
A São Martinho vai mais que dobrar a capacidade de produção de etanol de milho a partir do segundo semestre de 2027. O projeto de expansão da usina em Quirinópolis, em Goiás, exigirá um investimento de R$ 1,1 bilhão, o que pode comprometer a geração de caixa nos próximos trimestres. Mesmo assim, o mercado gostou.
As ações chegaram a subir 4% nesta terça-feira, encerrando o dia com alta de 1,2% na Bolsa. “Vemos o investimento como uma das iniciativas de maior valor agregado que a São Martinho poderia realizar, mesmo que pese temporariamente no fluxo de caixa”, comentaram os analistas Thiago Duarte e Guilherme Guttilla, do BTG Pactual.
Para os analistas, ainda que alguns investidores prefiram empresas que priorizam a distribuição de caixa, o projeto é exceção, graças à rentabilidade atrativa do etanol de milho e às condições de financiamento anunciadas pela empresa. Nas contas do banco, o investimento deve se pagar em menos de três anos.
“A gestão conservadora reforça a expectativa de retorno atrativo”, acrescentaram os analistas Gustavo Troyano, Bruno Tomazetto e Ryu Matsuyama, do Itaú BBA, em relatório.
Do total destinado à expansão, R$ 728 milhões serão financiados pelo BNDES e Finep com prazo de 12 anos e dois anos de carência. “Mesmo em um cenário pessimista, o retorno passa de 25%. Mas se não fosse o BNDES e o Finep, dificilmente aprovaríamos [o projeto]”, disse o diretor financeiro Felipe Vicchiato durante apresentação a analistas nesta terça-feira (12).
Além das instalações industriais, os recursos serão usados na construção de um armazém de milho com capacidade de 240 mil toneladas e em melhorias na capacidade de geração de energia. Além do capex de investimento, o projeto vai exigir aproximadamente R$ 230 milhões em capital de giro.
Uma vez em plena atividade, a planta vai adicionar 270 mil metros cúbicos de etanol de milho, ampliando a capacidade em 125,5%, para 485 mil metros cúbicos, além de 310 mil toneladas de DDGS e 21 mil toneladas de óleo de milho.
Ainda é pouco perto das gigantes do setor — a Inpasa, líder em etanol de milho, produziu 3,7 milhões de metros cúbicos na safra 2024/25, 50% da produção nacional.
A nova usina de etanol de milho vai usar a biomassa da cana da companhia, gerando uma economia de até R$ 120 milhões ao ano, disse Vicchiato.
Queima de caixa
O movimento, no entanto, pode gerar preocupações entre investidores focados na geração de caixa. Com o investimento, a expectativa de um yield de dois dígitos foi adiada, ponderaram os analistas do Itaú BBA.
A mesma preocupação foi compartilhada pelos analistas da XP. “Vemos os investimentos como positivos no longo prazo, mas estimamos que esses aportes devem se traduzir em queima de caixa nos próximos dois anos”, escreveram Leonardo Alencar, Pedro Fonseca e Samuel Isaak, da XP.
Com o novo projeto, o guidance ganhou R$ 439 milhões em “modernização e expansão”, referentes ao desembolso previsto para esta safra, equivalente a 40% do total. Outros 50% serão empenhados na safra 2026/27, e os 10% restantes, em 2027/28. A companhia também incluiu R$ 242 milhões referentes à aquisição, em julho, de parte do estoque de cana da Usina Santa Elisa, que era da Raízen.
No segundo tri, o milho já ajudou
Enquanto detalhava ao mercado a segunda fase do projeto de etanol de milho, a São Martinho apresentava os resultados referentes ao primeiro trimestre da safra 2025/26 — que já foram beneficiados por essa nova frente de negócios. No período, o etanol de milho compensou parcialmente as quedas em volume e preço na moagem de cana, provocados principalmente pelo estresse hídrico dos primeiros meses de 2025.
A receita líquida subiu 12,2%, para R$ 1,8 bilhão, beneficiada pelas vendas de etanol, que avançaram 51,3%. O etanol de milho respondeu por 11% do faturamento — esse share quase dobrou frente aos 6% do ano passado. Já a receita com açúcar caiu 12% no trimestre.
O Ebit — métrica mais adequada para a comparação entre etanol de cana e de milho, por excluir a depreciação mais acentuada nos canaviais do que nas lavouras do grão — totalizou R$ 87,4 milhões, revertendo um Ebit negativo de R$ 3,3 milhões no primeiro trimestre da safra passada.
O lucro líquido, por outro lado, foi de R$ 62,8 milhões, uma queda de 41% na comparação anual. A companhia creditou a queda à “variação do valor do ativo biológico” e ao “impacto dos juros sobre o capital próprio no segundo trimestre”.
O índice de alavancagem subiu de 1,27 vez para 1,36 vez, ainda em patamar baixo.
Para a safra 2024-25, a São Martinho projeta um volume de açúcar de 39 milhões de toneladas, contra estimativas de 41,5 milhões de toneladas feitas por consultorias. “Em outubro vai ficar mais claro qual será o volume. Hoje, estamos percebendo que pode faltar açúcar. Mas o acompanhamento é diário”, comentou Vicchiato.
Biometano
A direção da São Martinho disse ainda que não cogita novos M&As e investimentos. “Agora tenho uma quantidade de terras suficiente para minha capacidade industrial. Mesmo que surja outra oportunidade, meu retorno marginal seria menor. Pode ser que existam mais ativos com boa lógica de retorno, e outras usinas que possam comprar, mas não a São Martinho”, afirmou o CFO.
Vicchiato detalhou ainda as perspectivas para a produção de biometano a partir de linhaça na usina de Santa Cruz, em Américo Brasiliense (SP). Segundo o CFO, a atividade deve começar em setembro, após a aprovação pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
A produção será de 16 milhões de metros cúbicos em 2026/27, com receita estimada em R$ 50 milhões por ano — a São Martinho tem um contrato de fornecimento de 100% do volume para a Compass.
***
Apesar da valorização nesta terça-feira, as ações da São Martinho caem 40% em 12 meses. A empresa está avaliada em R$ 5,45 bilhões na Bolsa.