Análise

O que está por trás da ofensiva das sementeiras contra a Boa Safra

Antes de ser um problema entre os pares, a celeuma é reflexo dos problemas de liquidez que ainda não ficaram para trás na cadeia de grãos

Marino Colpo comemora follow-on da Boa Safra

A ofensiva das sementeiras de Mato Grosso contra a Boa Safra é reveladora dos desafios enfrentados pela indústria de multiplicação de sementes.

Antes de ser uma questão entre os pares, com implicações no Conselho Administrativo de Devesa Econômica (Cade) como a associação de sementeiros de Mato Groso parece desejar, a celeuma é reflexo dos problemas de liquidez que ainda não ficaram para trás na cadeia de grãos.

Com uma parcela relevante dos produtores esticando o máximo possível para adquirir os insumos agrícolas, é natural que as sementeiras com uma estrutura de capital mais forte consigam se sobressair, oferecendo melhores condições comerciais.

A Boa Safra, sem dúvida, reúne essas condições. Em 31 de março, por exemplo, a posição de caixa superava a dívida líquida em R$ 50,5 milhões. “Nesses momentos, quem tem caixa é rei. Faz parte do jogo”, lembra uma fonte.

Nesse sentido, é bastante revelador que um dos argumentos da Aprosmat para abrir um inquérito para averiguar supostas práticas anticompetitivas da Boa Safra esteja relacionado às estruturas de dívidas securitizadas.

Para os sementeiros de Mato Grosso, a companhia dos irmãos Colpo só consegue oferecer preços mais baixos porque não contabilizaria algumas dívidas em seu balanço. Na percepção deles, isso configura um mecanismo para “ganhar mercado de forma desleal”.

O pressuposto desse argumento é que a Boa Safra estaria enganando o mercado, mas essa é uma ideia que simplesmente não para em pé, a começar pelo fato de que os CRAs levantados pela companhia estão listados nas demonstrações financeiras, com seus impactos detalhados.

Além disso, a existência das chamadas dívidas off-balance não é uma exclusividade da Boa Safra, e têm uma razão de ser. Neste caso específico, trata-se de um CRA pulverizado de R$ 335 milhões que foi encarteirado pelo SNAG11, o Fiagro listado da Suno.

Nessa transação, os devedores do fundo são os clientes da Boa Safra, e não a sementeira, como se pode ver detalhadamente no último relatório gerencial do SNAG11. Tecnicamente, a sementeira cedeu o fluxo de caixa futuro de contas a receber de clientes específicos, aprovados na análise de crédito da Suno.

Mas se não há nada de errado com as dívidas da Boa Safra, por que a sementeira vem conseguindo oferecer preços de 10% a 15% mais baixos para convencer os clientes em Mato Grosso?

Para uma fonte da indústria que acompanha as sementeiras de perto, a estratégia comercial da Boa Safra se tornou mais agressiva porque a companhia da família Colpo precisa recuperar mercado após ter deixado de atuar em grandes redes de revendas como Lavoro e Agrogalaxy.

Sem os grandes clientes, dos quais se afastou publicamente em razão do maior risco de crédito, a Boa Safra deflagrou uma ofensiva comercial para atrair revendas de médio e pequeno porte, o que tipicamente envolve mais descontos.

Nessa estratégia, a sementeira está assumindo um risco de médio prazo. “Essa é uma venda transacional, que não fideliza o cliente. O risco é a Boa Safra ser entendida como uma empresa que vende barato. Quando quiser recuperar o preço lá na frente, pode não conseguir”, alertou um experiente executivo da indústria.

No longo prazo, o desafio das sementeiras pode estar em outra etapa da cadeia, muito mais intricada. A GDM, líder disparada no mercado de germoplasma com 80% de participação, é quem tem poder para ditar os rumos do mercado, manejando quem tem as cotas para multiplicar sementes.

Nos últimos tempos, aliás, as concessões de cotas para novos entrantes tem se multiplicado. No fim do dia, é das cotas da GDM que brota a concorrência.

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Abaixo, a íntegra da nota em que a associação de sementeiros de Mato Grosso anuncia o início de um estudo para averiguar supostas práticas anticompetitivas da Boa Safra.

“A Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (APROSMAT), entidade representativa da maior e mais consolidada base de produtores de sementes do Brasil, informa que contratou estudo técnico-econômico e jurídico para apuração de indícios de condutas anticoncorrenciais no mercado brasileiro de sementes, com foco específico nas práticas adotadas pela empresa Boa Safra Sementes S.A.

A medida foi motivada por reiteradas manifestações de associados da entidade, que relatam comportamentos de mercado potencialmente violadores da ordem econômica, notadamente em relação à formação de preços abaixo do custo, utilização de incentivos comerciais não transparentes e outras condutas com indícios de caráter predatório, voltadas à eliminação de concorrentes e à captura artificial de market share.

A APROSMAT reitera seu compromisso com o ambiente concorrencial saudável, com a livre iniciativa e com a preservação da pluralidade de agentes no setor de sementes – fundamental para o desenvolvimento da agricultura brasileira.

Eventuais estratégias empresariais que desvirtuem o regime de competição em benefício de posições dominantes são prejudiciais ao setor como um todo e contrariam os princípios estabelecidos na Lei no 12.529/2011.

Com base nos resultados do estudo, a entidade poderá formalizar representação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), visando à apuração rigorosa dos fatos e à eventual responsabilização das condutas lesivas ao ambiente concorrencial.

A APROSMAT atuará com firmeza, responsabilidade e transparência na defesa dos seus associados e da integridade do setor sementeiro nacional”.

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Em nota, a Boa Safra repudiou as críticas da Aprosmat. Abaixo, o posicionamento da sementeira na íntegra:

“A Boa Safra Sementes repudia veementemente as alegações de práticas anticoncorrenciais divulgadas pela APROSMAT, classificando-as como infundadas e midiáticas, especialmente por não apresentarem provas concretas.

A empresa destaca que seu market share de 8% é incompatível com a acusação de domínio de mercado e reafirma seu compromisso com a livre concorrência e com políticas de preço baseadas em custos reais.

A empresa investiu mais de R$ 200 milhões nos últimos três anos no Mato Grosso, onde mantém operações relevantes, fortalecendo a cadeia produtiva local. Pautada por rigorosos padrões de governança e compliance, a Boa Safra informa que tomará as medidas judiciais cabíveis para proteger sua reputação contra o que considera uma conduta irresponsável e prejudicial”.