
A restrição imposta pela China às exportações de cinco empresas no Brasil — incluindo as gigantes Cargill e ADM — deixou o mercado em polvorosa nesta quarta-feira, mas os impactos parecem ser bem mais brandos do que as informações iniciais davam a entender.
Na prática, a poderosa GACC — autoridade chinesa responsável pala fiscalização sanitária e alfandegária — suspendeu as exportações de soja de cinco estabelecimentos brasileiros após a detecção de pesticidas e pragas no carregamento de dois navios.
Os estabelecimentos em questão pertencem a Cargill, ADM, Olam, C.Vale e Terra Roxa, informou a Reuters, agência de notícias que revelou a história pela manhã.
Inicialmente, houve quem imaginasse que as cinco companhias estavam proibidas de exportar para à China, o que seria realmente problemático. Mas não é exatamente assim. São apenas estabelecimentos específicos de cada companhia, representando uma fração da quantidade de filiais que gigantes como a Cargill possuem.
“Ambos os exportadores não estão bloqueados. Apenas suspenderam temporiamente um CNPJ. Reforçamos que a Olam não estão bloqueada”, mostrou uma mensagem atribuída à trading asiática — que viralizou nos grupos de WhatsApp.
De fato, as tradings têm autorização para exportar a partir de diversos estabelecimentos diferentes, cada qual com um CNPJ. Em cada cidade em que uma companhia opera, ela precisa criar um cadastro para essas unidades, que podem ser armazéns ou apenas um escritório de compras em diferentes cidades, explicou uma fonte.
Para se ter uma ideia, o Brasil possui mais de 1,7 mil estabelecimentos autorizados a exportar soja para a China, de acordo com dados compilados por The AgriBiz no sistema do Ministério da Agricultura.
A Cargill, por exemplo, contava com 120 estabelecimentos em diversos CNPJs. A ADM, por sua vez, possuía 75%, ao passo que a cooperativa paranaense C. Vale contava com 111. A Terra Roxa, uma cerealista de menor porte, detinha apenas um estabelecimento. Neste caso específico, a suspensão é mais danosa.
Medindo os impactos
Entre analistas, a avaliação é que a suspensão vai durar pouco tempo, além de trazer um impacto pouco expressivo.
“A suspensão é real, mas não impacta totalmente os embarques de soja do Brasil, já que as empresas podem usar outras entidades para fazer os envios”, escreveram Leonardo Alencar, Pedro Fonseca, Samuel Isaak, da XP Investimentos.
Reflexos negativos, no entanto, são inevitáveis, ainda que a magnitude deles pareça limitada no médio prazo, escreveu Henrique Brustolin, do Bradesco BBI, em relatório a clientes.
Para ilustrar o argumento, Brustolin lembrou que a suspensão ocorreu em janeiro, quando a colheita da soja ainda está começando. “Nos últimos dez anos, os embarques de soja foram concentrados entre março e julho, ou seja, qualquer restrição em janeiro deve ser muito menos representativa”.
A simbiose entre Brasil e China no mercado global de soja é outro fator a ser considerado. Os brasileiros, evidentemente, não podem ficar sem seu maior comprador — o país asiático representa 75% das exportações brasileiras. Do outro lado, 65% da soja importada pelo país asiático vem do Brasil.
“É improvável que a China imponha restrições de longo prazo, especialmente considerando que metade do consumo doméstico de soja do país vem de fora”, escreveu o analista do Bradesco BBI.
O precedente de 2004
Ao avaliar os impactos, Brustolin lembrou que esta não é a primeira vez que uma suspensão do gênero ocorre. Há quase 21 anos, Pequim suspendeu os embarques de soja de 23 estabelecimentos brasileiros após os testes detectarem a presença de um fungicida proibido nas sementes.
Daquela vez, a suspensão foi anunciada em abril, num período bem mais crítico para o fluxo de embarque de soja. A suspensão de duas décadas atrás durou dois meses, mas mesmo assim não interferiu no volume exportado pelo País naquele ano.
No curto prazo, no entanto, houve um impacto importante, reduzindo o ritmo de embarques de soja e mexendo com os preços do grão no mercado doméstico. Durante a suspensão, o prêmio da soja brasileira ficou negativo em US$ 3 por bushel, o maior em 25 anos. Historicamente, o prêmio é de US$ 0,4 por bushel.
Com o tempo, no entanto, os impactos negativos iniciais foram diluídos. Assim que as restrições caíram, os prêmios voltaram aos níveis históricos e os embarques de soja tiveram uma forte aceleração em junho. Com isso, o resultado do ano ficou dentro das expectativas.
“Como as restrições de agora foram localizadas e temporárias, e considerando o fato de que acontece em janeiro, esperamos que não haja grandes impactos”, reforçou o analista do Bradesco BBI.
***
Procuradas, Cargill e ADM não responderam. O porta-voz da C. Vale não foi encontrado. A Terra Roxa não retornou às ligações. (Colaborou Tatiana Freitas)