
As tradings não são as únicas prejudicadas pela mudança no comportamento de venda do produtor rural, que tem segurado mais os grãos à espera de preços melhores. O impacto das vendas mais lentas chegou também na Rumo, maior operadora ferroviária do Brasil, que viu suas ações caírem 9,5% nesta sexta-feira, após a divulgação do balanço do segundo trimestre.
A principal surpresa foi uma queda de 2,4% na tarifa consolidada — os analistas esperavam um crescimento abaixo da inflação, mas não uma queda. O recuo na tarifa acabou compensando (negativamente) o crescimento do volume transportado na receita, que avançou 4%, para R$ 3,7 bilhões — mas abaixo das expectativas.
O ritmo mais cadenciado das vendas de milho impactou a demanda por transporte no segundo trimestre. “Se não tem pico de demanda, a dinâmica de negociação fica menos favorável para a Rumo”, observou um analista. As tradings ficam menos pressionadas a fechar contratos antecipados e os preços no mercado spot ficam relativamente estáveis.
“O que a gente viu de diferente nessa safra é a dinâmica da comercialização em uma sazonalidade diferente da tradicional”, comentou Guilherme Machado, CFO da Rumo, em call com analistas nesta tarde.
Até o início de julho, os produtores de Mato Grosso haviam comercializado 51% da produção de milho da safra 2024/25 — abaixo do percentual de 65% na média dos últimos cinco anos, segundo dados do Imea (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária).
A perspectiva para o segundo semestre é parecida, “de comercialização mais lenta, eu diria até mais cautelosa, por parte dos produtores”, disse Machado. E isso, completa, “se reflete nas posições tomadas pelas tradings, que são nossos clientes, e gera uma dinâmica diferente no giro do produto. A gente vem adaptando a operação”.
“Os resultados da Rumo no segundo trimestre foram no geral pouco inspiradores, com alguns yields indesejados na base anual (especialmente nas tarifas), levando a uma receita líquida 4% abaixo do consenso”, afirmaram os analistas do BTG Pactual Lucas Marquiori e Fernanda Recchia em relatório.
Embora destaquem “o bom controle de custos”, os analistas pontuam que os volumes em julho — antecipados junto do balanço do quarto trimestre — foram “apenas bons, não excepcionais”. E concluem: “Embora a Rumo continue sendo a melhor logística de grãos do País, vemos pressões no curto prazo, pressões de capex e ruído regulatório”.
Além de ter eclipsado um esperado pico de volume e receita que não veio, o atraso na comercialização do milho aumenta a competição entre cargas no restante de 2025. No segundo trimestre, o market share da Rumo no transporte de grãos em Mato Grosso caiu para 42% de 44% no mesmo período do ano passado.
“Tem muito volume de soja por sair do Mato Grosso, tem o problema do milho, que está atrasado, e vai ter o farelo, como tem todo ano. Então será uma operação de três produtos. E isso vai exigir uma execução diferente”, comentou Machado.
Os investimentos continuam
Machado afirmou que a Rumo aproveitou para antecipar manutenções e mostrou confiança em uma retomada — a companhia manteve o guidance para o ano. “Todos viram o tamanho da safra de soja e de milho, esse produto vai entrar na dinâmica de comercialização. O próximo trimestre deve ser mais cheio.”
O CFO também tentou destacar ângulos positivos. Por exemplo, uma economia de custos com combustíveis graças à ampliação do número de vagões nos trens, de 120 para 135.
Além disso, os executivos atualizaram a situação dos principais projetos em andamento, como a primeira fase da Ferrovia do Mato Grosso, as obras para aumento de fluidez na Malha Paulista e reduzir congestionamentos na ferrovia interna do Porto de Santos, além de um novo terminal em parceria com a CHS, também em Santos.
Machado reiterou a estimativa de Capex da companhia para este ano, de pouco mais de R$ 6 bilhões, e a conclusão da FMT até o fim de 2026. “O programa de investimentos vem sendo executado como planejado. Mas a execução não tem uma dinâmica linear”, ponderou, mencionando o regime de chuvas no Mato Grosso no primeiro semestre, que segurou o ritmo das obras.
Ainda sobre investimentos, Felipe Saraiva, gerente executivo de Relações com Investidores e Sustentabilidade, lembrou que uma vez concluídos, os projetos adicionarão 10 milhões de toneladas à capacidade atual da Rumo, estimada em 35 milhões de toneladas, um aumento de 28,5%.
Esse aumento seria preenchido em três anos, nas contas da empresa, baseadas em um aumento de produtividade do Mato Grosso entre 3 milhões e 5 milhões de toneladas de grãos por safra.
De acordo com Saraiva, novos investimentos para depois de 2026, incluindo uma eventual fase 2 da FMT, “ainda estão sendo detalhados do ponto de vista de engenharia e avaliação comercial e econômico-financeira”.
Os executivos ainda mostraram certo pessimismo com uma renovação da concessão na Malha Oeste — a atual termina em junho de 2026. Já na Malha Sul, com vencimento em 2027, a expectativa é de uma renovação da concessão.
“Temos um grupo de trabalho sobre isso, é um volume importante sendo atendido por essa malha. Neste ano ou no ano que vem veremos um desfecho”, disse o executivo.
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Na última linha do balanço, a Rumo teve um lucro líquido ajustado de R$ 731 milhões, levemente acima dos R$ 721 milhões um ano antes. O Ebitda avançou 6%, para R$ 2,28 bilhões. A dívida líquida subiu 13% e atingiu R$ 14,2 bilhões, representando 1,8x o Ebitda.