, conta o simpático empresário.
A baixa taxa de “conversão” das primeiras famílias está relacionada mesmo às dificuldades de explorar um lugar em que não tinha… nada. Mandar uma carta? Levava dois dias, só no trajeto de ir até Cuiabá para colocá-la no Correio.
A partir dos anos 1990, esforços direcionados à pesquisa ajudaram o município a ter um salto de desenvolvimento, com variedades de grãos adaptadas à região. Uma das instituições criadas nessa época foi a Fundação Rio Verde — idealizadora também da Show Safra, hoje uma das maiores feiras agrícolas do País.
“Passamos por um momento difícil em 1996, 1997, e tínhamos como objetivo sair da monocultura do arroz, tentando trazer a soja. Nossa região, ao contrário de outras que passaram pelo extrativismo, tinha uma terra muito fraca. Tínhamos sol e água, mas não tecnologia”, lembra Joci Piccini, vice-prefeito de Lucas do Rio Verde e presidente da Fundação Rio Verde.
Industrializar é preciso
Na década seguinte, a cidade viu um salto de desenvolvimento a partir da cadeia de grãos, com os primeiros passos da industrialização chegando a Lucas do Rio Verde.
Em 2008, a Sadia, que anos depois se fundiria à Perdigão dando origem à BRF — agora, MBRF —, inaugurou na cidade um frigorífico de aves e suínos, além de uma fábrica de industrializados, armazém de cereais e uma fábrica de ração. O investimento, na época, foi de R$ 1 bilhão.
“Eu era prefeito na época e vendi para os Fontana que o Mato Grosso iria produzir 15 milhões de toneladas de milho safrinha. Eles não acreditaram, pedi para virem conhecer nossa região. Eles vieram e fizeram o maior projeto da América Latina aqui”, lembra Franz.
Para viabilizar uma indústria desse porte em uma região ainda pouco habitada, a dona da Sadia construiu mais de 1,5 mil residências para funcionários, oferecendo um preço bastante competitivo de aluguel (ainda hoje, em torno de R$ 150 mensais).
A chegada da Sadia na cidade ficou marcada inclusive de forma física no município. Lucas do Rio Verde tem duas estátuas enormes que homenageiam a chegada da industrialização. Uma delas é o monumento Galinha Preciosa (uma estátua de 10 metros de concreto no bairro Tessele Júnior) e, a outra, é o Luquinha, uma estátua de porco com seis metros de altura, localizada na entrada da cidade.
Hoje, a fábrica da MBRF tem uma produção de 30 mil toneladas por mês (de produtos acabados, somados com a matéria-prima), gerando 5 mil empregos diretos. A MBRF continua sendo uma força motriz da cidade, com comentários frequentes dos habitantes sobre a importância da empresa no município — que se traduz também na frequência com que se pode encontrar colaboradores e ex-colaboradores da companhia na região.
Paulo Almeida, motorista de aplicativo, é um desses casos de quem veio para Lucas do Rio Verde por causa da MBRF. Mudou de Sinop para a cidade para trabalhar na fábrica, onde permaneceu por quase duas décadas, criando os dois filhos na cidade. Hoje, aos 54 anos, já saiu da fábrica, mas a esposa, Sandra, ainda trabalha lá como cozinheira.
“Eu só tive dois empregos na vida, um em uma marcenaria e, depois, a BRF. E só tive um casamento, que já dura 28 anos. Agora, não me mudo mais. Comprei uma casa aqui, tenho outra em Várzea Grande, me sinto seguro aqui.”
A transformação com o frigorífico
Mas nem só empregos diretos foram gerados a partir da vinda da antiga Sadia para a cidade. Ao chegar em Lucas do Rio Verde — um contraste e tanto para a localização da indústrias avícolas na época, localizadas principalmente no Sul do Brasil — a empresa também fomentou toda uma cadeia de integrados na região.
A Agropecuária Vieira é um desses casos. A granja foi fundada por Lúcia Paulino Vieira e pelo marido, César dos Reis Vieira, que saíram de Minas Gerais e vieram para a região por causa do início dos trabalhos da fábrica.
“Quando a gente veio, uma família tinha desistido desse pedaço de terra e o dono dividiu em cinco partes para conseguir vender mais rápido. Nós pensamos: bom, se vendermos o que temos em Minas, conseguimos comprar um pedacinho aqui. Nesse processo, o César deixou de ser funcionário e passou a ser produtor”, conta dona Lúcia, em uma visita à granja da família.
Desde então, são 16 anos criando frangos para a MBRF. Na gestão de dona Lúcia e do marido, foram feitos 62 lotes para o frigorífico (cada lote tem 23 mil aves). Desde a pandemia, a segunda geração entrou com mais força no negócio, com a filha, Kelly Melo Vieira Vasconcelos, e o marido, Mário de Vasconcelos, já tendo produzido 31 lotes.
Além do casal, outros dois casais também trabalham na granja: Jailson Leite, Francisca Carlos, Claudia da Silva e Francisco Braz é que fazem o trabalho do dia a dia com os pintinhos e, depois, com os frangos. Todos eles vieram do Maranhão para trabalhar na cidade, em busca de emprego.
É uma história similar à de Milton Bavaresco, produtor rural da região, que produz suínos para a BRF. A família dele chegou à região nos anos 1980, refletindo as oportunidades de compras de terras na região. Hoje, a propriedade tem 484 hectares, divididos entre agricultura e a produção de 9 mil suínos por ciclo para o frigorífico.
