
Em crise financeira, a gaúcha Cotribá, que carrega o título de cooperativa agrícola mais antiga do Brasil, tem um plano de vender cerca de 11 ativos até o início do próximo ano, num movimento que pode levantar R$ 400 milhões, apurou The AgriBiz. Entre os ativos a serem vendidos, estão principalmente armazéns.
O movimento sinalizaria uma volta às origens. A cooperativa, que ao longo do tempo foi crescendo e se espalhando por diferentes regiões do Rio Grande do Sul, passaria a ter uma atuação mais concentrada nas áreas próximas a Ibirubá (RS), a cidade de origem.
A crise financeira da cooperativa ganhou holofotes na semana passada, com veículos de imprensa regionais noticiando a revolta de produtores rurais com a cooperativa, uma vez que estariam sem receber pelos grãos que foram entregues. Vídeos que circularam no WhatsApp trazem argumentos similares.
Com a venda de ativos, cooperativa pode obter um montante muito próximo ao que precisa honrar para se reestruturar. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Luís Felipe Maldaner, o recém-contratado CEO da Cotribá, afirmou que existem R$ 500 milhões em dívidas que precisam ser ajustadas para colocar a casa em ordem.
“A perspectiva é que, com essas medidas sendo tomadas, a equalização das dívidas aconteça ao longo deste e do próximo semestre”, disse uma fonte ao The AgriBiz.
Ainda na entrevista à rádio do Rio Grande do Sul, Maldaner lembrou que a cooperativa já vendeu três postos de combustíveis (dos quatro que tinha) e que não há intenção de vender os supermercados que estão sob sua alçada.
Nesse processo de perder os anéis para ficar com os dedos, a Cotribá contratou a Markestrat, uma consultoria especializada em reestruturação de empresas ligadas ao agronegócio, no início deste ano.
Como parte desse processo de reestruturação, Ana Marlize Schreiner, diretora financeira da Cotribá há mais de 30 anos, se desligou do cargo há cerca de duas semanas. Na semana passada, Maldaner assumiu como CEO da cooperativa.
Para uma fonte que acompanha de perto a situação financeira da Cotribá, mesmo com a venda de ativos a cooperativa ainda ficaria com um porte bastante razoável para conseguir operar.
As razões para a crise
As dificuldades financeiras enfrentadas pela Cotribá não são de hoje. Os problemas climáticos no Rio Grande do Sul se somaram ao projeto de expansão da cooperativa, que seguiu fazendo investimentos em capex mesmo em meio a quebras de safra.
O foco da expansão era, principalmente, verticalização. A cooperativa dobrou, por exemplo, a capacidade de sua fábrica de ração, para 200 mil toneladas por ano, um investimento que demandou R$ 130 milhões.
“O grande erro ali foi o planejamento de liquidez. Eles estavam no meio do ciclo de capex e a liquidez sumiu. Não dá para fazer o ativo rodar”, afirma uma fonte.
A Cotribá encerrou o ano passado com apenas R$ 5,8 milhões em caixa, ante R$ 77,4 milhões no ano anterior. O Ebitda despencou 65% em 2024, somando R$ 38,8 milhões. A linha final do balanço trouxe um prejuízo de R$ 46,3 milhões em 2024, ante um lucro de R$ 16 milhões no ano anterior.
A dívida total da cooperativa somava R$ 1 bilhão ao final do ano passado, um aumento de 20% em relação a 2023.
O impacto no mercado de capitais
O balanço da cooperativa mostra um CRI, um CRA e um FIDC distribuídos no mercado de capitais. O CRA foi emitido em 2022 pela Ecoagro, com vencimento em 2027, numa captação de R$ 150 milhões lastreada em contratos com a Cargill.
No final do ano passado, a Cotribá teve que conversar com os cotistas para pedir um waiver, uma vez que quebrou covenants de dívida bancária total/Ebitda no exercício de 2024. A emissão previa que essa relação ficasse igual ou inferior a 9,50.
Os credores — entre eles, a gestora Valora — condicionaram o perdão ao descumprimento da regra à constituição de uma alienação fiduciária de ativos em garantia real, num montante que correspondesse a no mínimo 50% do saldo devedor dos CRAs. Também anteciparam em um mês a entrega de grãos prevista para maio, com a liquidação financeira realizada pela Cargill até a mesma data.
O CRI da Cotribá, por sua vez, foi emitido em 2022 pela True Securitizadora, numa emissão de R$ 94 milhões com vencimento em 2027. O FIDC, de recebíveis pulverizados de produtores, tem entre os credores a AZ Quest e a Vectis. Ambos estão na cota sênior do fundo, o que traz algum conforto, pelo menos até o momento.
***
Procurada, a Cotribá enviou um posicionamento, reproduzido na íntegra abaixo:
A Cotribá, por meio do seu Comitê de Reestruturação, do Conselho de Administração e do novo CEO, Luis Felipe Maldaner, está empenhada em dar agilidade à resolução das pendências junto aos agricultores.
Ciente da importância dos produtores para a trajetória da cooperativa e para o desenvolvimento regional, a atual gestão está conduzindo um trabalho intenso e transparente, com o objetivo de restabelecer a confiança, reorganizar processos e garantir o equilíbrio necessário para enfrentar os desafios deste momento.
Esse esforço marca também o início de um novo ciclo para a Cotribá, tanto no campo financeiro quanto na gestão, baseado em responsabilidade, inovação e proximidade com o associado.
À medida que as ações planejadas começarem a gerar recursos, a prioridade de pagamento será destinada aos produtores, reforçando o compromisso da cooperativa com aqueles que são a razão de sua existência.
“Estamos comprometidos em construir junto aos nossos associados uma Cotribá ainda mais forte e preparada para o futuro. Nosso foco é encontrar soluções que atendam aos interesses dos produtores e assegurem a continuidade da nossa missão cooperativista”, destacou Maldaner.
A cooperativa reforça que a união e a confiança dos agricultores são fundamentais para superar esta etapa e reafirma seu propósito de seguir gerando valor, oportunidades e desenvolvimento para o campo.