Opinião

Por que as agências deveriam escapar do corte de gastos

As agências reguladoras geram mais recursos do que consomem. É preciso dar a elas condições mínimas para garantir a execução das funções transferidas pelo Estado

Fiscal da ANP; agências reguladoras enfrentam baixo orçamento | Crédito: Divulgação ANP

O problema fiscal brasileiro é público e notório. No cerne da questão está a decisão sobre como serão alocados os recursos públicos, ou seja, quem será beneficiado ou prejudicado. Nesse contexto, uma gravíssima crise se abateu sobre as agências reguladoras, vítimas do corte de gastos.

As agências representam um percentual pequeno do orçamento público. Ainda assim, uma coisa é procurar racionalizar os gastos, promover a integração operacional com órgãos federais, estaduais e municipais, aumentar a eficiência com o maior uso de tecnologia da informação e priorizar suas atividades. Outra, bem diferente, é reduzir seus recursos abaixo do mínimo necessário para desempenhar suas funções.

O corte de gastos que está sendo aplicado às agências irá prejudicar a economia, o ambiente de negócios, a qualidade de vida das pessoas e a própria arrecadação de tributos.

Com a desestatização de parte importante dos serviços prestados à população por meio da privatização de empresas e das diversas modalidades de concessão, permissão e autorização, coube às agências garantir o fiel cumprimento dos contratos em conformidade com suas atribuições multicritério.

Por exemplo, cabe à ANP (Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis), conforme a Lei nº 9.478/1997, implementar a política nacional de petróleo, de gás natural, de combustíveis e de biocombustíveis com ênfase na garantia do suprimento de produtos e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, a qualidade e a oferta dos produtos. Não é uma tarefa nada simples, e, por isso, requer profissionais competentes, dedicados e motivados.

Ainda sobre as atribuições, uma leitura simples das leis criadoras de cada agência mostra que houve inúmeras inserções em suas obrigações com dispositivos relacionados ao meio ambiente, à transparência e à ampliação do rol de bens e serviços regulados, entre outros.

Cada um desses temas, por si, amplia a complexidade das atividades e o cuidado com efeitos secundários da regulação. Soma-se a isso a ampliação de atividades regulatórias em novas frentes, como a regulação de hidrovias pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários).

Pois bem, fica evidente que o contingenciamento de recursos, na forma como está sendo implementado, vai de encontro aos melhores interesses públicos. A título de ilustração, imaginem o que pode acontecer com a poluição do ar se as fiscalizações de qualidade de combustíveis e biocombustíveis forem suspensas. Ou se um novo empreendimento tiver sua inauguração atrasada porque não há profissionais suficientes para analisar os pedidos.

Não se trata de negar a necessidade de ajustes fiscais, ainda mais com as atuais turbulências internacionais. Pelo contrário, o debate precisa ser continuado até que o Brasil chegue a um consenso sobre como resolver as contas públicas.

Mas os efeitos não se restringirão às arrecadações, e sim aos problemas que enfrentaremos diante de uma enorme rede de bens e serviços que precisam de fiscalização constante. Ou também deixaremos de ter a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) garantindo o bom funcionamento dos aeroportos?

O meu ponto é que as agências geram mais recursos do que consomem, seja pelas outorgas, seja pelos valores de multas e autuações. O modelo de cortes implementado pouco ajudará a resolver o problema estrutural das contas públicas, mas dificultará, e muito, o trabalho das agências.

É urgente rever isso e dar a elas a capacidade e a segurança necessárias para poderem trabalhar pelo bem do País. Para isso, deve-se criar um orçamento mínimo para suas atividades em tempos de dificuldades financeiras, e outro que contemple seu funcionamento ideal. Muito provavelmente, suas atividades já serão mais que suficientes para os dois casos. O Brasil não pode parar, e precisa ter agências funcionais.

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O papel da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) na regulação do transporte ferroviário será tema do evento “Desafios do Transporte Ferroviário e Competitividade do Setor Produtivo”, que será realizado amanhã (5) no auditório da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) em Brasília.  O evento discutirá também os principais entraves logísticos e apontará soluções para melhorar a eficiência das ferrovias no País.