“Meu pai e meu tio compraram essa área em 1983, daí vim segurar as pontas com meu irmão e até hoje estamos aqui. Em 2008, a Sadia ofertou nosso primeiro núcleo de suinocultura, encaramos e deu certo. Agora, colocamos outro, e seguimos aí, firmes e fortes”, resume o produtor. Além dele, estão na produção diária os filhos, Wilian e Milton Antônio.
O passo seguinte
A industrialização da cadeia de proteína animal foi só o primeiro passo para o desenvolvimento de Lucas do Rio Verde. Ao longo dos anos seguintes, se estabeleceu na região também toda uma cadeia de produção de biodiesel, farelo e, recentemente, de etanol de milho.
Há 17 anos, a Amaggi instalou um complexo industrial na cidade para o esmagamento de grãos, produção de farelo e biodiesel, a partir do quarto ano de operação. Hoje, a fábrica processa 1,3 milhão de toneladas de soja (900 mil de farelo e 300 mil de óleo, para a produção do biocombustível). São 263 funcionários na fábrica, chegando até a 300 na época de safra.
Carlos Eduardo Cabral, gerente da fábrica, também é um desses casos de quem migrou para trabalhar na região. “Fui criado no Mato Grosso, morava em Cuiabá. Entrei na Amaggi como engenheiro eletricista corporativo, mas ao longo do tempo fui ficando, construí a fábrica de biodiesel e assumi a operação”, resume.
Nos anos seguintes, a produção de biocombustíveis de Lucas do Rio Verde também ganharia outros atores. Em 2012, Franz fez uma parceria com a americana Summit Agricultural Group, para fomentar a produção de biocombustíveis na região, via Fiagril.
“Eu via que o Mato Grosso, em 2025, podia produzir 50 milhões de toneladas de milho. Era uma coisa inimaginável. Neste ano, já produzimos 55 milhões de toneladas. E vamos produzir 100 milhões de toneladas em 2032”, crava Franz.
Em 2017, a ideia de Franz cresceu e ganhou forma na FS, que construiu a primeira usina de etanol de milho em Lucas do Rio Verde, com uma capacidade de produção de 600 mil toneladas de milho para a produção de etanol.
Atualmente, a companhia que ainda tem Franz como sócio possui três plantas em operação em Mato Grosso, processando 5,4 milhões de toneladas de milho. Atualmente, a FS produz 2,4 bilhões de litros de etanol, além de 1,9 milhão de toneladas de DDGs — coproduto usado como ração animal.
O mercado imobiliário
Quem chega a Lucas do Rio Verde nota a pujança industrial e uma paisagem ainda predominantemente horizontal que parece em transição.
Aos poucos, iniciativas de verticalização da moradia começaram a surgir. Uma das construtoras a explorar esse nicho é a Romancini, com apartamentos que variam de studios a moradias de luxo.
Com 25 anos de história, o grupo (que também é dono de supermercados e de uma imobiliária) surgiu pelas mãos de José Romanzzini, que veio de Ronda Alta (RS) para o Centro-Oeste.
O primeiro empreendimento, o Diecemina Residencial, surgiu para homenagear a mãe do fundador da empresa, que tinha o sonho de ter uma casa de alvenaria. Em seguida, veio o Amália Residencial (em homenagem à madrasta), depois o Dom Pedro (em homenagem ao pai dele).
“Agora, nós temos o Vida Orquídeas em construção, tem o Kronos Life and Business, com uma torre residencial e uma de co-working, com várias salas comerciais e estúdios pra Airbnb também”, explica Kawany Makximovitz, gerente de marketing da Romancini.
Em média, os apartamentos menos luxuosos da construtora começam em R$ 350 mil. Os mais luxuosos (como um duplex construído por eles) giram em torno de R$ 1,5 milhão.
Além dos apartamentos, a construtora trabalha num projeto de hotel, a ser gerido em parceria com os donos do hotel Mandino, o principal da cidade. Há, também, a obra para a construção de um hotel da rede Ibis.
O futuro da cidade
No caminho para o futuro, Lucas do Rio Verde tem uma série de apostas. A primeira é logística, com a chegada da Ferrovia do Mato Grosso, que está sendo construída pela Rumo com previsão de chegar à cidade em 2028, além da Fico-Fiol, passando pela região. Pensando no tráfego de caminhões, a duplicação da BR-163 está em andamento, um ponto fundamental para o escoamento da produção local.
Do lado de capacitação, a cidade deve receber um campus da Universidade Federal do Mato Grosso, com dois cursos: Engenharia de Software e Inteligência Artificial.
“Imagine só quando a inteligência artificial estiver dentro do agro, quantas coisas boas podem acontecer. Foi uma conquista muito grande ter conseguido plantar essa semente da inteligência artificial, que vai começar as aulas no ano que vem”, entusiasma-se o prefeito.
Do ponto de vista de trabalho, Vaz vê espaço a ser explorado para desenvolver também a cadeia de algodão local. “Eu vejo que já tem polos, em Mato Grosso, de fiação de algodão. Como gestor público, tenho provocado bastante isso, né? Para que as empresas venham e transformem a pluma em fio”, ressalta.
Mas nessa cidade conhecida pelo trabalho — e reconhecida por sua população pelos serviços públicos de qualidade — faltam, ainda, opções de lazer.
Um shopping e um parque aquático estão entre as demandas mais comuns de uma cidade que ainda tem churrascos e encontros em casa aos finais de semana (além de ir à igreja) como únicas opções de lazer.
A julgar pelas falas do prefeito de Lucas do Rio Verde, um shopping pode estar a caminho. “Já recebi pelo menos dois empreendedores que vieram visitar a cidade, entendendo o shopping como algo muito próximo da viabilidade. Em breve, deve acontecer”, animou-se.