Pecuária produtividade

A pecuária brasileira vive um momento de transformação estrutural, marcado por ganhos de produtividade que chegaram a surpreender muitos analistas do mercado financeiro. Nessa toada, a participação do País nas exportações mundiais de carne bovina, que já chega a 28%, vai ficar ainda maior.

Os resultados da indústria neste ano falam por si. Mesmo após registrar o maior volume de abates da história em 2024 — cerca de 40 milhões de cabeças —, os frigoríficos vão bater novo recorde, ao contrário do que se esperava inicialmente.

Nas estimativas do economista Alexandre Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Agro, os abates devem totalizar 41 milhões de cabeças.

O mais interessante desse momento é que o aumento das abates não reflete uma destruição do rebanho, ainda que o Brasil esteja em pleno ciclo de baixa oferta. Para especialistas, os frigoríficos brasileiros continuam abatendo volumes recordes devido aos ganhos de produtividade nas fazendas.

No primeiro semestre de 2025, o Brasil abateu 20,27 milhões de bovinos, segundo o IBGE, surpreendendo. Foi a primeira vez que a marca de 20 milhões de cabeças foi superada entre janeiro e junho.

O rebanho, por sua vez, está em queda pelo segundo ano consecutivo. Segundo o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), o rebanho brasileiro deve ficar em 234 milhões de cabeças neste ano, ante 240 milhões em 2024 e 242 milhões em 2023.

“O gado não para de aparecer quando já imaginávamos que a oferta iria cair”, resumiu Mendonça de Barros em palestra realizada no início deste mês durante um evento da Minerva, líder em exportação de carne bovina na América do Sul.

O fator DDG

O Brasil passa por um momento de baixa no ciclo pecuário, o que significa que os pecuaristas estão mandando mais fêmeas para o abate. Mas, para analistas, a principal influência para a manutenção do ritmo acelerado dos abates é o aumento da produtividade.

“Estamos andando em solo novo na análise da pecuária brasileira, há muitas perguntas sem respostas. Mas eu diria que o aumento de produtividade tem um peso muito maior do que o ciclo pecuário e o descarte de fêmeas nessa oscilação de oferta”, disse Maurício Palma Nogueira, fundador da consultoria Athenagro, em entrevista ao The AgriBiz.

Segundo Nogueira, a transformação da pecuária brasileira começou nos anos 1990, com ganhos na nutrição, melhoramento genético e manejo. Mas esse processo começou a acelerar a partir deste ano devido a um novo ator nas fazendas e confinamentos de bovinos: o DDG.

Coproduto do processo de produção de etanol de milho, o DDG (sigla em inglês para grãos secos de destilaria) têm um alto valor nutricional e custos competitivos. Com a rápida expansão da indústria de etanol de milho, ele está proporcionando ganhos expressivos de produtividade no rebanho, segundo os analistas. Mas ainda não é possível estimar de quanto.

“Estamos diante de uma variável que vai revolucionar todo o processo”, afirma Nogueira. À medida que a produção de DDG ganhe escala, com a construção de mais usinas, o impacto tende a ser ainda maior. “Ainda não temos noção do quanto o DDG poderá modificar a pecuária brasileira nos próximos anos”, disse Nogueira.

Em 2028, a oferta de DDG no País deve atingir 11 milhões de toneladas, ante 6,4 milhões de toneladas neste ano, segundo estimativa da MB Agro. Com a expansão do etanol de milho, inclusive para outras regiões, estruturas de confinamento começam a ser construídas ao lado das plantas, aumentando a competitividade.

Ainda longe dos EUA

Uma comparação simples com a pecuária norte-americana pode dar uma ideia da dimensão do potencial brasileiro. Os EUA têm hoje um rebanho de cerca de 86 milhões de cabeças — o menor em 75 anos — e ainda assim produzem um volume de carne semelhante ao brasileiro.

Em 2024, os americanos devem abater cerca de 30 milhões de animais e gerar 12 milhões de toneladas de carne, implicando num peso médio de carcaça de 400 quilos. No Brasil, 40 milhões de cabeças resultarão em produção ligeiramente inferior, com carcaças em torno de 300 quilos, segundo dados citados por Mendonça de Barros.

Se o Brasil alcançasse produtividade semelhante aos Estados Unidos, o potencial de abate seria de até 75 milhões de animais, um salto significativo ante as 40 milhões de cabeças abatidas atualmente.

Incertezas nos EUA

Enquanto o Brasil amplia produtividade e consolida posição no comércio global, os Estados Unidos atravessam uma fase de incertezas.

Mesmo com o rebanho encolhendo, o país mantém ritmo elevado de abate de fêmeas — mais de 1,1 milhão por mês —, um comportamento atípico diante da valorização dos bezerros e da recuperação das margens da cria. “É um mistério para mim”, admitiu Mendonça de Barros. “Talvez a pecuária americana não volte mais ao tamanho que já teve.”

Para o Brasil, o horizonte é de consolidação como potência exportadora. O país já responde por cerca de um terço do comércio mundial de carne bovina e, segundo o economista, pode atingir 50% ou mais nos próximos anos.

“Temos uma capacidade de expansão impressionante”, afirmou. “Assim como aconteceu com o açúcar, em que o Brasil chegou a representar 80% das exportações globais, a carne bovina caminha na mesma direção.”

Num contexto global de oferta restrita e crescente demanda, especialmente da Ásia, a trajetória brasileira reforça o protagonismo do País como o principal polo de crescimento da produção de proteína animal no mundo — sustentado, desta vez, não pela expansão territorial, mas por ganhos de eficiência.