Insumos

Por que os biológicos da Vittia atraem gestores mesmo em cenário adverso

Atrasos nas compras de insumos apresentam risco no curto prazo, mas gestores veem ações descontadas considerando o potencial do setor

Uma das protagonistas do mercado brasileiro de insumos biológicos, a Vittia é uma rara companhia do agro que atrai investimento de algumas das gestoras mais badaladas do país. Ancorada na tese da substituição dos produtos químicos, a companhia da família Romanini já subiu 44% desde o IPO, mas ainda parece muito descontada diante do potencial.

Gestores comprados no papel consideram que a Vittia está bem posicionada para aproveitar o boom dos biológicos, se aproveitando de uma base sólida de P&D e forte distribuição, com uma representação capilarizada nos principais polos agrícolas.

No curto prazo, a Vittia lida com o momento adverso da agricultura — o atraso nas entregas de insumos é um risco —, e os analistas acham que, por causa disso, o resultado do segundo trimestre deve ser mais fraco, mostrou um relatório recente da XP.

Nesta quarta-feira, as ações da Vittia caíram quase 6%, pressionadas pelas preocupações e por uma recomendação da Nord. A casa de research recomendou um long&short, com a companhia de biológicos na posição vendida e a Vamos na ponta comprada.

“O segundo trimestre tem sido muito desafiador”, disse Alexandre Del Nero Frizzo, diretor financeiro e de relações com investidores da Vittia, em entrevista ao The Agribiz.

O ano é de ajustes depois dos choques causados pela pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia, que fez os preços dos fertilizantes básicos dispararem devido ao temor de escassez, deixando os biológicos mais em evidência e ajudando nas vendas.

Esse ajuste não se faz apenas em preço, com o valor dos fertilizantes básicos, conhecidos como NPK, devolvendo os ganhos de 2022, mas também na sazonalidade de compras dos insumos.

Passada a fase de especulação do produtor, que começa a acelerar a comercialização beneficiado por uma relação de troca favorável, Frizzo espera um mercado normalizado ao final da safra. “Viemos de um ano de otimismo. Esperamos que este seja um ano bom, mas não será recorde”, afirmou.

Para quem está olhando num horizonte de investimento mais longo, os problemas de curto prazo são apenas um ruído. “Como é um ativo de pouca liquidez, esses movimentos acabam fazendo preço, mas não é relevante para a tese de longo prazo”, disse um gestor do Leblon.

No longo prazo, a dúvida passa ser o tamanho da valorização que a Vittia pode experimentar nos próximos anos. “Vai ser uma das maiores porradas da bolsa nos próximos cinco anos. Pode me cobrar”, emendou outro gestor comprado no papel.

Não à toa, o Vittia tem a JGP entre as principais acionistas — a gestora de André Jakurski tem 5% dos papéis — e casas como Verde, Tarpon, SPX Capital também investem no papel, conforme os últimos dados de fundos disponíveis na CVM.

Múltiplo descontado

Na leitura desses gestores, as transações no mercado privado evidenciam quão barato está o papel. No final do ano passado, a Corteva pagou um múltiplo de 12 vezes o Ebitda pela americana Stoller, enquanto a Vittia tem suas ações negociadas de 7 a 8 vezes o Ebitda.

A brasileira é negociada com esse desconto mesmo tendo um negócio de biológicos que faz margens bem maiores que a americana (27% versus 78%), nota um analista de investimentos de uma gestora de São Paulo.

Entre os ativos brasileiros, as transações privadas também parecem corroborar a leitura dos investidores. A Biotrop, que está num processo competitivo liderado pelo Itaú BBA, pode ser vendida a um múltiplo de quase 13 vezes o Ebitda projetado para 2023, reportou The Agribiz em maio.

“De duas, uma. Ou nossa tese está errada ou o preço da ação está errado. Se tiver crescimento e alguma vantagem de P&D na Vittia  como esperamos, o preço está muito errado,” disse um gestor.

Pesquisa e desenvolvimento são, de fato, prioridade na companhia. Os produtos biológicos para nutrição e combate a doenças ainda estão na primeira geração, exigindo uma evolução do portfólio. “Precisamos estar na vanguarda dessa tecnologia”, afirmou o CFO da Vittia.

Embora o cerne de sua estratégia seja crescimento orgânico, a empresa segue atenta a oportunidades de aquisições. Seu baixo nível de alavancagem favorece. A dívida líquida foi de apenas 1,12 vezes o Ebitda em 12 meses encerrados em março.

Margens altas

Os biológicos são o grande trunfo da Vittia. Apesar de representarem cerca de 30% da receita, respondem por mais de 60% do lucro bruto, com uma margem de 78%. O aumento da participação desses produtos no portfólio da empresa levou a um aumento da margem Ebitda de 14% para 26% entre 2017 e 2022.

Mas como ter a tecnologia não é o suficiente para garantir a adoção dos bioinsumos dentro da porteira, a Vittia seguirá investindo em acesso a mercados por meio de sua estratégia multicanal, afirmou Frizzo.

A empresa está chegando a 300 profissionais no campo dedicados a disseminar a tecnologia e a meta é continuar crescendo, além de aumentar investimentos na área industrial para ganhar escala. A empresa está ampliando a capacidade de produção de sua planta de biológicos, o que pode levar a um aumento de market share.

Por enquanto, a geração de caixa da companhia tem sido suficiente para acompanhar um capex de aproximadamente R$ 70 milhões anuais, disse Frizzo. Captações só fariam sentido no caso de novas aquisições.

Mercado em expansão

O mercado brasileiro de defensivos agrícolas é um dos maiores do mundo, movimentando cerca de R$ 80 bilhões anualmente, segundo o Sindiveg, a associação do setor. Os biológicos representam cerca de 2% desse valor, mas a expectativa é de rápida expansão.

Segundo estudo da S&P Global, o setor deve atingir R$ 17 bilhões até 2030, o que significa uma taxa de crescimento anual de 23%. Os agricultores estão em linha: 58% deles acreditam que o mercado deve avançar nos próximos anos, segundo o mesmo estudo.

Aplicação de fertilizante biológico em plantação orgânica de tomates | Crédito: Shutterstock

Embora a pressão para a adoção de uma agricultura de baixo carbono esteja cada vez maior sobre o produtor, a sustentabilidade está longe de ser o principal estímulo para o agricultor optar por insumos biológicos. A perda de eficácia dos químicos tradicionais no combate a doenças tem levado o produtor a buscar alternativas.

“Hoje o vetor é aumento de produtividade e redução de custos”, disse Frizzo, lembrando que o estímulo ao uso de biológicos por seus atributos ambientais é pouco relevante.

Quando um produtor usa biológicos no manejo integrado (combinado ao uso de químicos), ele não consegue vender seu produto com prêmio. “Temos a agricultura regenerativa que está começando a se desenvolver, mas de maneira muito incipiente.”

O governo federal esboçou, no lançamento do Plano Safra 2023/24, um incentivo ao uso de insumos biológicos, prometendo um desconto de 0,5 ponto percentual na taxa de juros para produtores que substituírem fertilizantes e defensivos convencionais por biológicos. Mas ainda há pontos a serem detalhados, o que tem dificultado a avaliação do impacto do estímulo governamental ao negócio da Vittia.

“É uma boa sinalização, mas não houve a concretização de alguns aspectos importantes. Não temos clareza sobre como vai funcionar a equalização da taxa de juros”, disse o executivo.