Queijos

Da RJ às aquisições: o renascimento do laticínio São Vicente

Em transação arquitetada pela Persa Investments, fabricante mineira de queijos se une à SLBR e prepara mais três aquisições

São Francisco Queijos

A mineira São Vicente, um laticínio conhecido pela produção de queijos especiais, quase foi à bancarrota quando era uma investida do Mercatto, um veículo de private equity da antiga Bozano. Quase seis anos depois, a companhia se reergueu, com novos sócios e uma ambição maior: se tornar um dos cinco maiores laticínios do País.

As aspirações da São Vicente ficaram mais claras recentemente. Há três semanas, a companhia anunciou a fusão com a Só Leite Brasil (SLBR), criando um grupo com faturamento de R$ 600 milhões e apetite para fazer M&As.

O novo momento é um plot twist para a São Vicente, que passou por anos de turbulência até 2019, quando a Bozano saiu do negócio, deixando o laticínio mineiro com R$ 70 milhões em dívidas — naquele ano, a última linha do balanço marcou prejuízo de R$ 18 milhões.

“A situação era bastante delicada. Fomos obrigados a abandonar 50% da nossa bacia leiteira. Era um processo de altíssimo risco, mas não havia outra saída”, lembra Alysson Pires, CEO da São Vicente.

As transformações passaram pela chegada de Pires, que convenceu os demais sócios a optar por uma recuperação judicial, repactuando as dívidas.

Desde a RJ, a empresa — fundada em 1994 por uma família descendente de dinamarqueses que se instalaram em Minas Gerais entre 1910 e 1930 — vem em trajetória ascendente, com redução do endividamento e uma reestruturação que mais que dobrou a operação.

A receita, que era de R$ 70 milhões em 2020, chegou em 2024 a R$ 175 milhões. Para 2025, a meta é chegar a R$ 235 milhões com a operação própria, com Ebitda entre 10% e 11%. Para bater a meta de estar entre os cinco maiores, a companhia precisa faturar mais de R$ 1,5 bilhão.

Mais laticínios que municípios

Foi com essa musculatura que a São Vicente se uniu à SLBR. A transação foi arquitetada pela Persa Investments, firma que controlava a Só Leite Brasil. Depois da fusão, a Persa ficou com 21% do capital da companhia combinada, diz Pires. As partes não revelaram os valores envolvidos no M&A.

“A meta é clara: figurar entre os cinco maiores grupos do setor nos próximos três anos”, afirma Ronei Machado, sócio e fundador da Persa — a boutique paulista de private equity foi criada em 2020 pela vontade de Machado de replicar em investidas o negócio de reestruturação de empresas no qual atuou durante 15 anos.

A Persa decidiu entrar no leite no ano passado, ao comprar a SLBR, amparada na tese de que existe um déficit de profissionalização e muita pulverização. “Minas Gerais tem mais laticínios do que municípios, é uma cadeia muito pulverizada”, ilustra o CEO da São Vicente.

Para Machado, os laticínios serão consolidados assim como ocorreu nas agroindústrias de carnes. “No leite, os maiores grupos ainda têm penetração de apenas 30%. Mais de 50% dos laticínios mineiros têm entre 30% e 40% de ociosidade. A cadeia é pouco estruturada, e falta financiamento. Tem muita lenha para queimar”, resume.

Do UHT aos queijos finos

Machado diz que a união com a São Vicente se deu devido a predicados importantes, como ser reconhecida no mercado, ter um portfólio diferente e complementariedade em bacia, atividade comercial e logística.

A SLBR traz para a mesa operações em commodities lácteas, principalmente leite concentrado e UHT — de margens menores —, enquanto a São Vicente é uma fabricante de queijos especiais.

“Muitos dos segmentos em que a São Vicente está, a SLBR não estava, e vice-versa. Tem um ganho de aumento de volume só pelo cruzamento de clientes”, diz Machado.

O grupo nascido da fusão tem cinco plantas industriais, 500 empregados, centro de distribuição, 800 produtores associados e captação de 400 mil litros por dia, contra 90 mil litros por dia na antiga SLBR.

Com a fusão, o processamento subiu para 14 milhões de litros de leite por mês. O objetivo é elevar esse volume para 1 milhão de litros por dia em alguns anos — como referência, a líder Lactalis captou cerca de 7,3 milhões por dia no ano passado.

A união também trará economias. O CEO da São Vicente calcula que a fusão vai permitir um ganho de sinergias de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões por mês, em processos como frete e captação de leite, além de impostos.

Diversificação e M&As

Estrategicamente, a meta agora é ampliar a atuação da São Vicente nos lácteos, que atualmente ainda é muito concentrada em queijos finos das linhas amarela (gouda e estepe) e de mofo branco (camembert e brie) e mofo azul.

O movimento em direção aos produtos mais comoditizados é curioso, considerando as margens apertadas do UHT — não foi à toa que a Nestlé parou de produzir longa vida no Brasil.

Mas a nova São Vicente quer se situar no meio do caminho. A ideia é atuar em duas frentes: investir em pesquisa e desenvolvimento de produtos, incluindo alimentos personalizados e linhas funcionais, e, ao mesmo tempo, entrar em commodities nas quais ainda não atua.

Um primeiro passo foi dado no relevante subsegmento de requeijão, no qual a empresa entrou em 2023 e, agora, busca alcançar 1,5% de participação até 2026.

“A gente vai desenvolver produtos nos três principais businesses de queijo: parmesão, muçarela e provolone. E queremos democratizar produtos premium e linhas de saudabilidade”, diz Almeida.

Aos poucos, a São Vicente vai complementando o portfólio. “Ainda não temos as fórmulas nem o leite em pó, mas estamos em um caminho de volumetria. É um primeiro passo para atrair novos players”, complementa Machado.

Em paralelo com o crescimento orgânico, o ânimo por consolidação segue forte: o grupo tem mais três aquisições no horizonte, duas das quais devem ser anunciadas no curtíssimo prazo.

Segundo Machado, uma dessas empresas-alvo é focada em produtos saudáveis e proteicos, um nicho que ele considera importante para o portfólio.

“O primeiro negócio devemos anunciar nos próximos 15 dias. Não vai mudar a nossa vida porque é uma empresa pequena, com R$ 2 milhões a R$ 3 milhões de receita por mês. Mas tem margens expressivas, é um nicho que vai nos dar um mix interessante.”

Um segundo deal, já em fase de diligências, deve ser anunciado nos próximos 30 a 60 dias. “Nós somos uma casa de investimentos, no fim do dia o que interessa é ter uma empresa com boa geração de Ebitda”, resumiu o fundador da Persa.